Juba: a reconstrução da cidade destruída pela guerra
Foram necessários 30 anos de guerra para que o Sudão do Sul conquistasse a independência. Um longo período de violência que deixou marcas profundas na urbanização da capital, Juba. Como todas as atenções e todo o dinheiro foram concentrados no gigantesco esforço de guerra, a cidade não tem água tratada, rede de esgoto ou iluminação pública. O ronco dos geradores a diesel dos hotéis e casas comerciais é a trilha sonora de quem caminha pelas ruas dessa cidade empoeirada e de trânsito caótico.
Juba nasceu como um entreposto comercial da expansão britânica ao Sul do Egito, no século 19, e permaneceu praticamente parada no tempo até alguns anos atrás. Depois da independência, em julho de 2011, o movimento de carros e carretas cresceu de forma explosiva e tomou cada trecho das ruas sem pavimentação. Todas as grandes organizações não governamentais de apoio humanitário estão na cidade, bem como entidades ligadas às Nações Unidas (ONU), a organismos multilaterais e governos europeus.
O esforço de construção é intenso, embora o terreno pantanoso do Vale do Rio Nilo Branco torne muito caro fazer fundações para edifícios altos. Hotéis, por exemplo, ficam em enormes lotes, com todos os quartos no térreo. Boas casas e blocos comerciais vão tomando o lugar dos barracos e casebres semidestruídos pelos anos de batalhas. Os bancos chegam aos poucos: há três agências, mas não há nenhum caixa eletrônico na cidade. Cartões de crédito também não são aceitos. As despesas, de qualquer natureza, só são pagas em dinheiro, em dólares ou na moeda local, a libra sul sudanesa que, por decreto presidencial, vale 3,80 por dólar.
Sobre o Rio Nilo Branco (que centenas de quilômetros adiante, em Cartum, capital do Sudão, se junta ao Nilo Azul para formar o Grande Nilo, o maior rio africano) há uma única ponte, de madeira, vigiada dia e noite como área de segurança nacional. É expressamente proibido tirar fotografias. É por essa ponte que passa a estrada que vai até Kampala, capital da vizinha Uganda, a 600 quilômetros. É a única via asfaltada no Sudão do Sul e, mesmo assim, com muitos trechos em estado precário.
No Hotel Grand Juba, pergunto ao gerente Germaine Lehodey se é verdade que a cidade tem mais hotéis do que escolas. “Aqui há poucas escolas”, responde. A hotelaria, no entanto, prospera com a chegada de estrangeiros. Só há bares e restaurantes nos hotéis.
Lehodey chegou há 11 meses ao Sudão do Sul. Ele é francês e viveu duas décadas na África do Sul. “Passei pelo fim do aparhteid, lá, e agora estou aqui. Gosto de ver países em formação”, conta. O gerente confessa está espantado com a taxa média de ocupação dos 180 quartos do hotel: sempre acima de 90%. “Nunca trabalhei com uma ocupação tão alta”, revela.
Alta também é a taxa de analfabetismo. Em um país com 10 milhões de habitantes, oito em cada grupo de dez sul-sudaneses não conhecem as letras, nunca passaram por uma escola. Também não há hospitais, apenas um ou outro consultório médico.
O aeroporto, onde as malas de quem chega são arremessadas de um lado para outro na pista, só opera durante o dia, por falta de iluminação e instrumentos de navegação. A estação de passageiros é apenas uma casinha onde guardas mal-humorados a toda hora chamam o viajante para uma revista – várias vezes consecutivas. Não há detectores de metais ou máquinas de raio X, todas as bagagens são abertas, sem exceção. O visto de entrada custa US$ 100 por pessoa.
Para se ter uma ideia do crescimento da cidade, em 2005 havia 150 mil habitantes. Hoje, são quase três vezes mais. Gente de toda parte, principalmente da Etiópia, do Quênia e de Uganda, chega à procura de emprego.
Judith Mitu veio de Uganda há três anos, apostando que a independência que se anunciava traria oportunidades. Hoje, é auxiliar da direção de uma pousada e diz que a migração valeu a pena. “O salário é muito melhor do que na minha terra natal. E, com a independência, a lei islâmica deixou de ser obrigatória e já não apanhamos ao andar sozinhas ou sem cobrir a cabeça”, comemora.
Os estrangeiros que chegam demandam alimentos, roupas, combustíveis. E tudo tem de ser importado. As carretas chegam de Uganda. E tudo do Sudão do Sul custa pelo menos três vezes mais que no país vizinho. Para comprar 1 litro de gasolina, por exemplo, é preciso pagar até US$ 10. Água potável, vendida em galões nas ruas, custam US$ 2 o litro.
Recentemente, o governo sul-sudanês chegou à conclusão de que o melhor, em vez de reconstruir Juba, seria fazer uma nova capital: Ramciel. O nome vem de duas palavras do idioma dinka: ram (encontro) e ciel (no meio). O lugar escolhido fica a 200 quilômetros ao norte de Juba, no centro do país, onde o terreno é melhor, a área já pertence ao governo, e o projeto começou a ser feito por uma companhia coreana. Alguns arriscam um prazo de 20 anos para que a nova cidade esteja pronta, mas a previsão oficial é inaugurar Ramciel em seis anos. “Vocês não fizeram Brasília? Nós vamos fazer uma também”, diz, confiante, o gerente Lehodey.
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