"Agora podemos avançar com processo no Brasil", diz representante de vítimas do AF 447
Peritos da Justiça francesa defendem o indiciamento das empresas Air France e Airbus por homicídio culposo – sem a intenção de matar – pelo acidente com o avião A330, que fazia trajeto do Rio de Janeiro a Paris em 2009 e caiu no Oceano Atlântico, próximo à costa brasileira, resultando na morte de 228 pessoas. Os peritos apresentaram relatório ontem (10), em reunião a portas fechadas em Paris, aos parentes das vítimas.
Na França, diferentemente do Brasil, as empresas podem ser processadas e julgadas nos âmbitos criminal e penal. Apesar das avaliações técnicas dos peritos terem sido semelhantes às do relatório do Escritório de Investigações e Análises da França (BEA, na sigla em francês), divulgado na última semana, os peritos enfatizaram maior responsabilidade das empresas no acidente por não considerarem satisfatória a explicação de que a queda do avião foi provocada apenas por erros da tripulação, conforme relatos dos parentes.
De acordo com a avaliação da juíza responsável pelo caso, a francesa Sylvia Zimmermann, as dez falhas eletrônicas identificadas no avião impossibilitavam qualquer piloto de reagir adequadamente perante a situação.
O BEA apontou falhas humanas e técnicas que levaram ao acidente – como o congelamento de sensores e de instrumentos de velocidade e a perda de controle por parte da tripulação.
“Colocar a culpa nos pilotos é muito simplista. Senão, toda vez que houver uma tragédia vai se colocar a culpa no piloto, que está morto, e pronto. Muitas vezes a tripulação age de determinada forma porque há falha de instrumentos ou falta treinamento. O piloto pode ter sido induzido ao erro por esse tipo de falha”, disse o secretário-geral da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapavaa), Christophe Haddad.
ACIDENTE MATOU 228 PESSOAS
Os problemas no avião começaram poucos minutos depois de o principal piloto começar o seu descanso regulamentar. Segundo o BEA, o comandante foi descansar sem deixar "claras recomendações" aos dois copilotos que ficaram no controle.
Os documentos mostraram que os pilotos levaram o Airbus para uma região de tempestades --apesar dos copilotos terem feito um desvio de 12º na rota-- e a baixa temperatura acabou por congelar os sensores de velocidade, dificultando o trabalho da tripulação.
A incoerência nas informações de velocidade provocou o desativamento do piloto automático. Segundo os documentos, o copiloto mais jovem iniciou uma manobra equivocada --elevando o bico da aeronave, quando o recomendado é abaixá-lo. De volta à cabine, o piloto não conseguiu reverter a situação. Falhas mecânicas podem ter dificultado as respostas da tripulação.
A aeronave caiu durante três minutos e trinta segundos antes de tocar a superfície do oceano. Em nenhum momento a tripulação avisou os passageiros sobre os problemas enfrentados na cabine, segundo relatórios anteriores.
De acordo com outro representante brasileiro das vítimas do acidente, Maarten Van Sluys, já havia a perspectiva de que a Justiça francesa seria mais contundente em relação à culpa das empresas. As famílias mantêm contato com o Consulado do Brasil na capital francesa, que faz a intermediação entre os Judiciários do Brasil e da França.
“A noção de culpa das empresas se confirmou depois da audiência [de ontem, entre a juíza Zimmermann, advogados e familiares]. Agora, podemos avançar com o processo no Brasil. Fizemos uma petição ao procurador-geral da República (PGR), Roberto Gurgel, em 2009, com o indiciamento da Air France”, informou Van Sluys.
O caso foi encaminhado ao procurador federal em Recife, Anderson Wagner, que disse aos familiares que a PGR só iria se pronunciar após posicionamento favorável da Justiça francesa.
Segundo normas do Direito Internacional, a investigação do acidente deveria ocorrer primeiro no país de origem da matrícula do avião – no caso a França – o que não impedia que fosse instaurado inquérito no Brasil. Em visita ao país, no entanto, ficou acordado entre a juíza Zimmermann e o procurador Wagner que a Justiça brasileira iria aguardar o posicionamento francês.
“Agora temos um caminho a percorrer, nos sentimos muito aliviados. A sensação é de uma pequena vitória dentro do quadro de uma grande derrota, que foi a perda das pessoas no acidente. Existe o sentimento de que vai haver justiça”, disse o representante das famílias.
“A viúva de um dos pilotos estava presente e se emocionou porque estava vendo o marido ser execrado. E essa decisão abre uma reviravolta na compreensão da opinião publica em relação ao caso”, disse Van Sluys.
Com a conclusão da perícia francesa, as partes terão prazo para se manifestar e, em seguida, a juíza responsável decidirá se o caso irá aos tribunais ou será arquivado.Tanto a Airbus quanto a Air France informaram que não irão se pronunciar sobre o processo judicial, que ainda está em trâmite. Uma eventual condenação das empresas poderá fazer que haja aumento das indenizações a serem pagas às famílias das vítimas e mais segurança aos passageiros.
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