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Julgamento da banda Pussy Riot revela proximidade perturbadora entre Igreja e Estado na Rússia

Integrantes da banda podem pegar até sete anos de prisão por um protesto realizado em uma igreja, quando cantaram uma música intitulada "Virgem Maria, libertai-nos de Putin" - Reuters
Integrantes da banda podem pegar até sete anos de prisão por um protesto realizado em uma igreja, quando cantaram uma música intitulada "Virgem Maria, libertai-nos de Putin" Imagem: Reuters

Benjamin Bidder

Der Spiegel, em Moscou

09/08/2012 06h00

O julgamento contra a Pussy Riot, uma banda punk ativista de Moscou, está chegando ao fim. Após os pedidos de dentro da Igreja Ortodoxa Russa por uma punição dura à apresentação improvisada das artistas punk dentro da principal catedral de Moscou, os promotores pediram na terça-feira (7) por sentenças de três anos de prisão para cada uma das três mulheres acusadas. Os procedimentos apressados avançaram noite adentro.

Houve alegações na sala do tribunal de que as rés estavam vestindo roupas “obviamente contrárias às regras gerais da Igreja”. Foi até mesmo sugerido que as mulheres estavam possuídas pelo diabo, tendo “se contorcido e pulado satanicamente, erguido suas pernas, rodando suas cabeças e proferido palavras insultantes e blasfemas”.

Graças ao fraco ciclo de notícias do verão, dezenas de equipes de televisão de todas as partes do mundo vieram noticiar o julgamento grotesco na corte de Khamovniki, em Moscou.

Mas lentamente, tanto a comunidade ortodoxa russa quanto o Kremlin começaram a perceber que podem ter prestado um desserviço a eles mesmos com este processo impiedoso e bizarro contra as integrantes da banda anti-Putin. Um veredicto duro não servirá como dissuasor, alerta o clérigo e intelectual ortodoxo Andrei Kurayev. Pelo contrário, a Igreja está provocando crimes de imitadores e encorajando uma radicalização da oposição, ele diz. “Nunca houve escassez de jovens extremistas” na Rússia, acrescenta Kurayev.

Konstantin Sonin, um colunista do jornal de negócios “Vedomosti”, até mesmo falou em “o pior erro da Igreja desde 1901”. Naquele ano a Igreja Ortodoxa Russa excomungou o escritor idoso Leon Tolstói.

Onda de apoio

A juíza Marina Syrova disse na quarta-feira (8) que anunciaria o veredicto em 17 de agosto para Nadezhda Tolokonnikova, 23 anos; Maria Alekhina, 24 anos; e Yekaterina Samutsevich, 29 anos. Em uma recente entrevista dada por ele em Londres, quando as ativistas do Pussy Riot foram presas, o primeiro-ministro Dmitri Medvedev proibiu qualquer intervenção no caso –ao menos de entidades estrangeiras. Enquanto isso, durante uma breve visita aos Jogos Olímpicos de Londres, o presidente Vladimir Putin disse: “Eu não acho que o veredicto deverá ser severo”.

Não há como saber se a declaração de Putin, que geralmente nunca cede à pressão externa, sinaliza uma decisão de um tratamento mais brando à Pussy Riot. Mas o Kremlin certamente não arriscaria uma absolvição. Isso seria interpretado como uma vitória imensa para a oposição, e um tapa na cara da Igreja, uma aliada de longa data do Kremlin. E a Igreja também não ficaria satisfeita com uma grande multa para a banda. Por dias ela tem alertado que os muitos apoiadores da Pussy Riot levantariam facilmente o dinheiro.

Mas a Igreja e o Kremlin só podem culpar a si mesmos pelo inchaço do apoio mundial. O julgamento escandaloso contra a Pussy Riot revelou uma proximidade perturbadora entre a Igreja e o Estado na Rússia. Durante a era soviética, foi a agência de inteligência KGB e sua antecessora, a polícia secreta NKVD, que prendiam os fiéis e membros do clero, os trancando em gulags ou os matando à bala. Milhares de igrejas foram demolidas –entre elas a principal Catedral do Cristo Salvador, em Moscou. O ex-presidente Boris Yeltsin foi o primeiro a permitir sua reconstrução.

Mas Putin –um ex-chefe da KGB e líder de seu sucessor, o Serviço Federal de Segurança (FSB), nos anos 90– foi ainda mais longe. Por anos os agentes da inteligência cultivaram apoio entre os principais líderes da Igreja para ele. Uma pessoa teria dificuldade em encontrar qualquer sinal de que o patriarca ortodoxo russo Kirill teme o FSB. Enquanto transcorria o julgamento da Pussy Riot na semana passada, ele lançava a pedra fundamental da nova igreja da Academia do FSB em Moscou.

Reações exageradas

Foi exatamente essa relação estreita entre a Igreja e o regime de Putin que a Pussy Riot usou para justificar sua aparição na catedral de Moscou. E como seus oponentes parecem ser tão poderosos, e políticos conservadores como o filósofo de direita Alexander Dugin querem vê-las “queimar em uma pira”, a Pussy Riot conseguiu uma onda de solidariedade do Ocidente que até mesmo o ex-oligarca preso Mikhail Khodorkosky invejaria.

A lenda do pop Madonna defendeu uma sentença leniente durante um concerto em Moscou nesta semana, assim como muitos membros do Bundestag, o Parlamento alemão. Eventos de solidariedade foram realizados em Munique e um vídeo de apoio pela artista pop Peaches está planejado em Berlim. Até mesmo na tranquila cidade suíça de Winterthur, alguém teria pichado “Libertem a Pussy Riot” na lateral de um prédio.

Mas por mais questionável que possa ser o furor com que a Igreja e Justiça estão perseguindo a banda, as reações e expectativas do Ocidente são igualmente exageradas. O jornal britânico “The Observer” chamou o grupo de “a maior dor de cabeça política” de Putin. Enquanto isso, o semanário alemão “Der Freitag” perguntou: “Será que essas mulheres podem derrubar Putin?”

É claro que a resposta é não. Apesar de pesquisas mostrarem que a maioria dos russos desaprova os laços da Igreja com o governo em Moscou, dados do Centro Levada, um respeitado órgão de pesquisa, mostram que quase 47% dos entrevistados consideram a sentença máxima possível de 7 anos como uma punição “apropriada” para a banda.

Longe de serem heroínas folclóricas

Independente de quão provocadora ou excessiva possa ser a abordagem da Pussy Riot, elas ainda não são candidatas apropriadas para se tornarem heroínas folclóricas russas. A banda vem de uma cena de vanguarda de Moscou cujas iniciativas alienariam muitos também na Alemanha e no Ocidente. A ré Nadezhda Tolokonnikova, por exemplo, fazia parte de um grupo chamado Voina, que significa guerra. As artistas de protesto são famosas não apenas por virarem viaturas policiais e provocar o FSB com um falo enorme em frente de seu quartel-general, em São Petersburgo –mas também por promover uma orgia em massa em um museu de Moscou.

Isso torna improvável que as massas russas de mentalidade conservadora invadam o Kremlin em caso de uma condenação da Pussy Riot.

Conhecido por suas posições geralmente pró-governo, foi surpreendentemente o jornal “Izvestia” de Moscou, dentre todos, que expressou recentemente aquela que pode ser a conclusão mais apropriada sobre o julgamento. “O que é certo”, escreveu o jornal na semana passada, “é que no caso da Pussy Riot, todo mundo já perdeu –independente do julgamento terminar em absolvição ou não”.