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Ministro das Relações Exteriores critica "desvios no combate ao terror"

Do UOL, em São Paulo

19/08/2013 12h43

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, criticou, nesta segunda-feira (19), os desmandos cometidos em nome do combate ao terrorismo e disse que irá conversar com o chanceler britânico, William Hague, sobre a detenção do brasileiro David Miranda, por nove horas, no Aeroporto de Heathrow, em Londres no domingo (18).

"Continuamos a assistir alguns desmandos e desvios nessa questão do combate ao terrorismo. Reconhecemos que é um combate legítimo, que precisa ser articulado de forma a impedir que vidas inocentes sucumbam a atos de violência gratuita, mas também precisa se inspirar nos ideais de multilateralismo, direito internacional e racionalidade", disse, durante discurso em cerimônia de homenagem a Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro que morreu há dez anos no Iraque.

Mais tarde, para jornalistas, o ministro afirmou que a detenção de Miranda, que é companheiro do jornalista do diário inglês "The Guardian", Glenn Greenwald, que noticiou sobre o esquema de espionagem do governo norte-americano, não é justificável. "Espero que não volte a acontecer. Hoje mesmo (segunda) deverei conversar com o chanceler William Hague, do Reino Unido", disse.

Segundo Patriota, entre os abusos cometidos em nome do combate ao terror está o de “enquadrar pessoas mesmo sem justificativa alguma para que se haja suspeita de envolvimento com o terrorismo".

O chanceler brasileiro também criticou o uso indiscriminado de tecnologias militares, como os veículos aéreos não tripulados, que causam mortes de civis. "A comunidade internacional assiste, com certa surpresa, às vezes, a atividade de veículos não tripulados que estão a serviço do combate ao terrorismo, mas também provocam um número elevadíssimo de vítimas civis inocentes, sem que haja um debate sistemático sobre isso", disse.

Patriota aproveitou para defender a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, dizendo que a atual composição do conselho não está em "consonância" com a multilateralidade do mundo moderno.

Parlamentares britânicos pedem explicação

As autoridades britânicas estão sendo criticadas por parlamentares pela detenção durante nove horas do companheiro brasileiro do jornalista que revelou os documentos obtidos pelo fugitivo americano Edward Snowden.

Esta detenção é “extraordinária”, se indignou o presidente da Comissão Parlamentar Britânica do Interior, o trabalhista Keith Vaz, que exigirá explicações da polícia.

"O que é extraordinário é que eles sabiam que se tratava do parceiro de Greenwald e, portanto, fica claro que não somente as pessoas envolvidas estão sendo visadas, como também pessoas ligadas aos envolvidos", disse à “BBC”.

"Vou escrever à polícia e pedir explicações, porque deter alguém sob essas circunstâncias e, além disso, confiscar seus pertences mostra um uso diferente da legislação", afirmou. "Eles podem ter uma explicação razoável para isso e, se esse for o caso, então pelo menos saberemos e ficaremos preparados", acrescentou Vaz.

Outro deputado da oposição trabalhista, Tom Watson, considerou indispensável conhecer o eventual envolvimento do governo nesta detenção.

“Devemos saber se os ministros estavam cientes da decisão de deter David Miranda e quem tomou concretamente a decisão”, disse Watson.

O governo brasileiro protestou duramente contra esta detenção, ao considerar 'injustificável envolver um indivíduo, contra o qual não pesa qualquer acusação que possa legitimar o recurso à legislação' britânica antiterrorista.

A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional considera esta detenção 'ilegal e imperdoável (...) uma tática revanchista'.

'É totalmente improvável que David Michael Miranda, um brasileiro que fazia escala em Londres, tenha sido detido por casualidade, dado o papel que seu marido desempenhou ao revelar a verdade sobre a natureza ilegal da espionagem da NSA', disse Widney Brown, responsável de política e legislação internacional da Anistia.

Opinião compartilhada pela organização WikiLeaks, especializada na publicação de documentos secretos, que denunciou 'o abuso por parte das autoridades britânicas da legislação sobre o terrorismo'.

O jornal The Guardian destacou estar 'chocado' com a situação.

O ministério do Interior britânico se recusou nesta segunda-feira a fazer qualquer tipo de declaração, mas as autoridades britânicas estavam cada vez mais pressionadas para dar explicações, após as críticas do governo brasileiro, da Anistia Internacional e de deputados do Parlamento britânico.

A polícia britânica confirmou, por sua vez, os incidentes.

'Não foi detido, razão pela qual foi liberado', afirmou um porta-voz.

David Miranda foi detido quando fazia escala no aeroporto de Heathrow em seu voo procedente de Berlim com destino ao Rio de Janeiro, onde vive com Greenwald. O brasileiro foi liberado mas seus equipamentos eletrônicos, entre eles o computador, telefone celular, pen-drives, DVDS e jogos eletrônicos foram apreendidos.

Em Berlim, Miranda passou uma semana na casa da documentarista americana Laura Poitras, que foi selecionada por Snowden, junto a Glenn Greenwald, para publicar os documentos que trouxeram à tona os programas de espionagem realizados pela Agência de Segurança Nacional americana.

Miranda pede ação do Senado

David Miranda prometeu, ao desembarcar no Brasil, tomar providências sobre sua detenção e pediu a ação do Senado.

"Eu fiquei numa sala, tiveram seis agentes diferentes, entrando e saindo, falando comigo. Fizeram perguntas sobre a minha vida inteira, sobre tudo, levaram o meu computador, videogame, celular", disse Miranda a jornalistas no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, onde foi recebido por Greenwald.

"Eles estavam alegando a lei sobre terrorismo. Vou tomar providências aqui no Brasil. Espero que o Senado esteja vendo isso e eu espero que eles façam alguma coisa, porque a gente sabe o que está acontecendo", acrescentou.

Greenwald afirmou nesta segunda-feira que a detenção de seu companheiro foi uma tentativa de intimidação contra seu trabalho, mas que vai responder com novas denúncias.

"Eles quiseram mandar uma mensagem... sobre intimidação. De que eles têm poder, e se continuarmos fazendo a nossa reportagem, publicando os segredos deles, que eles não vão ficar só passivos mas vão atacar a gente com mais intensidade", afirmou.

"Agora eu sei o caráter verdadeiro desse governo, do governo dos EUA, e por causa disso acho que a reportagem é mais importante do que antes, e eu vou fazer minha reportagem muito mais agressiva do que antes por causa disso", acrescentou. (Com Agência Brasil, Efe, AFP, Reuters e BBC)