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Documentos revelam farsa sobre o 11 de março na Espanha 10 anos depois

María Fernández

Do El País, em Madri

12/03/2014 00h01

Que uma década depois que se escreva um artigo sobre as mentiras propagadas após a chacina do 11 de Março (11-M) em Madri diz muito sobre a perversão do processo.

O Partido Popular (PP), então no governo e sob cuja direção se realizou a parte fundamental da investigação dos assassinatos, se preocupou em estimular durante anos todo tipo de boatos relacionados à chacina, com a ajuda de meios de comunicação encabeçados por "El Mundo" e a rede Cope.

As suspeitas foram desmontadas com a contundente sentença baseada em um sumário de mais de 100 mil páginas. Os boatos pretendiam desviar o tiro para o ETA, sob a falácia de que tudo havia sido montado sobre provas falsas para ocultar o suposto verdadeiro fim dos atentados: derrubar o governo de forma ilegítima, com cumplicidade do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

- Os relatórios do CNI

No dia seguinte ao atentado, o secretário de Estado da Segurança, Ignacio Astarloa, encomendou um relatório sobre a relação que islâmicos e membros do ETA mantinham nas prisões terroristas. Não foram encontradas mais que seis comunicações entre "etarras" e islâmicos, e nenhuma relativa ao 11-M. Os fatos não importaram a "El Mundo", que em 1º de junho de 2004 deu o título: "Um líder islâmico propôs ao ETA depois do 11 de Setembro realizar atentados conjuntos".

Uma das supostas provas foi uma comunicação de Antonio Toro com seu cunhado, Emilio Suárez Trashorras, o mineiro que forneceu a dinamite. Toro teria lhe passado um telefone de contato com o ETA para vender explosivos. A investigação confirmou que não pertencia aos etarras.

- Confissões de Trashorras

O ex-mineiro foi um dos principais atores dessa trama maléfica. Embora hoje se arrependa e tenha afirmado a "El Confidencial" que envolveu o ETA para "distrair e causar confusão", chegou a afirmar que Jamal Ahmidan, "o Chinês", responsável pelo núcleo operacional dos atentados, tinha contatos com o ETA. Era mentira, mas o PP comprou os boatos divulgados por Trashorras através de "El Mundo".

Também era falsa, e hoje o ex-mineiro o reconhece, sua afirmação de que o 11 de Março foi um golpe de Estado encoberto atrás de um grupo de muçulmanos. O jornal que então era dirigido por Pedro J. Ramírez publicou em setembro de 2006 dois capítulos de uma entrevista com o processado que envolvia o PSOE como ocultador da verdade sobre a chacina. Dias depois, "El País" publicava uma conversa entre Trashorras e sua família na prisão: "Enquanto 'El Mundo' pagar, se eu estiver fora, conto até a Guerra Civil", dizia.

- Mochilas fantasmas

Esse boato se baseava em que a mochila-bomba que não explodiu na estação de El Pozo e que deu pistas sobre os assassinos islâmicos era uma prova falsa. O julgamento demonstrou que as partes misturavam fatos e incorriam em contradições. Ninguém apresentou o menor indício de que a mochila pudesse ter sido colocada de propósito para inculpar os islâmicos.

- As autópsias "falsas"

O delírio dos paranoicos da conspiração chegou ao julgamento de várias maneiras. As defesas alegaram que o suicídio de sete terroristas em Leganés, onde também morreu o membro do Grupo Especial de Operações Francisco Javier Torronteras, poderia ser uma montagem. A sentença o explicou assim: "Deixam entrever, mas nunca afirmam, que o que ocorreu em 3 de abril de 2004 em Leganés não foi consequência da detonação involuntária, senão obra de uma mão desconhecida que, como parte de um plano maquiavélico mais amplo, idealizou e executou os atentados de 11 de Março". O argumento foi demonstrado falso e a conclusão, errônea.

"Como em muitas outras ocasiões ao longo deste processo, isola-se um dado - se descontextualiza - e se pretende dar a falsa impressão de que qualquer conclusão depende exclusivamente dele."

- O explosivo

A análise dos explosivos utilizados desmontou mais falsidades. O relatório final evidenciava que tanto os restos da dinamite que explodiu como as amostras encontradas nos cenários relacionados com o 11-M eram de Borracha 2 ECO ou EC, do mesmo tipo que a roubada na mina de Astúrias que depois foi vendida aos islâmicos.

Em todos os casos se encontrou uma porcentagem de dinitrotolueno (DNT) inferior a 1%, o que propagou o boato de que estava ligado aos explosivos (Titadyne) que o ETA costuma utilizar. Oito peritos esclareceram que a dinamite tinha sido contaminada em sua fabricação ou em outro momento.

- A camionete Kangoo vazia

Assim como com a mochila de El Pozo, outro dos boatos divulgados por "El Mundo" se baseou no aparecimento, por arte de magia, de detonadores que conduziram os assassinos na camionete Renault Kangoo roubada na qual se deslocaram os terroristas até Alcalá de Henares.

Segundo o jornal, Juan Jesús Sánchez Manzano, chefe dos Tedax, declarou diante da comissão parlamentar que examinou a Kangoo durante "três minutos" e que só viu a sacola com os detonadores sob o assento do copiloto. Outras testemunhas o corroboraram. Mas o veículo tinha 61 objetos, o que levou à suspeita de que alguém poderia ter tê-los introduzido ali.

A sentença explica que eram "papéis, cartas, pequenos objetos como lanternas, etc, que não contradizem sequer a genérica e usual acepção que na linguagem comum significa que uma camionete está vazia".

- O mata-baratas

O caso foi chamado de "caso do ácido bórico", e supostamente ligava o ETA a jihadistas. Tudo era falso. Em um informe enxuto de três páginas assinado em 21 de março de 2005 por três peritos da Polícia Científica, fazia-se constar que uma das substâncias encontradas no apartamento de Hassan el Haski, condenado a 15 anos de prisão, era a mesma que a encontrada em uma batida em 2001 em um apartamento do ETA em Salamanca.

O ácido bórico é usado para mascarar o odor de pés e como mata-baratas. Sua elucubração, de duas linhas, foi eliminada do relatório por seus superiores, o que levou os meios ligados ao PP a falar em manipulação para desviar a atenção do ETA.

- Temporizador para máquinas de lavar

Em 2007, em pleno julgamento, o advogado do acusado Basel Ghalyoun exibiu a foto de um temporizador apreendida ao ETA que, segundo ele, era idêntico a outro encontrado na batida na residência onde pernoitaram Ghalyoun, Fouad el Morabit e o suicida de Leganés Asrih Rifaat Anouar. O aparelho era na realidade do dono do apartamento, Almallah Dabas, que consertava eletrodomésticos como lavadoras e geladeiras.

- A orquestra Mondragón

Em 3 de maio de 2006, "El Mundo" publicava: "A camionete Kangoo do 11-M tinha um cartão do Grupo Mondragón". Novamente apareciam as supostas ligações entre o atentado e o País Basco com o absurdo argumento de que o cartão "tinha um número de telefone fixo cujo prefixo também levava ao norte". O sumário o desmente: a camionete tinha uma fita da Orquestra Mondragón.