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Casal gay relata clima "liberal" e diz que "era feliz" na Berlim comunista

O casal Frank Müller e Mark Hoffmann, em imagem da década de 1980: eles dizem que a Constituição da Alemanha comunista era "bastante liberal" - Acervo pessoal/Frank Müller
O casal Frank Müller e Mark Hoffmann, em imagem da década de 1980: eles dizem que a Constituição da Alemanha comunista era 'bastante liberal' Imagem: Acervo pessoal/Frank Müller

Bruno Huerta e Gil Alessi

Do UOL, em Berlim e em São Paulo

08/11/2014 06h00

A vida em Berlim Oriental – o lado comunista da capital alemã - é frequentemente associada a privações, repressão e desejo de fugir para o oeste capitalista. Não é assim que o casal Frank Müller, 50, e Mark Hoffmann, 57, se lembra dos tempos em que um muro dividia a cidade. 

“Havia uma vida muito liberal e aberta. A gente estava contente em Berlim Oriental”, afirma Frank. “Na RDA [República Democrática Alemã] estudei, tive acesso à universidade e comecei logo a trabalhar”, diz Mark Hoffmann, 57.

Ele diz que quando o muro caiu, alguns amigos pensaram imediatamente em se mudar para a Berlim Ocidental, "mas como nós tínhamos nossa vida aqui e estávamos contentes decidimos ficar".

“Ficamos sabendo da queda do muro pela TV. Havia um programa de notícias da Alemanha Ocidental que conseguíamos sintonizar no leste, e vimos que a partir daquela dia [9 de novembro] se podia viajar para lugares antes proibidos” afirma Frank.

Mark e Frank - Acervo pessoa/Mark Hoffmann - Acervo pessoa/Mark Hoffmann
O casal em seu apartamento em Berlim Oriental
Imagem: Acervo pessoa/Mark Hoffmann

Sua reação inicial foi pedir uma autorização de viagem para visitar uma tia que morava no lado ocidental de Berlim. “Só depois me dei conta de que com a queda do  muro não era mais preciso pedir autorização para viajar para nenhum lugar!”, diz.

“Fui trabalhar normalmente e no trabalho todos os meus amigos estavam falando sobre a queda da barreira”, diz Frank.

A primeira visita do casal na porção capitalista da cidade veio apenas no dia 10 de novembro: “Fomos passear pela cidade e atravessamos o muro. Havia muita gente na rua e praticamente não se podia andar, a multidão te empurrava. Todos queriam ir para o lado ocidental”, lembra Mark.

“Finalmente atravessamos o muro, demos uma volta por Berlim Ocidental durante três ou quatro horas e voltamos pra casa. Na real, estava tudo tão lotado que não foi divertido estar em um lugar onde antes não era permitido”, diz Frank.

Constituição liberal

Segundo o casal, em alguns pontos a Constituição da Alemanha comunista era até mais liberal do que a da vizinha capitalista: “Antes da Segunda Guerra Mundial havia na Constituição da Alemanha um parágrafo que proibia a homossexualidade”, diz Mark.

“Depois da separação das Alemanha, em 1945, esse paragrafo continuou a existir na Alemanha Ocidental, enquanto na porção comunista ele foi abolido, ou seja, a homossexualidade não era crime na RDA”, afirma.

Frank concorda com o companheiro, e lembra que “quando decidimos morar juntos fomos até o escritório de habitação do governo e pedimos um apartamento. Dissemos: somos um casal e queremos morar juntos. Em três semanas fomos atendidos. Hoje em dia isso é algo inimaginável, não se encontra um apartamento em Berlim em menos de seis meses”.

Ambos definem a vida no lado comunista da Alemanha como “uma vida sem medo”, mas fazem uma ressalva: “isso porque não éramos politicamente ativos”. Estima-se que centenas de opositores do regime foram perseguidos e presos pela polícia política da RDA, a temida Stasi.

Além disso, dezenas foram mortos pela Volkspolizei (Polícia do Povo) ao tentar cruzar o muro que separava Berlim.

“Era preciso se adaptar ao sistema para ter uma vida boa, mas não livre”, diz Mark. “Simplesmente não pensávamos na possibilidade de ter o que veio depois: democracia e liberdade”.