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Macri achou que Argentina ia ser vitrine, mas passa o chapéu no G20

O presidente da Argentina, Mauricio Macri (à dir.) recebe o presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Rosada, sede do governo argentino - Pablo Martinez Monsivais/AP
O presidente da Argentina, Mauricio Macri (à dir.) recebe o presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Rosada, sede do governo argentino Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AP

Talita Marchao

Do UOL, em Buenos Aires

01/12/2018 11h06

Quando foi definido que Buenos Aires seria a sede do G20 em 2018, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, surfava em uma onda de popularidade. Pensou que a cúpula das maiores economias do mundo, do qual o seu país faz parte, seria o coroamento do seu prestígio internacional e popular entre a população. Mas nada disso aconteceu.

Nos últimos dias, Macri recebeu seus maiores credores –já que a Argentina, em profunda crise econômica, foi socorrida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), e está praticamente “passando o chapéu” em uma série de encontros bilaterais, fazendo o possível para atrair investidores e fechar negócios com líderes do grupo, que representa 85% das fortunas do mundo.

Anfitrião do evento, Macri tem agendadas até o domingo (2) 17 reuniões bilaterais, entre elas com os presidentes da China, Xi Jinping, com o russo Vladimir Putin e com a chanceler alemã, Angela Merkel. Já se encontrou com os presidentes dos EUA, Donald Trump, e com o francês Emmanuel Macron. O presidente brasileiro, Michel Temer (MDB), não estava na agenda de reuniões privadas de Macri.

“A Argentina prometia algo que não se concretizou. O próprio Macri, quando foi eleito presidente em 2015, prometeu muita coisa e até agora não entregou. O ano de 2018 era esperado para ser bastante positivo para Argentina, para colher frutos e firmar o país como um grande player internacional. Nada disso se cumpriu”, disse em entrevista ao UOL o cientista político Paulo Velasco, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Para Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e autor de "O Mundo Pós-Ocidental: Potências Emergentes e a Nova Ordem Global", Macri é visto como uma pessoa com uma reputação muito boa entre os líderes mundiais, apesar da situação argentina.

“Ele visto, a princípio, como uma pessoa que fez as propostas corretas. Mas encarou uma situação muito difícil. A ideia do Macri foi a de se projetar como um ator de política externa com o G20, sem se preocupar tanto com os desafios internos. E isso não tem dado certo”, afirma o especialista.

Tanto prestígio garantiu para a Argentina o maior pacote de ajuda já dado pelo FMI, US$ 56 bilhões. Dentro de casa, entretanto, o cenário é outro: índices de apoio popular em queda livre (sua popularidade, segundo sondagens recentes, era de 35%), inflação prevista para entre 45% e 50% em 2018, desemprego de mais de 9,5% da população e uma contração econômica prevista de 2,6% neste ano, além de uma péssima situação fiscal.

Crise além dos números

E a crise não fica só nos números: além dos altos preços dos produtos, é visível como aumentou a mendicância em Buenos Aires. Além disso, o ODS-UCA (Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina) estima que 1,5 milhão de pessoas estão em risco de cair novamente na pobreza por causa da desvalorização do peso e da inflação.

Para Velasco, da Uerj, um país que não tem a confiança da comunidade internacional e do sistema financeiro não conseguiria uma ajuda no montante que a Argentina conseguiu. “Estes acordos servem como uma espécie de aval para a política de reformas que Macri vem levando a cabo”, afirma.

Benjamin Gedan, conselheiro do programa latino-americano do "think tank" americano Wilson Center e diretor do Projeto Argentina da instituição, acredita que, embora os cortes orçamentários impostos pelo FMI sejam politicamente caros para o presidente, particularmente no período que antecede as eleições presidenciais do ano que vem, a Argentina deverá cumprir sua meta de déficit fiscal e continuará a honrar o contrato de empréstimo do FMI no próximo ano

“Haverá obstáculos pela frente, incluindo o risco de que a campanha presidencial imprevisível da Argentina surpreenda os investidores. Mas, dado o desempenho da Argentina até agora, seu governo não precisa fazer um show de cães e pôneis no G20 para demonstrar sua adesão às obrigações do FMI”, afirma Gedan.

“Em vez de uma reforma súbita, rápida, ele tentou fazer uma reforma parcial, que terminou travando no congresso argentino. Ele está em uma situação política muito delicada agora, então o G20 chega para o Macri em um momento de fraqueza dele, não de força”, diz Matias Spektor, também professor da FGV e coordenador da graduação de Relações Internacionais.

“Do ponto de vista do Macri, o G20 não terá o efeito que ele queria quando concebeu tudo isso. O que o G20 na Argentina vai ressaltar é a importância do próprio G20, já que você tem países que não conseguem se recuperar e que correm o risco de uma grave crise, como é o caso da Argentina”, diz Spektor.

Gedan, do Wilson Center, diz ainda que a recessão econômica e uma inflação de dois dígitos significam que a Argentina não mostrará o seu melhor aos líderes que estão em Buenos Aires. Mas isso não significa que sediar a cúpula seja uma desvantagem para a Argentina.

“Caso a Argentina evite problemas de segurança, protestos violentos ou conflitos diplomáticos, ela poderá demonstrar liderança global na cúpula e apagar a imagem da crise que se desenvolveu no início deste ano, quando o peso entrou em colapso”, declara.

Situação argentina é pior do que a brasileira

Macri herdou a maior parte de seus problemas do último governo de Cristina Kirchner, que deve se candidatar à presidência no próximo ano, quando o empresário tentará a reeleição. Hoje, a Argentina tem um desequilíbrio fiscal muito pior do que o Brasil e é insustentável, ou seja, tem gastos que vão além do que a princípio seria possível.

“A Argentina tem uma economia muito mais vulnerável do que o Brasil, com menos reservas para resistir a essa situação da economia. Além disso, o país tem um nível de confiança nas instituições que é bem mais baixo do que no caso do Brasil. Então o investidor tem menos confiança na Argentina, em comparação com o Brasil”, explica Stuenkel, da FGV.

A Argentina foi para o buraco mesmo. O Brasil não chegou a tanto.
Paulo Velasco, da Uerj

Macri, neste momento, não precisa mostrar resultados aos seus credores, apesar de recebê-los em casa, mas sim empenho na busca por resultados para tirar o país da crise. “Ele precisa mostrar compromisso com as reformas que tem mostrado. Este é o motivo pelo qual o FMI continua dando dinheiro a ele, é porque o compromisso dele com as reformas é real. O fato de elas não estarem dando efeito são outros quinhentos”, diz Spektor.

“Além disso, declarações de apoio dos chefes de Estado visitantes ajudarão a tranquilizar os investidores. O aumento do investimento é crucial para reativar a economia lenta da Argentina”, avalia Gedan, especialista do Wilson Center.

“Na última pesquisa do ArgentinaPulse feita pelo Centro Internacional de Pesquisadores Woodrow Wilson, em Washington, e Poliarquía, em Buenos Aires, quase 40% dos entrevistados disseram que a contribuição mais importante da cúpula seria atrair investimentos estrangeiros para a Argentina”, explica.