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'Atirador merece morrer'? Questão sobre pena de morte causa revolta nos EUA

Nikolas Cruz, 19, é apresentado a uma juiza de Fort Lauderdale, Flórida, após o atentado - Michele Eve Sandberg/AFP
Nikolas Cruz, 19, é apresentado a uma juiza de Fort Lauderdale, Flórida, após o atentado Imagem: Michele Eve Sandberg/AFP

João Freitas

Colaboração para o UOL, em Miami (EUA)

20/12/2018 04h01Atualizada em 20/12/2018 16h23

Era para ser mais uma prova de educação cívica na Coral Glades High School, na região metropolitana de Miami, nos Estados Unidos. O tema "pena de morte" foi abordado, e uma pergunta curta e direta no exame gerou protestos: "Nikolas Cruz merece morrer?" 

Cruz, 19, é o autor confesso do atentado que matou 17 estudantes e feriu outros 17 em fevereiro deste ano na escola Marjory Stoneman Douglas - a cerca de 15 minutos de carro de onde a prova que gerou indignação neste mês foi aplicada. Ele está preso.

"Eu competi com alunos na Stoneman Douglas por algumas bolsas de estudo. Foi difícil passar na frente da escola e ver os protestos [depois do ataque]... e agora essa pergunta? Muito mau gosto", disse ao UOL D.K., um dos alunos de ensino médio que se deparou com a questão e se incomodou com ela.

"Não é fácil 'autorizar' a matar alguém, mesmo quando essa pessoa matou vários conhecidos seus", disse o estudante, que pediu para não ter o nome revelado.

A questão irritou também pessoas próximas às vítimas e sobreviventes. "Não consigo nem começar a expressar o tanto que acho isso patético. Nosso conselho escolar deveria incluir isso na lista de 1000+ motivos para ter vergonha", escreveu no Twitter Cameron Kasky, que escapou com vida do massacre e se tornou cofundador do movimento 'March for Our Lives' (Marche por nossas vidas), que pede, entre outras coisas, mais restrição à circulação de armas de fogo no país.

Ryan Petty, pai de Alaina Petty, menina de 14 anos que morreu no massacre em Marjory Stoneman Douglas, é membro do conselho estadual que investiga o atentado e foi um dos primeiros a ligar para a Coral Glades cobrando explicações.

"Um representante das famílias falou com o Diretor da escola em Coral Glades, ele não sabia do conteúdo, mas imediatamente tomou atitudes corretivas", disse Petty a um jornal local.

Diante da avalanche de críticas e da repercussão na imprensa local, a escola se desculpou e publicou uma nota explicando que o exame é elaborado por uma empresa contratada - a Scholastic Corporation.

"A liderança da escola lamenta o incidente ocorrido, por isso cancelamos o questionário, faremos uma revisão de todo o material e seus processos. As escolas públicas do Condado de Broward estão trabalhando com a editora para alertá-los sobre o que nos preocupa", diz o comunicado.

Para a Scholastic Corporation, o problema não foi o conteúdo em si. "Faltou sensibilidade, porque usamos um exemplo real, quando deveríamos ter usado uma abordagem mais abstrata", disse Tracy Straaten, assessora de imprensa da empresa. A representante da companhia também afirma que a proximidade geográfica das escolas deveria ter sido levada em consideração para um exemplo tão específico.

Pena de morte

A Flórida é um dos estados norte-americanos em que vigora a pena de morte, e o Estado já adiantou que é essa a pena que quer aplicar para o autor do ataque.

"Foi para casos como de Nikolas Cruz que aprovamos a pena de morte", declarou Michael Satz, promotor à frente do caso.

O advogado criminalista David Edelstein explicou que a condenação pode demorar.

"Na Flórida, o último sentenciado [à pena de morte] foi executado 26 anos depois do assassinato que cometeu", disse.

"Um prazo de três anos é bem realista para a coleta de provas, escolha do júri e o julgamento propriamente dito", explicou. A sentença capital, porém, precisa ser aprovado por unanimidade pelo júri. Se um votar contra, começam os julgamentos para converter a pena de morte em prisão perpétua - um processo que pode levar mais de dez anos.

O advogado que representa Nikolas Cruz fez uma oferta ao Estado. O autor se declararia culpado, em troca de não receber a pena de morte. A proposta não foi aceita.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que foi escrito, o correto é "mau gosto". O erro foi corrigido