Maduro assume novo mandato. Entenda as razões para contestar a posse
Nicolás Maduro assume nesta quinta-feira (10) um novo mandato presidencial na Venezuela, resultado de uma eleição contestada pela comunidade internacional, pela oposição venezuelana e por grande parte da própria população do país.
Segundo os números oficiais, Maduro teve 67,8% dos votos, contra 20,93% do opositor Henri Falcón.
Mas dos 20,5 milhões de eleitores registrados para votar em maio do ano passado, 54% não compareceram --o maior índice de abstenção na história eleitoral da Venezuela.
As controvérsias se iniciaram de antes das eleições. Entenda:
Sem oposição
Maduro destituiu o Parlamento de maioria opositora eleito em 2015 (mas que nunca conseguiu efetivamente legislar) e convocou uma Assembleia Constituinte. Com maioria chavista, a Constituinte adiantou as eleições presidenciais, realizadas em maio. Maduro foi reeleito para um novo mandato de seis anos, e o chavismo, que controla o país desde 1999, ganhou sobrevida.
Ele saiu vitorioso nas urnas em um pleito em que as muitas lideranças da oposição foram impedidas de concorrer --os que não estão presos ou exilados foram proibidos de disputar qualquer cargo.
Observadores internacionais independentes também foram vetados.
É por causa de todas estas manobras que a comunidade internacional considera que o mandato que Maduro assume nesta quinta é ilegítimo.
O Grupo de Lima, que reúne países do continente americano, afirmou que não reconhecerá o mandato do venezuelano. Fazem parte desse bloco Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia --o México é integrante, mas não assinou o documento que considera ilegítimo o mandato de Maduro, mantendo-se neutro.
A União Europeia e os EUA também defendem a realização de novas eleições no país, de modo democrático.
Exemplo russo
Em entrevista ao UOL, Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) opina que a votação de maio foi um pleito de fachada.
"O melhor exemplo para entender o que foi feito na Venezuela talvez seja a eleição presidencial que é feita na Rússia. Tem uma eleição, tem inclusive um candidato que se apresenta como oposição [a Vladimir Putin], mas os reais opositores, os que realmente representam uma ameaça ao governo, estão presos, no exílio, ou se inventa algum pretexto jurídico para que eles não concorram", diz Santoro.
"O que se tem na Venezuela é uma disputa eleitoral esvaziada, frágil, mas que, ao mesmo tempo, está preocupada em mostrar para a população e para o mundo que existe uma certa legitimidade no processo eleitoral. O governo da Venezuela não se apresenta como um governo autoritário, embora ele seja visto dessa forma pela maioria dos vizinhos, pelos EUA e pela UE", afirma o especialista.
"O que você faz na Venezuela hoje se é um opositor? Vai para a eleição sabendo que tem violência, fraude, cerceamento, que disputar a eleição pode significar até o fortalecimento do governo em termos de propaganda? Ou você se retira totalmente do jogo eleitoral? É uma situação muito difícil", diz Santoro. "A oposição está muito desnorteada neste momento, tentando encontrar uma alternativa, e não está conseguindo", avalia o professor.
De acordo com Santoro, Maduro argumenta que a manutenção do chavismo --e consequentemente o seu novo mandato-- representa a vontade da maioria, como ela é expressa nas eleições.
"Mesmo que as eleições tivessem sido limpas e totalmente corretas, esse argumento não se sustentaria porque a democracia não é simplesmente a vontade da maioria. Ela é a vontade da maioria respeitando os direitos básicos das minorias", destaca o professor.
Ele lembra ainda a própria Assembleia Constituinte não é reconhecida pela comunidade internacional.
"Temos hoje um cenário que não tem precedentes na história contemporânea da América Latina, que é um grande país da região não ter o seu governo reconhecido pelos vizinhos mais poderosos e mais importantes. Hoje, o governo venezuelano tem o apoio de alguns países pequenos, de relativa menor importância, como Bolívia e Nicarágua, e uma neutralidade significativa do México, que tenta assumir uma postura de imparcialidade em seu novo governo, retomando uma tradição de diplomacia antiga, mas que hoje não tem mais sentido".
O ministro de Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, defende que o Parlamento --de maioria opositora-- que foi dissolvido por Maduro assuma o poder do país. "É a oportunidade de redemocratizar o país", disse o chanceler de Jair Bolsonaro em tuíte publicado na semana passada.
"O Parlamento hoje não tem mais a autoridade legal e jurídica, mas tem uma autoridade simbólica e política importante. Ele funciona mais como uma representação da sociedade civil do que efetivamente como um órgão do governo", explica Santoro.
Além de Bolívia e Nicarágua, Maduro conta com o apoio de China, Cuba e Rússia.
O que significa não reconhecer um governante?
Santoro explica que o Brasil continuará a manter relações diplomáticas com a Venezuela. Mas que, a partir desta quinta, Maduro se tornaria uma persona non grata. "Não teremos, por exemplo, uma visita do Maduro ao Brasil ou a outro país que não o reconheça. E nem a possibilidade de um encontro entre o presidente brasileiro e o Maduro", diz.
Segundo o professor, o diálogo entre os dois países segue no nível diplomático, entre os ministérios de Relações Exteriores --vale lembrar que os dois países retiraram seus embaixadores no fim de 2017.
A declaração do Grupo de Lima, a qual o Brasil assinou na semana passada, diz ainda que os integrantes devem, "nos termos permitidos por suas leis internas, impedir a entrada de altos funcionários do regime venezuelano no território dos países do Grupo Lima; elaborar listas de pessoas físicas e jurídicas com as quais entidades financeiras e bancárias de seus países não devem operar ou devem realizar especial verificação de antecedentes, impedir seu acesso ao sistema financeiro e, se necessário, congelar seus fundos e outros ativos ou recursos econômicos."
Países do grupo como Colômbia e Peru já anunciaram que proibirão a entrada de pessoas do alto escalão de Maduro. Entretanto, o Brasil não aplica sanções unilaterais, apenas as que são definidas por organismos multilaterais, como as que são definidas pelo Conselho de Segurança da ONU, por exemplo. Isso por causa da nossa tradição diplomática. "Não há uma lei que impeça a aplicação de sanções unilaterais. Tem a ver com nossa história, de comércio exterior e ênfase na busca de soluções pacíficas para conflitos internacionais, com base no direito e em instituições multilaterais", diz Santoro.
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