Por que a Lava Jato do Brasil desperta tensão entre bancos na Suíça
Em escritórios de bancos suíços em Zurique, Genebra ou Lugano, falar de Lava Jato cria uma mistura de tensão e ansiedade. Não são poucos os gerentes de contas, operadores e representantes de algumas dessas instituições que buscam ativamente informações sobre eventuais processos contra seus bancos.
Outros tantos ainda vasculham processos, delações, sites brasileiros e documentos para saber se seus nomes foram citados por delatores, no Brasil ou na Suíça.
Desde o ano passado, procuradores suíços têm feito viagens ao Brasil para colher depoimentos de condenados na Operação Lava Jato. O objetivo: garimpar nomes de banqueiros, gerentes e esquemas que teriam auxiliado na lavagem de dinheiro.
Em Berna, o momento é conhecido como "a terceira fase" da Lava Jato suíça. Se numa primeira etapa os inquéritos se concentraram nos indivíduos subornados, a segunda fase focou nas empresas que pagaram a corrupção. Agora, o alvo é o setor que facilitou esse pagamento: os bancos e operadores.
A realidade é que suíços que acolheram centenas de contas de dezenas de pessoas envolvidas na Operação Lava Jato podem ser processados e ser obrigados a pagar indenizações milionárias por sua participação no esquema bilionário.
Pessoas próximas às investigações na Suíça estimam que as autoridades brasileiras teriam a oportunidade de abrir processos nos tribunais do país europeu em busca de uma restituição que seria muito superior ao valor das contas bloqueadas dos suspeitos.
Assim, além de recuperar o dinheiro nas contas bloqueadas, as perspectivas são reais para que o Brasil também acabe recebendo milhões a mais como indenização.
Iniciado em 2014, o inquérito sobre a corrupção no Brasil levou o Ministério Público da Suíça a abrir mais de 60 processos criminais e a congelar mais de US$ 1,1 bilhão. Por enquanto, cerca de US$ 350 milhões já foram devolvidos aos cofres brasileiros.
Mas o dinheiro que voltou se refere unicamente às contas de pessoas que fecharam delações premiadas e, assim, aceitaram entregar suas fortunas. O restante ainda dependeria de uma condenação em última instância dos envolvidos e de um processo longo de repatriação de recursos.
No total, 42 bancos foram identificados no esquema de desvio de dinheiro para contas secretas. Deles, cerca de 25 foram formalmente investigados pela agência reguladora do sistema financeiro da Suíça, a FINMA (Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro, em português).
Chamou a atenção dos investigadores dados coletados dos celulares e computadores de Marcelo Odebrecht, indicando possíveis encontros com Patrick Valiton, na época um dos principais gerentes do banco Pictet. Um dos encontros ocorreu em Genebra, no dia 24 de março de 2014, sete dias depois da eclosão da Operação Lava Jato no Brasil.
Até o início de 2019, quatro bancos haviam sido punidos: Credit Suisse, BSI, PKB e o Banque Heritage.
Na última decisão, de 2018, a FINMA concluiu que o banco Credit Suisse falhou no combate à lavagem de dinheiro em casos de corrupção envolvendo a Petrobras.
No total, a Operação Lava Jato identificou 38 contas no Credit Suisse e seus bancos associados, entre eles, o Clariden Leu. Mas, segundo a FINMA, pelo menos um dos gerentes do banco foi premiado por manter certos clientes, inclusive recebendo um aumento de salário.
Em 2015, por exemplo, o consultor Julio Gerin Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato, entregou à Justiça Federal os extratos bancários de suas contas na Suíça, por onde passaram US$ 10 milhões destinados ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e ao seu braço direito, o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco, no esquema de corrupção e propina na estatal. Uma das contas usadas estava no Credit Suisse.
O lobista Jorge Luz, apontado como operador de propinas do PMDB, foi um dos envolvidos que também usou do banco. Ele entregou ao então juiz federal Sérgio Moro os nomes de supostos beneficiários de parte dos repasses que fez por meio do uso de offshores no exterior.
Em uma planilha juntada aos autos da ação em que é réu na Lava Jato por sua defesa, ele identifica US$ 418 mil dos R$ 11,5 milhões em propinas que confessou ter intermediado aos então senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA), ao ex-ministro de Minas e Energia do governo Lula, Silas Rondeau, e ao deputado federal Aníbal Gomes (MDB-CE). O dinheiro era pago a partir de uma conta no Credit Suisse.
O operador do MDB Mário Miranda confessou crimes e deixou à disposição da Justiça US$ 7,2 milhões em valores repatriados --montante oriundo, segundo ele próprio disse, de práticas ilícitas em contratos da Petrobras. Mais de US$ 5 milhões estariam no Credit Suisse.
No caso da FINMA, nenhuma multa será aplicada. Mas a agência decretou a necessidade de fortalecimento de regras de combate à lavagem de dinheiro e a criação de um supervisor independente para monitorar a implementação das medidas dentro do banco. O banco tampouco terá de devolver os benefícios que teve com os milhões depositados em suas contas.
Isso, porém, pode não ser o fim do caso para o banco que, nos tribunais, poderia ainda ser alvo de uma ação civil.
Credit Suisse falhou, diz autoridade suíça
Um dos principais argumentos se refere à falta de controle do banco Credit Suisse em relação à abertura de contas em nome de pessoas politicamente expostas (PEP). Nesse aspecto, a FINMA concluiu que o banco falhou.
"O banco foi lento demais para identificar e lidar com clientes PEP diante dos riscos crescentes", disse a autoridade. De acordo com as investigações, a documentação de algumas das contas estava "incompletas".
O banco [Credit Suisse] fracassou em registrar, conter e monitorar os riscos que surgem ao longo de vários anos de relações com clientes PEP
Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro na Suíça
Um dos gerentes teria violado as regras "de forma repetida ao longo de vários anos". "Ainda assim, no lugar de disciplinar o gerente, o banco o premiou com maiores pagamentos e uma avaliação positiva de sua atuação", concluíram as investigações.
Na época, num comunicado, o Credit Suisse garantiu que estabeleceu medidas para corrigir os problemas identificados. Mais de 800 especialistas em "compliance" teriam sido contratados e 40 analistas ainda estariam dedicados a monitorar transações "em tempo real".
O Credit Suisse também afirma que adotou mais de 10 mil medidas para incrementar o controle de contas, graças a novas tecnologias. A instituição financeira ainda aponta que muitos dos casos foram "herdados" quando o banco adquiriu outros negócios. Quanto à remuneração dos gerentes, o banco garante que modificou o sistema de avaliação de desempenho para também levar em consideração os riscos.
Além do caso da Petrobras, o Credit Suisse também havia falhado em contas relacionadas com a PDVSA e com a Fifa.
A origem do dinheiro brasileiro na Suíça
Em Berna, um outro caso também chegou até os tribunais. Em abril de 2016, a agência reguladora do sistema financeiro suíço, chegou à conclusão que o banco Heritage violou "gravemente" as leis ao não conseguir controlar a origem do dinheiro brasileiro depositado em suas contas.
Dois anos depois, um dos diretores do banco Heritage, Thierry Zumstein, foi acusado de ter violado as normas ao não notificar às autoridades sobre as movimentações suspeitas do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
O brasileiro conseguiu, assim, praticamente esvaziar sua conta enquanto ela não foi denunciada e bloqueada. Para a Justiça suíça, Zumstein contava com informações suficientes que apontariam para suspeitas em relação ao cliente.
Entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, com Cerveró já sob investigação, o banco ignorou uma das leis suíças que ordena as instituições financeiras a avisar as autoridades sobre a existência de algum cliente sob suspeita. Foi apenas no dia 27 de janeiro de 2015 que o banco decidiu ir às autoridades e revelar a existência das contas.
O problema: o banco sabia das suspeitas que pesavam sobre Cerveró desde o início de 2014, quando primeiro foi revelado o caso da compra da refinaria de Pasadena, pela Petrobras. Reuniões internas no banco foram realizadas para tentar decifrar se a referência ao cliente era suficiente para denunciar sua conta às autoridades suíças, uma obrigação por lei.
Em março de 2014, Cerveró foi afastado da Petrobras pelo escândalo de Pasadena. Mas, ainda assim, o banco se manteve em silêncio.
O mesmo informe interno do Heritage explicou que "as críticas contra a compra da refinaria ocorriam no contexto das eleições presidenciais no Brasil". "Algumas matérias mencionavam mesmo que a compra da refinaria poderia se revelar como um dos melhores negócios concluídos pela Petrobras em 30 anos", apontou a sentença do tribunal, citando o informe do banco.
O Heritage, assim, "conclui seu memorando dizendo que, naquele estágio, não haveria nenhuma razão para duvidar da origem legal dos bens depositados" por Cerveró.
Durante o período em que o banco se recusou a informar às autoridades, o tribunal suíço revela como Cerveró esvaziou a conta. Ela passou de um saldo original de US$ 200 mil, para US$ 97 mil no início de dezembro de 2014 e para apenas US$ 6,1 mil quando foi finalmente denunciada, em janeiro de 2015.
Dois bancos suíços são alvo
Pelo menos dois bancos suíços ainda estão sendo alvos de inquéritos criminais. Um deles é o PKB, de Lugano, considerado como um dos pontos centrais da operação da Odebrecht. A instituição é suspeita de ter tido até mesmo um escritório clandestino em São Paulo para auxiliar a construtora a lavar dinheiro. Sem autorização para atuar como banco no Brasil, a instituição chegou a ter até mesmo um funcionário, pago supostamente de forma "indireta".
Pelo PKB passaram US$ 420 milhões dos US$ 440 milhões que a Odebrecht movimentou pela Suíça.
Em uma emissão produzida pela televisão pública da Suíça, o caso é revelado também com detalhes. A investigação liderada pelos jornalistas Anna Bernasconi e Federico Franchini conseguiu identificar um dos ex-funcionários do PKB que, de forma oculta, testemunhou sobre o envolvimento da Odebrecht com o banco. "Não vamos ser ingênuos. O banco sabia de tudo", disse o ex-funcionário.
Em seu depoimento, ele confessa que tinha como função trazer clientes da América Latina. Mas insiste que não tinha como saber que o dinheiro da Odebrecht era de corrupção. "Impossível saber", justificou.
Questionado sobre o uso de codinomes por parte dos funcionários da Odebrecht que lidavam com as contas, o ex-funcionário do banco justificou que a medida ocorria por uma questão de "máxima segurança". Mas ele admite que "todos no banco sabiam quem eram as pessoas". "O código não existia para nós", afirmou.
O ex-funcionário também confirmou que aceitou pagamentos pessoas da Odebrecht em seu próprio benefício. "Sim, aceitei. Mas isso me custou muito mais", lamentou. O banqueiro recebia 1% da movimentação e, de acordo com a TV suíça, o ex-gerente do PKB lucrou US$ 1,5 milhão com o esquema.
O relato coincide com a delação do ex-funcionário da Odebrecht Fernando Migliaccio que, no Brasil, admitiu que chegou a pagar comissões para um gerente do PKB, Hector Duarte. No documentário, porém, o ex-funcionário do banco não tem seu nome revelado. O banco chegou a ser multado pela agência reguladora de Berna em US$ 1,3 milhão por seus problemas em lidar com os clientes brasileiros.
A agência, depois de passar oito meses examinando o banco, teria concluído que a instituição não sabia das operações de seu ex-funcionário. Ele foi demitido depois das descobertas e o banco foi o primeiro a apresentar dados sobre a Lava Jato às autoridades.
Luca Marcellini, advogado do banco, criticou a versão apresentada pelo programa da TV pública da Suíça. Ele ressalta que a Finma já analisou todas as documentações e que concluiu que "não há o mínimo indício para pensar que o banco tivesse sido conivente com elementos anômalos" do comportamento do gerente da conta da Odebrecht.
O advogado insiste que o banco colaborou plenamente com o processo e coloca em questão a credibilidade do autor do relato. Segundo ele, o banco o afastou "imediatamente" ao saber do ocorrido e "sinalizou o caso ao Ministério Público". Para o advogado, o autor das denúncias "disse coisas que não são críveis".
Ele também minimiza a participação do banco no esquema envolvendo o Brasil. Segundo Marcellini, foram 43 bancos envolvidos com US$ 1,1 bilhão. No PKB, porém, seriam apenas US$ 36 milhões, menos de 4%.
Ele também destaca que mil contas foram bloqueadas pela Suíça, das quais apenas 15 no banco de Lugano. Por esse motivo, ele insiste que o banco não pode ser considerado como tendo um papel central no caso e que outros teriam um papel maior.
Marcellini ainda garante que o PKB foi "o primeiro banco que fez uma sinalização às autoridades" sobre o caso Odebrecht.
Segundo ele, esse alerta às autoridades apenas não ocorreu antes por conta de as notícias iniciais sobre o caso terem sido "vagas". Mas o advogado garante que o banco sempre "monitorou de perto" o caso.
Para o advogado, se a investigação da agência reguladora tivesse concluído que o envolvimento do banco era grave, as medidas teriam sido mais dramáticas. Segundo ele, porém, a Finma se "limitou a constatar" que os sistemas de controle do banco precisariam ser incrementados, o que está sendo realizado dentro dos prazos e critérios estabelecidos.
Ao UOL, o PKB explicou que "a abertura de processos criminais por lavagem de dinheiro contra um ex-funcionário do banco causa, quase automaticamente, de acordo com o art. 102 do Código Penal, uma abertura paralela de um processo contra o empregador, o banco".
Segundo a entidade, o processo visa "estabelecer se o empregado foi capaz de tirar vantagens de alguma falha organizacional da instituição". "No caso específico, deve ser notado que foi o banco quem relatou as ações de seu ex-funcionário e o deu de forma espontânea e sem demora toda a informação necessária para clarificar qualquer responsabilidade", disse.
De acordo com o banco, foi ele que solicitou ao procurador-geral que avaliasse sua posição, como forma de chegar a uma definição rápida do caso.
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