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Após vencer câncer, brasileira luta para legalizar maconha nos EUA

Clarissa Krieck, brasileira que se tornou ativista da maconha nos EUA - Arquivo pessoal
Clarissa Krieck, brasileira que se tornou ativista da maconha nos EUA Imagem: Arquivo pessoal

Renata Lopes

Colaboração para o UOL, em Denver

08/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Gaúcha é diretora de associação comercial de empresas de cannabis que faz lobby em Washington
  • Relação com a causa se intensificou aos 30, quando foi diagnosticada com câncer de ovário
  • Onze estados americanos permitem o uso adulto da cannabis atualmente
  • Em 34, a planta é regulamentada de alguma forma: para uso medicinal, adulto ou ambos
  • Maconha ainda é ilegal pela lei federal e considerada tão perigosa quanto a heroína

A indústria da maconha legalizada já movimenta dois dígitos de bilhões de dólares por ano apenas nos EUA. É uma história ainda em seus estágios iniciais de que faz parte a brasileira Clarissa Krieck, 40.

O inglês perfeito, sem sotaque, é sinal dos mais de 20 anos desde que ela se mudou para os Estados Unidos. "Vim fazer intercâmbio, me apaixonei, casei e acabei ficando", conta.

A gaúcha já morou na Califórnia e, nos últimos anos, vive em Denver, capital do Colorado, o primeiro estado americano a regulamentar o uso adulto da cannabis e o mercado mais maduro do mundo hoje do setor.

Clarissa trabalha "na indústria" (como se fala no Colorado) desde 2011, quando ainda era regulamentado somente o comércio de cannabis medicinal.

A relação com a causa se intensificou aos 30 anos, quando descobriu, um câncer de ovário. "Tive acesso a médicos que me prescreveram cannabis durante o tratamento", lembra.

"Com o auxílio da maconha, consegui amenizar bastante os efeitos colaterais da quimioterapia. Essa planta salvou a minha vida, e eu vejo nessa missão da legalização algo muito maior que eu."

Clarissa é envolvida com o ativismo canábico há pelo menos duas décadas e atualmente é diretora de novos negócios da NCIA (National Cannabis Industry Association), associação comercial das empresas de cannabis que faz lobby em Washington D.C. junto aos congressistas pela legalização.

"Estamos trabalhando pela legalização estado por estado, já que o governo tem dificultado esse processo em nível federal. Mas, em breve, a proibição como um todo vai ficar insustentável, já está ficando", comenta a ativista que já foi duas vezes para Washington D.C. com o grupo de empresários do setor.

Como uma das principais vantagens da regulamentação, Clarissa cita a questão da procedência e da violência e questiona: "Por que tratar uma planta terapêutica como droga se você pode tratá-la como questão de saúde?".

Outra vantagem importante, segundo ela, é a segurança e garantia da qualidade dos produtos, que permite ao consumidor não só saber a origem, mas também rastrear ingredientes e confirmar se eles foram testados por métodos de análises reprodutíveis, que têm protocolos para evitar agrotóxicos, por exemplo.

Além disso, conta, o mercado regulado traz consigo uma gama de opções de métodos de consumo para pacientes.

Nos dispensários de Denver, por exemplo, são encontrados a flor in natura, os "edibles" — ou produtos comestíveis, como brownies, cookies, chocolates, balas e bebidas —, os concentrados — novas variedades de haxixes extraídos com butano, propano e CO2 —, comprimidos, óleos, tinturas, cremes, patches e até supositórios. "É um paraíso para qualquer canabista", avalia.

Apesar de 11 estados americanos atualmente permitirem o uso adulto da cannabis e 34 terem a planta regulamentada de alguma forma (uso medicinal, adulto ou ambos), federalmente nos EUA a cannabis ainda é ilegal e consta da lista de drogas Schedule I, ou seja, é considerada tão perigosa quanto a heroína.

Além de trabalhar pela legalização em nível federal e pela retirada da maconha da lista de drogas pesadas, a NCIA, onde a brasileira trabalha, luta também por condições iguais de acesso a serviços e por uma taxação mais justa.

"Somos a única indústria dos EUA que paga de 70 a 80% de impostos na renda bruta, queremos condições similares às de outras indústrias", explica.

Mesmo vivendo num local que oferece preço bom, alta qualidade, variedade de produtos e de marcas, Clarissa prefere plantar sua cannabis em casa.

"É bem mais caro plantar do que comprar no mercado regulamentado, mas, depois que passei a cultivar, minha relação com a cannabis mudou. Hoje eu sinto uma ligação mais sagrada e profunda, que envolve trabalho, dedicação, apreciação, um milagre da natureza", resume.

Como tendências do mercado, Clarissa avalia que o mercado mundial deve evoluir e se especializar. Ela cita como promissora a área de bebidas de infusão com cannabis que são um apelo a pessoas que antes da legalização não tinham proximidade com esses produtos.

"Nós sabemos que 10% da população do mundo consome cannabis, os outros 90% nunca tiveram interesse em fumar e nunca terão. Só que, hoje, com as comprovações da ciência, esses outros 90% também estão interessados no poder terapêutico da planta", avalia.

Rumos da cannabis no Brasil

A situação no país, analisa Clarissa, dá seus primeiros passos, mas ainda se move de forma conservadora. "Somos o maior país da América Latina, um poderio da agricultura, acho que temos que pressionar mais, porque os americanos, os canadenses e os europeus também estão interessados neste mercado", provoca.

"Enquanto o plantio segue proibido e se libera somente a importação de óleo de CBD a altíssimo custo, estamos caindo na guerra contra as drogas parte 2, porque excluímos grande parte da população brasileira de ter acesso aos produtos". diz.

"Infelizmente, hoje a cannabis medicinal no Brasil é um privilégio de poucos, quando deveria ser um direito de todos", conclui.