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Como a crise na Venezuela se relaciona com os últimos protestos em Cuba

30.mai.18 - O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (dir.), cumprimenta o colega cubano, Miguel Diaz-Canel, ao lado de sua esposa, Lis Cuesta - Marco Bello/Reuters
30.mai.18 - O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (dir.), cumprimenta o colega cubano, Miguel Diaz-Canel, ao lado de sua esposa, Lis Cuesta Imagem: Marco Bello/Reuters

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

23/07/2021 04h00

Sob o lema "Pátria e vida", os cubanos saíram às ruas na semana passada nos maiores protestos na ilha desde 1994. A junção de crise econômica, pouca liberdade de expressão e pandemia culminou em atos em favor de melhores condições de vida. Parte da explicação desta insurgência, no entanto, está em uma crise anterior, vivida pela vizinha Venezuela.

Sob os fortes embargos unilaterais dos Estados Unidos e após a queda da União Soviética, sobraram poucos aliados a quem Cuba poderia recorrer. Restou o outro regime socialista da região, a Venezuela de Hugo Chávez e posteriormente de Nicolás Maduro.

No entanto, também alvo de sanções americanas e com o fim do boom das commodities, a Venezuela mergulhou em sua própria crise econômica e política, deixando Cuba sem amparo.

"O embargo faz com que Cuba seja muito mais dependente dos países que a ajudam", explica Leonardo Paz, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "Cuba sempre precisou de um padrinho forte que oferecesse recursos financeiros, industrializados e de energia, que vinha basicamente da União Soviética. O regime colapsa, então deixa de vir esse recurso."

A Venezuela ali no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, sobretudo pelo boom das commodities, estava com muito dinheiro sobrando, o que significa que poderia dar recursos subsidiados para Cuba.
Leonardo Paz, professor da FGV

Não à toa, a última grande onda de protestos no país ocorreu em 1994, na esteira da derrocada do regime socialista soviético. "Os dois grandes momentos de tensão em Cuba são justamente depois que a União Soviética é dissolvida e a Venezuela ainda não é chavista e agora, quando não tem a URSS e a Venezuela está em uma situação dramática, em que ela não consegue nem se ajudar, quiçá ajudar os outros."

Cuba tem esse problema. À medida que a Venezuela cai, ela precisa de um novo padrinho e, até agora, não encontrou esse novo padrinho.
Leonardo Paz, professor da FGV

Situação da petrolífera venezuelana

PDVSA viu sua produção cair de forma considerável - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), 80% da energia de Cuba vem do petróleo. Desde 1990, após a queda da URSS, a produção e o fornecimento de energia da ilha estão em queda.

A Venezuela, por meio de sua petrolífera PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.), se tornou a principal fonte de energia para a ilha do Caribe. No entanto, em 2019, o governo de Donald Trump impôs sanções diretas contra a empresa estatal, prejudicando o seu funcionamento.

O governo americano congelou o dinheiro e bens da empresa investidos nos Estados Unidos e proibiu que norte-americanos fizessem negócios com a petrolífera. Como o país era um dos principais importadores do petróleo venezuelano, a PDVSA vem sofrendo com as restrições.

Mas o professor da FGV lembra que os problemas da petrolífera já existiam antes. "A PDVSA, lamentavelmente, durante o regime chavista e principalmente durante o regime de Maduro, passou por um processo de sucateamento horrível. Ela tem muito pouco investimento, o trabalho é muito politizado e teve uma série de expurgos no funcionalismo venezuelano."

Em 2018, a Venezuela chegou a comprar petróleo estrangeiro para garantir o fornecimento a Cuba e a outros parceiros latino-americanos, segundo documentos analisados pela Reuters na época.

Cuba já sentia o impacto desses problemas da empresa e a situação piorou após a nova sanção americana à sua aliada. Desde então, cortes de energia e falta de combustível se tornaram recorrentes na ilha.

"A PDVSA está hoje em uma situação muito dramática, em que ela fica cortando a produção a todo momento e importa petróleo mais refinado para poder abastecer. Durante muito tempo, faz um sistema de preços com gasolina subsidiada e ficou com dificuldade de se autofinanciar", explica Leonardo Paz.

Durante os protestos da semana passada, os manifestantes reclamavam dos recorrentes cortes de energia, em especial na cidade de San Antonio de los Baños, perto de Havana, onde os atos começaram. Moradores chegaram a relatar blecautes de 12 horas, relembrando a crise de 1994 que ficou conhecida como Período Especial.

Em 28 de junho, um pouco antes dos protestos irromperem, as autoridades cubanas anunciaram cortes de energia em todo o país até meados de julho, devido a falhas em uma usina termelétrica.