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Oposições na Europa apostam em frentes amplas para derrotar extrema-direita

O premiê da República Tcheca, Andrej Babis, e o premiê da Hungria, Viktor Orbán - Reuters
O premiê da República Tcheca, Andrej Babis, e o premiê da Hungria, Viktor Orbán Imagem: Reuters

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

06/11/2021 04h00

"Havia cinco partidos contra nós", lamentou o primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis, ao ser derrotado nas eleições em outubro deste ano. De fato, diversos partidos se uniram com o único propósito de derrotá-lo.

Na Hungria, a oposição a Viktor Orbán se prepara para fazer o mesmo. Na Europa, onde populistas de extrema-direita governam, a formação de frentes amplas tem sido a estratégia da oposição —e tem dado resultados.

O partido de Babis, ANO, foi derrotado por uma margem muito pequena. A coalizão Spolu (Juntos, em português), formada pelos partidos conservador, cristão e liberal, recebeu 27,7% dos votos contra 27,2% de Babis em 9 de outubro.

O presidente tcheco, Milos Zeman —que foi hospitalizado após a derrota de Babis—, até disse que daria a chance de o premiê formar um novo governo, se ele conseguisse a maioria do Parlamento.

Porém, a terceira coalizão das eleições, de centro-esquerda, pretende governar junto com a liberal-conservadora. A formação então terá uma confortável maioria de 108 assentos dos 200 do Parlamento. Restará ao partido de Babis a oposição.

O professor de ciência política e líder do Juntos, Petr Fiala, deve ser convidado este fim de semana pelo presidente para formar um governo.

Babis foi eleito premiê em 2017 e ganhou o apelido de Donald Trump tcheco por suas posições antimigração, contra a União Europeia e antiambientalista. Mas sua situação se deteriorou durante a pandemia da covid-19 em seu país, o oitavo em mortes por milhão no mundo. O golpe final foi o envolvimento do premiê no caso Pandora Papers.

Ali perto, na vizinha Hungria, uma situação parecida se desenha. A oposição decidiu se juntar em uma candidatura única contra o extremista Orbán para as eleições nacionais do ano que vem. Seis partidos se uniram em uma United Opposition (Oposição Unida, em português) contra o partido populista Fidesz.

Desde então, a coligação disputa palmo a palmo as intenções de voto com o Fidesz, segundo sondagens do site Politico. No último dia 17 de outubro, a coalizão definiu Peter Marki-Zay para ser o concorrente do premiê que corroeu a democracia do país.

Porém, no caso de Orbán, esta vai ser a segunda vez em que uma frente ampla ameaça seu governo. A Hungria inaugurou essa estratégia em 2019, durante as eleições regionais.

"A primeira vez que isso foi feito foi em 2019, nas eleições locais da Hungria, onde esses mesmos partidos formaram coalizões regionais e conseguiram eleger uma representação majoritária nos Parlamentos de praticamente todas as principais cidades", explica o historiador e pesquisador Vinícius Bivar, do Observatório da Extrema Direita.

Naquele ano, o partido de Orbán perdeu 10 das 23 maiores cidades do país, incluindo a capital Budapeste. "Foi uma derrota bastante relevante", diz Bivar.

Acho que essa é uma alternativa que se coloca para a potencial formação de coalizão em outros países com o objetivo de tirar lideranças de extrema-direita do poder. A experiência de 2019 na Hungria foi bem-sucedida, e agora novamente a gente vê um caso de uma frente ampla sendo formada e derrotando um partido populista de direita no Leste Europeu."
Vinícius Bivar, pesquisador do Observatório da Extrema Direita

Mesmo em países europeus onde a liderança não é populista há um movimento para frear o avanço de partidos radicais. Nas últimas eleições alemãs, em setembro, todos os partidos concordaram que não aceitariam ter o partido de extrema-direita AfD formando suas coalizões. No fim, o partido perdeu espaço no Parlamento.

Uma experiência replicável?

A estratégia do Leste Europeu chama a atenção de analistas políticos e levanta a questão de uma chance de ser copiada contra outros governos populistas e também em sistemas políticos para além do parlamentarista.

"Não sei até que ponto essa experiência pode ser replicável em outros contextos, mas se mostra como uma alternativa viável, já que pelo menos nesses dois casos essas coalizões foram bem-sucedidas em derrotar o partido governista", afirma Bivar.

O pesquisador, porém, aponta que o cenário brasileiro, de muitos partidos políticos, muito diversos e que não necessariamente possuem agendas muito claras, dificulta essa conversa de uma frente ampla.

Enxergo esse cenário como pouco provável, mas não existe dúvida, e eu acho que esse caso tcheco e o caso húngaro estão aí para provar, que essa pode ser uma alternativa contra Jair Bolsonaro no ano que vem."
Vinícius Bivar, pesquisador do Observatório da Extrema Direita

Além disso, a criação de coligações muito diversas com o único objetivo de derrotar um candidato traz um enorme desafio: como governar com interesses tão diferentes. "No próprio caso tcheco e húngaro, um eventual governo formado por cinco partidos será por definição um governo bastante conturbado, na medida que essas diferença ideológicas entre os partidos tendem a aparecer."

"No caso brasileiro essa também seria a questão: até que ponto os partidos que componham uma eventual coalizão contra Bolsonaro estariam dispostos a ceder para tornar um governo como esse viável?"

Para além de tirar uma lista populista do poder, existe o desafio de depois formar um governo baseado em uma aliança de interesses diversos e ideologicamente bastante díspares."
Vinícius Bivar, pesquisador do Observatório da Extrema Direita