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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Não se pode confiar em promessas, diz ex-FMI sobre guerra Ucrânia-Rússia

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

26/02/2022 04h00

A quebra de uma promessa histórica pode ser uma das lições para o Brasil na guerra entre Ucrânia e Rússia, na avaliação do economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do banco dos BRICS, grupo econômico que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Ele também foi diretor pelo Brasil e outros países no FMI (Fundo Monetário Internacional), onde esteve acostumado a lidar com questões políticas para a tramitação de temas econômicos.

Após a dissolução da União Soviética, foi feito um acordo entre Ucrânia e Rússia em que havia a promessa de respeito à integridade territorial, soberania e independência ucraniana ao mesmo tempo que o arsenal nuclear no país seria enviado para os russos. Esse é um dos pontos do Memorando de Budapeste, de 1994, também assinado por Estados Unidos e Reino Unido.

Vinte anos depois, com a aproximação da Ucrânia com o Ocidente e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que tem viés militar, a Rússia, preocupada com o cenário, decide anexar, em 2014, a Crimeia, região ucraniana com separatistas russos. A situação de instabilidade na região prosseguiu e hoje é marcado pela invasão russa, que ataca instalações militares na Ucrânia, em uma guerra que já causou dezenas de mortes.

Qual é a lição?

"De que valeu essa garantia tripartite quando a situação se agravou? Qual é a lição disso? É de que nenhum país pode delegar a outros sua defesa nacional", diz Batista Jr., lembrando do fato de a Ucrânia ter devolvido o arsenal nuclear para a Rússia após o memorando.

"E essa lição é relevante para o Brasil, que é um país relativamente desarmado, com defesas deficientes, sem armamento nuclear. O Brasil é o único dos grandes países do mundo que não tem a defesa nuclear. Estados Unidos têm, a Rússia tem, a China tem, a Índia tem", diz o economista, titular da cátedra Celso Furtado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ele ressalta que o Brasil hoje não tem guerra com outros países. "Nem queremos ter. Mas e o futuro? O Brasil poderá estar no futuro ameaçado? Quando um país pensa na situação, ele não pode pensar no curto e no médio prazo. Tem que ter uma estratégia de longo prazo."

paulo batista - 25.set.2019 - Mathilde Missioneiro/Folhapress - 25.set.2019 - Mathilde Missioneiro/Folhapress
O economista Paulo Nogueira Batista Jr. diz que países não devem delegar a outros sua defesa nacional
Imagem: 25.set.2019 - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Busca pela pacificação

Autor do livro "O Brasil não cabe no quintal de ninguém", da editora Leya, Batista Jr. conversou com o UOL em 23 de fevereiro, antes da invasão da Rússia à Ucrânia na quinta-feira (24). Na sexta-feira (25), após a mudança de cenário, o contato foi retomado. Para ele, fica difícil defender a posição da Rússia após os ataques.

Ele é filho do diplomata Paulo Nogueira Batista (1929-1994), que ocupou a presidência do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

"Os países que defendem uma solução pacífica não podem ficar a favor da Rússia", diz, já que ela se colocou na posição de agressora. "O Brasil não pode endossar agressões." O economista diz acreditar que o Brasil, "dentro de suas limitações, deve ajudar a pacificar a situação."

"O Brasil não pode entrar no conflito. Esse é meu ponto", diz Batista Jr.. "E tem que olhar muito bem qual é o interesse nacional da Rússia, o interesse da Ucrânia, dos Estados Unidos, dos europeus, o que está em jogo."

Otan: o problema

Para ele, talvez nada disso teria acontecido se não fosse o movimento de expansão da Otan —que, até o momento, não prestou ajuda à Ucrânia.

"O que a Ucrânia ganhou com isso a não ser se colocar na linha de fogo? Qual era o problema de ficar neutra, fora da Otan? Nem todos os países europeus estão na Otan", diz, citando casos como os de Áustria, Suécia e Finlândia.

Para ele, a crise na Ucrânia ficou difícil de ser resolvida. Uma saída seria evitar a entrada do país na Otan, que é liderada pelos Estados Unidos. "Seria uma derrota política enorme para os Estados Unidos e a Europa dizerem que concordam que a Ucrânia não entre na Otan. É uma dinâmica difícil de resolver."

O economista ainda pontua que tudo está em volta de uma organização que foi criada por causa da Guerra Fria, que acabou com o fim da União Soviética, em 1991, o que fez com que ela perdesse razão de existir por décadas depois. Mas, desde 2014, com a tensão aumentando, isso mudou. "Agora é tarde [para a dissolução da Otan]. Agora é outra situação. Hoje, ela faz sentido, infelizmente."

Mapa Ucrania - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

O Brasil tem uma relação com a Rússia por causa dos BRICS, mas Batista Jr. diz que isso não implica apoio aos russos na questão da Ucrânia.

"Os BRICS nunca tiveram o propósito de ser uma aliança política. É um mecanismo de cooperação para determinados propósitos, sobretudo na área econômica e financeira", diz. "A Rússia compreende perfeitamente isso."

O problema, agora, é a falta de uma solução no horizonte por desconfiança por parte da Rússia e do bloco liderado pelos Estados Unidos. "O ideal seria que houvesse um entendimento tácito de que a Ucrânia não mais pleitearia a integração à Otan nem a Otan aceitaria", diz. "Mas, com o nível de desconfiança que se formou entre a Rússia e o Ocidente, Rússia e Estados Unidos, confiar num entendimento tácito? Nenhum dos lados vai confiar. É uma situação muito complicada."

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