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Ocidente é incapaz de ajudar a Ucrânia contra Rússia, diz especialista

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

25/02/2022 04h00Atualizada em 25/02/2022 12h56

As ações de países ocidentais contra a Rússia em razão da invasão da Ucrânia iniciado nesta quinta-feira (24) não devem prejudicar o país presidido por Vladimir Putin, na avaliação de Tito Lívio Barcellos, geógrafo pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense). E isso tem relação pela influência que a Rússia construiu nos últimos anos com diversas nações.

"A Rússia se tornou mais resiliente. É um país com US$ 640 bilhões [R$ 3,3 trilhões] em reservas, com uma dívida pública em relação ao PIB muito baixa", diz o geógrafo, estudioso da situação na região.

Além disso, a Rússia tem promovido a relação com uma série de países, que, neste momento, estão adotando uma postura de neutralidade ou de pedido para que se observe o ponto de vista do governo russo, como a Índia. Os russos também têm boas relações com China, Brasil, Argentina, países do Oriente Médio, da África e da Ásia.

Ele cita como exemplo a decisão da Alemanha para interromper a certificação de um gasoduto ligado à Rússia. O ex-presidente russo Dimitri Medvedev ironizou, dizendo sobre o mundo novo em que os europeus pagariam 2.000 euros por mil metros cúbicos de gás natural, pelos quais eram pagos cerca 800 euros em setembro de 2021.

Mapa Ucrania - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

"É uma forma de intimidar o governo alemão, mas, ao mesmo tempo, dizer: 'até que ponto vocês estão dispostos a ir por causa da Ucrânia na Otan? A Ucrânia na Otan vale tanto assim para vocês?'", diz Barcellos.

"Será que realmente a Europa está disposta, o Ocidente está disposto a ir uma guerra por causa da Ucrânia? Como os países são movimentados por interesses, esse cálculo existe na cabeça dos líderes europeus, dos líderes americanos."

Para ele, "no final das contas, as sanções acabam se tornando mais ocidentais do que internacionais". "Essas relações de interdependência e conexão entre a Rússia e o Ocidente acabam criando essa situação débil, tímida, menos firme, que menos impacta contra os interesses russos", diz Barcellos.

  • Veja as últimas informações sobre a guerra na Ucrânia e mais no UOL News com Fabíola Cidral:

Crise complexa

A crise envolvendo Rússia e Ucrânia tem um histórico complexo, mas o fator principal neste momento envolvendo a possível entrada dos ucranianos na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), um grupo criado na época da Guerra Fria e que não foi encerrado com o fim dela. Os russos enxergam esse movimento da Ucrânia como uma possível ameaça.

Na quinta, os primeiros relatos apontavam que os alvos da Rússia eram instalações militares na Ucrânia. "O que a Ucrânia tem a oferecer para a Otan com sua estrutura militar destruída, com tropas russas ocupando partes significativas do seu território?", questiona Barcellos. "Parece que o Ocidente ainda não tem uma estratégia clara de como lidar com isso."

Reações

A Rússia começou a se preocupar com o vizinho em razão de a Ucrânia lamentar o Memorando de Budapeste, que fez com que o arsenal nuclear no país fosse devolvido à Rússia após o fim da União Soviética. Em contrapartida, os russos se comprometiam a não violar a soberania ucraniana.

"E isso causa reações. Para a Rússia, a Ucrânia está querendo se armar, ter um projeto político ultranacionalista, radical, ainda mais com um exército armado e nuclearizado", diz Barcellos. "Essas combinações vão agregando à percepção russa de que era preciso uma atitude diferente."

Enfraquecer militarmente

Junto com o aumento dos conflitos entre ucranianos e separatistas russos em algumas regiões, o governo da Rússia passou a avaliar que o objetivo da Ucrânia é mesmo a entrada na Otan, em uma postura mais de confronto. Como consequência, os russos reconhecem o território dos separatistas.

"O objetivo da Rússia neste momento não parece ser ocupar o país inteiro. É destruir sua estrutura militar, fazer o país perder sua capacidade de sustentar o conflito e recuperar os territórios reivindicados pelos separatistas", diz Barcellos, que avalia que uma ocupação de todo o território "traria custos políticos, econômicos e diplomáticos, além de perdas humanas, que nem a Rússia poderia sustentar." "É só lembrar das campanhas militares dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, e o desfecho."

Para ele, hoje, "a Ucrânia dizer que está abrindo mão da Otan não vai resolver o conflito". "O Ocidente está sendo muito incapaz de dar assistência à Ucrânia no que ela realmente precisava", diz Barcellos, questionando por que o desejo ucraniano de entrar na Otan não foi realizado.

O grupo, aliás, nem enviará tropas à Ucrânia. "E por que a Otan não entrou em território ucraniano, não ajudou a estabelecer defesas? A Ucrânia foi abandonada à própria sorte."