O que se sabe sobre os brasileiros que iam para Ucrânia e sumiram
O sumiço de dois brasileiros na Polônia que pretendiam se alistar a tropas ucranianas para lutar na guerra contra a Rússia completa uma semana hoje. Mas ainda há poucas informações sobre o caso.
O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) trata o assunto como "possível desaparecimento" e diz apenas "estar à disposição" para prestar assistência às famílias, mas não fornece detalhes sobre as investigações.
Quem são eles e o que faziam na Polônia?
O homem identificado como o ex-fuzileiro naval Vinicius de Andrade, 26, disse ter embarcado com um ex-colega de farda que não foi identificado em um voo no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de março em direção a Paris. De lá, informou ter se deslocado em outro avião até Varsóvia, capital polonesa.
Os ex-fuzileiros participavam de grupos no WhatsApp de pessoas interessadas em se apresentar como aliadas da Ucrânia, invadida por tropas russas, e bancaram as passagens aéreas com recursos próprios.
O que diz o governo brasileiro?
Questionado pelo UOL, o Itamaraty não forneceu detalhes sobre a identificação dos brasileiros sob a alegação de manter o direito à privacidade dos cidadãos.
"O Itamaraty, por meio de sua Embaixada em Varsóvia, tomou conhecimento de possível desaparecimento de nacionais na Polônia e está à disposição para prestar toda a assistência consular cabível aos familiares, observados os tratados internacionais vigentes e a legislação local", informou o órgão, por meio de nota.
O que disse o brasileiro antes de embarcar?
Em áudio obtido pelo UOL enviado a uma pessoa próxima, Vinicius justificou o que o motivou a se alistar citando as imagens da guerra na Ucrânia.
"Eu aqui frustrado e ansioso porque não gosto de ver maldade com criancinha. Cara, aquele vídeo da criancinha atravessando a fronteira sozinha com uma barra de chocolate na mão, ursinho na bolsa... Pô, aquilo me cortou o coração de uma forma tão grande".
Como foram os últimos contatos?
Segundo pessoas que se comunicavam com Vinicius, o último contato ocorreu no dia 1º de abril, pouco depois da chegada a Varsóvia. Dali, os dois brasileiros disseram que planejavam seguir até Lviv, cidade ucraniana na fronteira com a Polônia, onde os combatentes voluntários são recrutados pela Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.
"Ônibus para Lviv e trem para Kiev [capital ucraniana]", escreveu Vinicius, em mensagem enviada a uma amiga no Brasil às 14h02 pelo horário de Varsóvia.
Às 20h51, Vinícius trocou mensagens com outro brasileiro que se identifica como aliado das tropas ucranianas na guerra. Na ocasião, disse que tinha instalado no celular o aplicativo de uma empresa de caronas que também funciona na Polônia. "Mano, não confia", respondeu o colega.
Como foi constatado o desaparecimento?
No dia seguinte, as mensagens enviadas ao número de Vinícius foram respondidas aparentemente por outra pessoa com um atraso de mais de 12 horas, gerando preocupação em quem monitorava a viagem dele. "Vinicius, estou preocupada com você", escreveu a amiga. "Pelo menos dá notícia. Geral preocupado. Precisamos saber onde você está para lhe buscar", registrou o brasileiro que o esperava na Ucrânia.
Nas respostas, em português, o autor das mensagens se apresenta como amigo de Vinicius, diz que ele está dormindo e ignora pedidos para enviar uma foto. A pessoa não identificada insiste em pedir uma localização com o interlocutor.
As mensagens eram parcialmente incompreensíveis e pareciam ter sido traduzidas com o auxílio de algum aplicativo. Em uma delas, o texto foi escrito no alfabeto cirílico usado na Ucrânia para se referir à cidade de Lviv, destino combinado pelos brasileiros como ponto de encontro.
O que aconteceu com as redes sociais de Vinicius?
Os perfis nas redes sociais de Vinicius no Facebook e Instagram foram excluídos logo após a constatação do desaparecimento.
O que diz a família?
Os parentes de Vinicius e do segundo brasileiro não foram localizados pela reportagem. O UOL procurou a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) no Rio de Janeiro, de onde os ex-fuzileiros saíram, mas ninguém procurou a unidade especializada até a tarde desta quinta-feira (7), segundo informou a delegada Ellen Souto. O Itamaraty também não informou se conseguiu contatar as famílias.
Como o governo brasileiro pode agir?
Especializada na área de Direito Internacional, a advogada Paula Baldini vê cenários possíveis para explicar o desaparecimento.
Na hipótese de sumiço na Polônia, diz que o governo brasileiro pode acionar as autoridades locais para exigir providências. "Seria um caso de cooperação internacional para achar os brasileiros", explica.
A especialista diz que não é possível saber em que circunstância o celular de Vinicius foi parar nas mãos de um eventual criminoso. "Mas o governo brasileiro certamente tem direito de pedir ajuda. A dúvida é se Polônia e Ucrânia teriam condições estruturais de atender a um pedido desses com o fluxo de pessoas que eles têm circulando no território deles agora", analisa.
Procurado, o Itamaraty não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O que pode ter acontecido com os brasileiros?
A advogada Paula Baldini não descarta a possibilidade de captura antes de um eventual alistamento ou até mesmo em meio ao conflito. "Eles podem ter sido pegos em situação hostil".
Caso tenham sido capturados por tropas inimigas, os brasileiros seriam considerados como presos de guerra, diz. "Nesse caso, eles teriam direito de contatar a família. Mas, com base no teor das mensagens, acho menos provável que isso tenha ocorrido", diz.
Ela também não descarta a possibilidade de morte em conflito, caso eles tenham conseguido se alistar. "Também pode ser que tenham tido o celular roubado e não tenham conseguido contatar as autoridades para pedir ajuda".
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