Drones e muro em escola: conflito de ex-soviéticos muda rotina em vilarejos
Ao andar pelas ruas vazias do vilarejo de Kornidzor, no sul da Armênia, a ex-prefeita Lusine Karamyan aponta, para além do vale, uma tenda branca montada por soldados do Azerbaijão — próxima de sua propriedade.
Kornidzor foi destruído na década de 1990, na chamada primeira guerra entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh. Hoje, reconstruído, tem cerca de mil habitantes e vê as tropas inimigas azerbaijanas se reaproximarem.
O clima é de preocupação. Um morador da região avisou que seria melhor evitar a estrada à noite, por segurança. Outra pediu para que não fossem feitas fotos que pudessem prejudicar a segurança dos armênios. O UOL esteve no local na segunda quinzena de abril.
Armênia e Azerbaijão brigam por territórios desde a época dos grandes impérios. A disputa por Nagorno-Karabakh — que se autodenomina República de Artsakh — vem desde a independência dos dois países, com o colapso da União Soviética, no começo da década de 1990. De maioria armênia, o território fica dentro do Azerbaijão.
Em maio, representantes de Armênia e Azerbaijão se encontraram pelo menos quatro vezes para discutir um cessar-fogo — com intermédio do Conselho Europeu, dos Estados Unidos e da Rússia. A República de Artsakh insiste na independência do Azerbaijão e está descontente com os termos da negociação.
Rotina atravessada
Perto de Kornidzor, o corredor de Lachin, única ligação entre Armênia e Nagorno-Karabakh, está fechado há quase 170 dias, e as tropas do Azerbaijão se aproximavam da fronteira. A via foi bloqueada em dezembro por ativistas azerbaijanos que reclamavam da mineração — autoridades armênias alegam que eles são ligados ao Exército do Azerbaijão.
Carros e integrantes do Exército e das missões da União Europeia e da ONU circulavam pelas ruas e estradas do lado armênio no fim de abril. Enquanto isso, os pequenos municípios distribuídos em meio às montanhas tentam manter a rotina.
Em uma escola de Kornidzor, foi construído um muro. Segundo Lusine, o objetivo é evitar a visão direta das crianças na direção das tropas azerbaijanas e tentar protegê-las. No dia 11 de abril, o governo da Armênia informou a morte de quatro homens — três eram dessa comunidade e conhecidos da família da ex-prefeita. O vilarejo ficou em luto.
O chefe da municipalidade de Tegh — que representa sete comunidades que somam 5.600 habitantes, incluindo Kornidzor —, Davit Ghulunts, diz que foram avistados drones no mesmo dia em que as mortes foram relatadas.
Logo depois, Ghulunts enviou pedido para o Ministério da Defesa para que houvesse treinamento com armas aos moradores da região. "Temos que defender nossa terra", afirmou. Alguns já atuam como voluntários junto ao Exército.
Em 23 de abril abril, o Azerbaijão instalou um checkpoint — espécie de barreira militar — na estrada, o que aumentou a tensão. A justificativa era a necessidade de impedir transporte de armas. A Armênia e Artsakh negam.
O enclave de Nagorno-Karabakh
O território autônomo de Nagorno-Karabakh foi instalado dentro do Azerbaijão em 1921, por decisão de Josef Stalin. Tem 120 mil habitantes e cerca de 4,5 mil km² — menor que o Distrito Federal, que tem 5,8 mil km².
"Existem teorias de que, mantendo o território armênio, era possível enfraquecer a Armênia e o Azerbaijão", diz Heitor Loureiro, doutor em História e pesquisador associado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Oriente Médio. "Foi possível reduzir a Armênia e incomodar os azerbaijanos."
À disputa política e pela terra, soma-se a religião. A Armênia é o primeiro país cristão do mundo e mais de 90% da população segue a Igreja Apostólica Armênia, enquanto a maior parte da população do Azerbaijão é de muçulmanos xiitas.
A Armênia é o país mais democrático da região, segundo a Freedom House, instituição sem fins lucrativos dos Estados Unidos. O Azerbaijão é governado por uma ditadura familiar. O atual chefe de Estado, Ilham Aliyev, assumiu em 2003. Antes dele, quem ocupava o cargo era o pai, Heydar Aliyev.
No fim da década de 1980, pouco antes do colapso da União Soviética, os armênios de Nagorno-Karabakh passaram a pedir independência do Azerbaijão. A Armênia apoiou a autonomia da República de Artsakh — e não a anexação. O Azerbaijão defende a integralidade do seu território.
Em 2020, a Rússia mediou um cessar-fogo que acabou com uma guerra que durou 44 dias — e enviou 2 mil soldados para a região. Uma das missões era monitorar o corredor de Lachin. Os armênios dizem que o Azerbaijão intensifica ataques enquanto a Rússia está ocupada com a guerra na Ucrânia.
O que está em negociação
Na última segunda (22), o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, disse que concorda com o reconhecimento da "integridade territorial" do Azerbaijão — o que inclui Nagorno-Karabakh. E que os mecanismos internacionais para garantir o diálogo entre Stepanakert e Baku são "extremamente importantes".
A declaração não foi bem recebida pelas lideranças de Artsakh. Além da delimitação das fronteiras, também estão em negociação a liberação de prisioneiros de guerra e o desbloqueio dos transportes.
A Rússia não concorda com as iniciativas da Europa e dos Estados Unidos em mediar encontros entre Armênia e Azerbaijão e tenta manter sua influência sobre o Cáucaso. Na quinta (25), Aliyev e Pashinyan sentaram à mesa com Valdimir Putin — mas não assinaram acordo.
Longe das reuniões, o corredor de Lachin permanece fechado. Artsakh relata racionamento de energia elétrica, de gás e dificuldades no abastecimento de água e outros bens essenciais, como comida e remédios.
O que disseram
A percepção da comunidade internacional está cada vez mais inclinada para a ideia de que Armênia e Azerbaijão, sem reservas, devem reconhecer a integridade territorial de cada um de 29.800 quilômetros quadrados e 86.600 quilômetros quadrados, respectivamente, e um diálogo deve ocorrer entre Baku e Stepanakert com o objetivo de garantir os direitos e a segurança dos armênios de Nagorno-Karabakh. Nós concordamos com esta lógica e conduzimos as negociações para esta lógica.
Nikol Pashinyan, primeiro-ministro da Armênia, em pronunciamento de 22 de maio
A normalização das relações Armênia-Azerbaijão não pode ocorrer com uma lógica completamente separada do conflito Azerbaijão-Karabakh e às custas dos direitos e interesses vitais do povo de Artsakh, que, aliás, são parte integrante e importante dos direitos e interesses vitais de toda a nação armênia.
Arayik Harutyunyan, presidente da República de Artsakh, em pronunciamento de 23 de de maio
Durante a Guerra Patriótica [de 2020], o Exército do Azerbaijão pôs fim a 30 anos de saudade ao libertar as terras ancestrais e eternas do Azerbaijão, bem como restaurar a justiça histórica.
Ministério da Defesa do Azerbaijão, em nota publicada em 19 de maio
*A jornalista viajou a convite da UGAB Brasil (União Geral Armênia de Beneficência)
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