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20 anos no poder e autoritarismo: quem é Erdogan, 'chefe' da Turquia

Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia - Presidential Press Office/Handout via REUTERS
Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia Imagem: Presidential Press Office/Handout via REUTERS

Da AFP*

28/05/2023 17h34

Em seus 20 anos no poder, Recep Tayyip Erdogan transformou a Turquia como nenhum outro desde Mustafa Kemal Atatürk, fundador da república turca. Neste domingo (28), ele foi reeleito, para um novo mandato de cinco anos.

Muitos acreditavam que, aos 69 anos, o "rais" (chefe) —apelido dado por seus apoiadores mais fervorosos— estava ameaçado pela crise econômica, a erosão do poder, as consequências do terremoto devastador de fevereiro e uma oposição unida como nunca antes.

Mas, ao final de uma campanha amarga, Erdogan, cujo rosto esteva onipresente nas telas de TV durante toda a campanha, conquistou a vitória neste domingo (após seu duelo mais disputado —em dois turnos, como nunca antes—, contra o social-democrata Kemal Kiliçdaroglu), com 52,1% dos votos.

Nem a passagem pela prisão, nem uma onda de grandes manifestações há dez anos ou uma tentativa sangrenta de golpe em 2016 conseguiram deter Erdogan, líder da maioria conservadora, durante muito tempo desprezada por uma elite urbana e laica.

Criticado durante sua campanha devido à inflação, ele respondeu fazendo alarde sobre os drones de fabricação turca, que se tornaram o orgulho do país, bem como sobre os aeroportos, mesquitas e rodovias construídos desde a sua chegada ao poder, em 2003.

Milagre econômico

Apesar das dificuldades dos últimos anos, Erdogan ainda é, para seus apoiadores, o homem do "milagre econômico", que colocou a Turquia no clube dos 20 países mais ricos do mundo.

Para grande parte dos turcos, ele é visto como o único político capaz de se manter firme contra o Ocidente e liderar o país em crises regionais e internacionais. A guerra na Ucrânia o colocou de volta ao tabuleiro diplomático, graças aos seus esforços de mediação entre Kiev e Moscou.

Entretanto, os opositores de Erdogan o acusam de autoritarismo, principalmente desde os expurgos em massa realizados após a tentativa de golpe de Estado contra ele e a reforma constitucional de 2017, que ampliou seus poderes.

Elites

Apesar de ter mandado construir para si um palácio de 1.100 quartos em uma colina protegida e arborizada de Ancara, Erdogan continua se apresentando como um homem do povo frente às "elites".

"Aprendi sobre a vida em Kasimpasa, não em uma torre de marfim", repetiu o presidente na última quinta-feira (25), referindo-se ao bairro operário de Istambul onde cresceu e sonhou com uma carreira como jogador de futebol, antes de entrar para a política.

Aprendeu todas as estratégias no movimento islamita do ex-primeiro-ministro Necmettin Erbakan, antes de ser levado para a linha de frente, em 1994, quando foi eleito prefeito de Istambul.

Em 1998, Erdogan foi condenado à prisão por ter recitado um poema religioso, um episódio que reforçou a sua imagem. Vingou-se com uma vitória eleitoral do AKP, do qual foi cofundador, em 2002. Um ano depois, foi nomeado primeiro-ministro, cargo que ocupou até 2014, quando se tornou o primeiro presidente turco eleito por voto universal direto.

Na noite de 15 de julho de 2016, Erdogan enfrentou um de seus testes mais difíceis: uma tentativa sangrenta de golpe, pela qual acusou o pregador Fethullah Gülen, seu ex-aliado.

Seu pior revés eleitoral foi em 2019, quando a oposição tomou a capital, Ancara, e seu reduto, Istambul, de seu partido.

Oponentes fora de jogo

Temendo por seu poder, ao longo dos anos ele deixou fora de jogo vários de seus oponentes, enquanto apertava o controle sobre os meios de comunicação. O líder do partido pró-curdo HDP, Selahattin Demirtas, que o privou da maioria absoluta no Parlamento, está preso desde 2016.

O prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, bastante popular, foi alvo em dezembro passado de uma decisão judicial que o impossibilitava de disputar as eleições presidenciais.

Em sua terceira campanha presidencial, Erdogan realizou um comício após o outro - até três por dia -, apesar de um rosto que demonstrava cansaço.

Este muçulmano devoto, pai de quatro filhos e defensor dos valores familiares, voltou a recorrer ao Alcorão para inflamar multidões, mas também usou injúrias para desacreditar a oposição, que acusou de terrorismo.

A reeleição de Erdogan neste 28 de maio, dez anos após o início do vasto movimento de protesto Gezi, que ele reprimiu brutalmente, é um símbolo do seu domínio sobre a Turquia, país que ele irá liderar em um terceiro e último mandato, segundo a Constituição.

A trajetória política de Erdogan

Nascido em um bairro portuário da classe trabalhadora de Istambul, Erdogan fez seu nome nos movimentos islâmicos nascentes que desafiavam o regime secular, tornando-se prefeito da cidade em 1994.

Seu mandato de prefeito foi interrompido quando ele foi condenado e preso por quatro meses por incitar o ódio religioso ao recitar um poema inflamado que comparava as mesquitas aos quartéis do exército e chamava os minaretes de "nossas baionetas".

Entre seus partidários, isso só parecia aumentar seu apelo. Ao fundar sua legenda, o AKP, depois que um partido islâmico anterior foi banido, Erdogan liderou uma vitória eleitoral esmagadora nas eleições nacionais de 2002 e tornou-se primeiro-ministro menos de seis meses depois.

As conquistas iniciais de Erdogan incluíram uma série de reformas que agradaram a União Europeia (UE), inclusive a abolição da pena de morte e o início de um processo de paz com militantes curdos.

Os protestos em massa em 2013 sobre os planos de transformar um parque de Istambul em um shopping center, no entanto, marcaram o início de uma era mais divisiva, que incluiu alegações de corrupção contra seu círculo íntimo.

A tentativa da Turquia de ingressar na UE fracassou e as negociações de paz com os curdos implodiram em 2015, quando um partido de oposição curdo ajudou a tirar de Erdogan o controle do Parlamento pela primeira vez. As operações militares turcas contra as forças curdas na Síria e no Iraque logo se seguiram, criando novas tensões com o Ocidente.

Em seus primeiros dias, o AKP, sem aliados e sem experiência, forjou uma aliança com o líder islâmico Fethullah Gülen, que se mudou para o exílio permanente nos EUA em 1999, mas manteve forte influência na sociedade e no governo turcos.

Mais tarde, Erdogan culpou Gülen por arquitetar uma sangrenta tentativa de golpe por uma facção renegada do exército em julho de 2016 - o que ele nega. Erdogan, que estava de férias no mar Egeu, apareceu na TV ao vivo para incentivar seus apoiadores a irem às ruas.

Esse foi o momento decisivo de seu governo subsequente. Erdogan revidou com expurgos abrangentes que levaram a 80 mil prisões, colocou a maior parte da mídia sob influência do governo e criou uma sensação de perigo iminente entre aqueles que se opõem ao seu governo. A hesitação de Washington e da UE em apoiar abertamente Erdogan nas primeiras horas dessa tentativa de golpe corroeu sua confiança no Ocidente, e criou atritos diplomáticos que perduram até hoje.

Em 2017, Erdogan promoveu um referendo que aboliu o cargo de primeiro-ministro e transformou a Turquia em um regime presidencialista. Com isso, ele consegui concentrar mais poder e obteve a permissão legal para disputar duas vezes a eleição para presidente.

Políticas econômicas pouco ortodoxas, incluindo a redução das taxas de juros para combater a inflação crescente, que atingiu oficialmente 85% em 2022, reverteram alguns ganhos de sua primeira década de governo, mais próspera.

Os opositores também o acusaram de fazer vista grossa à corrupção e aos padrões de construção frouxos que permitiram que cidades inteiras desmoronassem no terremoto em fevereiro. Apesar da perda e da raiva generalizadas, a popularidade de Erdogan se manteve em partes do sudeste da Turquia devastadas pelo desastre, um testemunho de apoio leal ao líder.

*Com informações de DW e Reuters