Mãe de morto na Ucrânia não acredita que receberá R$ 2 mi: 'País em guerra'
Do UOL, em São Paulo
31/08/2023 04h00Atualizada em 31/08/2023 09h29
A mãe de Douglas Búrigo, 40, um dos quatro voluntários brasileiros mortos na guerra da Ucrânia, afirmou ao UOL não acreditar no pagamento da indenização de R$ 2 milhões prevista pela lei ucraniana para as famílias de combatentes abatidos em combate em meio aos conflitos.
O que dizem as famílias
A informação sobre o direito de receber uma indenização pegou a família de Búrigo de surpresa. Os restos mortais do combatente brasileiro foram entregues à família em setembro de 2022, dois meses após a sua morte.
"É perda de tempo ir atrás de uma indenização nesse momento porque o país ainda está em guerra", disse Cleuza Búrigo, mãe de Douglas. Contudo, a família diz estar em contato com advogados especializados em Direito Internacional para buscar mais informações sobre os seus direitos.
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As cinzas do filho foram colocadas em um altar com fotos dele em uma capela construída ao lado da casa da família em São José dos Ausentes (RS).
Já os familiares de André Hack Bahi, 43, primeiro combatente brasileiro morto em confronto na Ucrânia, conta com o auxílio de um representante legal para avaliar o caso. O advogado Cláudio Andrade disse que está buscando mais informações sobre a lei ucraniana para avaliar qual a melhor medida a adotar.
Os parentes do brasileiro Antônio Hashitani, 25, afirmanram que neste momento está em busca dos restos mortais e do atestado de óbito dele. Ele morreu em combate no começo deste mês.
Questionado se tem conhecimento da lei e se há algum tipo de contato com o governo ucraniano, o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) disse que "eventuais contratos privados assinados por cidadãos brasileiros no exterior" fogem da sua competência.
O que diz a lei ucraniana
Em fevereiro de 2022, início da invasão russa, o governo ucraniano assinou um decreto para garantir "a proteção social e legal" aos parentes de militares mortos em combate. O pagamento inicial deve ser de R$ 400 mil — o restante (R$ 1,6 milhão), dividido em 40 parcelas, de acordo com a resolução do Ministério da Defesa da Ucrânia, de janeiro deste ano.
As pessoas com direito de receber o auxílio financeiro pontual, previsto nesta resolução, poderão exercê-lo a partir da data da morte (...) durante o período de lei marcial, especificada no atestado de óbito.
As famílias dos combatentes mortos devem receber uma ajuda financeira [de um valor equivalente a R$ 2 milhões]. Só não terão direito à indenização os parentes de cidadãos da Rússia, de Belarus [país aliado dos russos] ou de pessoas que residam permanentemente nesses países. As famílias de condenados por traição ou assistência ao Estado. agressor também não terão direito ao auxílio.
Trechos da resolução assinada pelo governo ucraniano
O que dizem os especialistas
Consultados pelo UOL, eles atestam a legitimidade do pedido de indenização. Alertam, porém, para a necessidade de que as famílias tenham um advogado ucraniano e citam dificuldades devido ao alto número de mortes. Analistas estimam que mais de 350 mil combatentes ucranianos ou aliados morreram desde o começo do conflito (fevereiro de 2022).
Voluntários vindos de outros países têm direito aos mesmos benefícios e garantias oferecidas aos combatentes ucranianos na guerra. Formalmente, os estrangeiros não fazem parte de uma organização separada. Eles integram as forças armadas da Ucrânia.
Kostia Gorobets, advogado ucraniano especialista em direito internacional
As famílias de voluntários brasileiros mortos em combate precisam de um advogado ucraniano que possa representá-los no país em guerra porque é um assunto interno da Ucrânia. Levar o assunto ao Itamaraty só daria resultado se o Brasil assumisse uma representação diplomática. É preciso que algum tratado internacional regulamente a atuação de voluntários em combate.
Alonso Gurmendi Dunkelberg, advogado e professor na Universidade de Oxford, no Reino Unido
A questão crucial é que estamos falando de um país que teve uma redução no PIB de 22% só em 2022, com previsão de queda ainda maior neste ano. A estimativa é de 350 mil combatentes mortos. A Ucrânia precisaria de auxílio dos EUA e de países europeus para pagar as contas e manter o esforço de guerra. Se não houver uma reviravolta financeira, a chance de pagamento de indenizações é mínima.
Tito Barcellos Pereira, geógrafo e especialista na atuação das forças armadas no mundo
Quem são os brasileiros mortos na guerra
Veterano de guerras anteriores, o gaúcho André Hack Bahi morreu em combate em Sieverodonetsk, um dos principais campos de batalha do leste ucraniano, em junho de 2022.
Os restos mortais dele só chegaram ao Brasil em dezembro, seis meses após a sua morte. As cinzas foram jogadas pela família em uma praia do Ceará.
A paulista Thalita do Valle, 39, morreu no mesmo bombardeio que vitimou Douglas Búrigo no dia 1º de julho de 2022, na cidade de Kharkiv.
Búrigo revelou medo de morrer em áudio enviado a um amigo dias antes do bombardeio. "Tô apavorado aqui já. Abateram um colega nosso aqui. Rapaz, eu vou te falar bem a verdade. Não sei se volto vivo para o Brasil. Se eu não voltar, eu quero que vá a bandeira [do Brasil] pra mim", disse.
O paranaense Antônio Hashitani foi o quarto brasileiro morto na guerra da Ucrânia. Ele estava em um bunker bombardeado por russos no dia 2 de agosto, próximo à cidade de Bakhmut. As informações foram repassadas por voluntários aos parentes dele. A morte foi confirmada pelo Itamaraty.
Hashitani era estudante de medicina e havia trancado a sua matrícula para viajar para a Tanzânia, na África, em abril. Lá, ele participava de um projeto social e sonhava em construir uma escola para crianças. Após viajar para a Tanzânia, Hashitani se alistou junto às tropas ucranianas sem avisar a família.