Brasileiro morto na Ucrânia era veterano de guerras, diz irmã
O combatente André Hack Bahi, 43, primeiro brasileiro morto na guerra da Ucrânia, carregava cicatrizes de conflitos anteriores quando atuava pela legião estrangeira francesa. Há seis anos, só escapou da morte em uma missão na Costa do Marfim porque estava com colete à prova de balas quando foi atingido por quatro tiros no peito —a área em que ele estava havia sido alvo de bombardeios e mísseis, segundo a família.
Resgatado às pressas de helicóptero, precisou ficar dois meses hospitalizado para se recuperar de um traumatismo craniano e de fraturas na mandíbula e tórax. Mas isso não o impediu de se alistar junto às tropas ucranianas há três meses. "Ele queria ajudar", disse Letícia Hack, irmã mais velha de André, em entrevista ao UOL. O Itamaraty confirmou ontem a morte dele em um conflito no domingo (5).
Natural de Porto Alegre (RS), André tinha três irmãs mais velhas. Ex-militar do Exército, trabalhou por um período com o pai como técnico em eletrônica em uma empresa especializada em sistema de alarmes. Depois de atuar como técnico em Enfermagem, se mudou da cidade natal para a Islândia, onde trabalhou em uma peixaria. Mas não se adaptou e voltou menos de um ano depois.
Em 2014, foi para Quixadá (CE), a 170 km da capital Fortaleza. No ano seguinte, se alistou junto à legião estrangeira francesa e começou a participar de missões em países em conflito.
Nem mesmo os graves ferimentos sofridos em 2016 na Costa do Marfim, na África, fizeram com que ele desistisse da carreira militar. Depois disso, retornou ao Ceará, onde se formou em Enfermagem em 2021. E teve uma passagem temporária por Portugal —foi quando começou a guerra na Ucrânia.
Ele falou: 'Mana, eu quero ajudar as pessoas. Se precisar morrer, eu vou morrer'. E foi o que aconteceu. Ele morreu em combate. O meu irmão tinha essa força de salvar vidas e de lutar por um país que nem era dele. Ele vai permanecer vivo para sempre no meu coração."
Letícia Hack, irmã
"Meu avô era tenente do Exército. E o meu bisavô lutou na guerra do Paraguai (1864-1870). Acho que o André tinha essa vocação. É uma coisa que vem de família", complementou.
Mesmo em meio ao conflito, André trocava mensagens com a família. Na semana passada, a irmã disse ter tentado convencê-lo a deixar a Ucrânia na última conversa entre os dois pelo WhatsApp, mas não teve sucesso.
Um colega dele tinha voltado. Aí, perguntei se ele não queria voltar. Ele disse que ainda estava em missão e que iria ficar até o final. Meu irmão foi mais uma vítima dessa guerra, entre tantos outros soldados."
Letícia Hack
Com a confirmação da morte de André, a família agora vai procurar a Embaixada do Brasil na Polônia para ver se é possível trazer os restos mortais dele para o país. "Ainda estou em estado de choque. Só quero ver o corpo do meu irmão".
Arrastado por colega para fora da zona de conflito
Após morrer ao ser atingido por disparos, o corpo de André foi arrastado por um colega para que fosse retirado da zona de conflito e está em um necrotério na região, segundo a mensagem atribuída ao comandante da unidade.
"A notícia que eu tenho é oficial. Nós todos estamos bem sentidos. Já nos reunimos, já choramos, já nos abraçamos. Eu falei com gente que estava diretamente com ele no momento que aconteceu. Não foi só ele, teve outros alvejados", disse no áudio o homem que se identificou como comandante da unidade de André.
"[Eu falei com o] rapaz que puxou ele para um ponto de evacuação, já falecido. A notícia que a gente tem é que o corpo está no necrotério pela região. Todas as minhas condolências para a família. Nós estamos abalados, porque a situação foi muito trágica", completou.
Despedidas nas redes sociais
A informação da morte de André foi repassada à família pelo brasileiro André Kirvaitis, que também foi para a guerra. Segundo ele, um colega da mesma unidade foi hospitalizado após se ferir no confronto e disse ter visto André morrer. "Um amigo que estava com ele no combate viu ele sendo morto no tiroteio", relatou ao UOL.
Nas redes sociais, Kirvaitis se despediu do amigo. "Obrigado por tudo, irmão", escreveu, em seu perfil no Instagram.
"Éramos mais do que irmãos. Estávamos juntos desde o começo, fizemos missões juntos. Era para eu estar com ele nessa última missão", relatou Kirvaitis, que foi impedido de acompanhar a unidade em decorrência de problemas de saúde.
'Perdi amigos lá', disse André após ataque russo
Há mais de três meses na zona de confronto, André fazia parte do primeiro grupo de voluntários brasileiros que se alistou junto às tropas do país invadido. "A gente veio pra ajudar", disseram os integrantes do grupo.
Em entrevista ao UOL à época, André relatou ter deixado a área militar atacada pelos russos na região de Lviv horas antes de um bombardeio que deixou ao menos 35 mortos na madrugada de 13 de março, segundo o governo ucraniano. "Perdi amigos lá", disse.
Brasileiro na guerra
Os brasileiros ganharam notoriedade por compartilhar a rotina deles no campo de batalha, com registro até de um vídeo de confronto próximo à capital Kiev.
Em uma série de gravações, é possível ouvir o som de tiros, bombas e rajadas, enquanto as imagens mostram o grupo se posicionando atrás de árvores e na grama.
Em um dos registros, que foi deletado, um deles diz: "se juntem a nós, seus covardes", em resposta a críticas de internautas por compartilharem imagens da guerra nas redes sociais.
Os brasileiros também gravaram o momento em que chegaram à capital Kiev, em meados de março. Em vídeo postado nos stories André registrou o próprio fuzil dentro de um veículo com a localização em Kiev. Em seguida, captou imagens suas em uma área residencial da cidade.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.