Parentes de brasileiros mortos na Ucrânia pedem restos mortais a Zelensky
Parentes dos três combatentes brasileiros mortos na guerra da Ucrânia contra a Rússia redigiram uma carta aberta direcionada ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky cobrando o envio dos restos mortais dos voluntários e indenização aos herdeiros.
O documento, obtido com exclusividade pelo UOL, diz ainda que as famílias foram procuradas por uma suposta representante do Exército da Ucrânia que solicitou dados pessoais deles e prometeu o envio dos restos mortais, que nunca chegaram.
Como foram as mortes. André Hack Bahi, 43, foi o primeiro brasileiro morto em confronto. Segundo o relato do comando da sua unidade, ele foi alvo de rajadas de metralhadora na altura do peito em um confronto na área industrial de Sieverodonetsk há mais de três meses.
Douglas Búrigo, 40, e Thalita do Valle, 39, morreram ao serem atingidos por mísseis russos quando estavam em um alojamento no dia 30 de junho. Segundo relatos, ela morreu asfixiada dentro de um bunker em uma casa em chamas. Já Douglas foi atingido enquanto tentava retirá-la de lá em meio às explosões.
O que diz a carta a Zelensky. A carta começa citando o apelo por alistamentos feito pelo próprio presidente ucraniano após a criação da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia. "Nossos filhos ouviram sua súplica e se solidarizaram, deixando suas famílias no Brasil e embarcando em missão humanitária", cita o texto.
Eles morreram lutando bravamente e socorrendo os soldados e civis enfermos (...). Deram as suas vidas pela pátria ucraniana. Por favor, nos envie os restos mortais de nossos filhos, seus pertences que foram catalogados e garanta os seus direitos indenizatórios (...). Perdemos nossos filhos e estamos pedindo respeitosamente que nos deixem enterrar os seus caixões"
Suposta representante do exército ucraniano. Após as mortes, as famílias dizem que receberam do comando do pelotão um cartão de uma mulher húngara que se apresentava como representante do governo ucraniano, cita a carta aberta a Zelensky.
"Ela solicitou diversas informações e confirmou estar com todos os pertences, incluindo fardas pessoais, documentos e cartões bancários dos soldados [mortos] (...). Ela confirmou que havia feito o envio das cinzas e pertences dos nossos filhos, mas nunca chegaram".
O texto ainda cita a reportagem do jornal britânico Daily Mail, que a identificou como autora de golpes com base em falsificação de documentos na Austrália e em Portugal. A suposta representante do exército ucraniano não atende mais as mensagens das famílias, cita a carta.
Os familiares temem que os dados repassados à mulher sejam usados em algum golpe.
O que dizem as famílias. Mãe de Thalita, a professora Rosalina Aparecida Vieira do Valle, 70, não esconde a angústia com a falta de informações. "Além da dor da perda de uma filha, ainda preciso lidar com a falta de informações exatas sobre os restos mortais e os pertences dela. Eu só queria poder enterrá-la. Como mãe, estou apelando para o presidente ucraniano".
Rosalina diz ter tido uma conversa com a filha dias antes de sua morte. "Ela falou que era considerada cidadã ucraniana. Falou disso com um certo orgulho. Ela foi para lá em uma missão humanitária".
Mãe de Douglas, a professora Cleuza Búrigo, 60, diz ter encaminhado toda a documentação solicitada digitalizada e assinada para autorizar a cremação do corpo do filho na Ucrânia. "Só que não recebemos as cinzas. Recebemos um atestado de óbito, que esperamos que seja verdadeiro. A nossa situação é desesperadora", diz.
Irmã de André, Letícia Hack, 53, revela preocupação com o estado de saúde dos pais, que sofrem com a situação. "Meus pais estão definhando de tristeza por tudo isso. Dói muito. Não temos cinzas ou pertences [do André].
O que dizem as autoridades. A reportagem entrou em contato por email com a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia na quinta-feira (8). Segundo o órgão, o assunto está sendo tratado pelo governo ucraniano. O UOL enviou email para a assessoria de imprensa do governo ucraniano na manhã de sexta-feira (9), mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Em nota, o Itamaraty informou que mantém contato regularmente com os parentes mortos na Ucrânia. "Desde que tomou conhecimento dos casos, a Embaixada do Brasil em Kiev tem apoiado os familiares, intermediando o contato com autoridades locais e expedindo os documentos necessários, como o atestado consular de óbito".
O órgão diz ainda que os trâmites para o traslado dos restos mortais já estão em andamento e "sendo acompanhados pelos familiares", informação desmentida pelos parentes dos voluntários brasileiros mortos na Ucrânia ouvidos pelo UOL.
Questionado, o Itamaraty não se posicionou sobre as denúncias de contatos da suposta representante do Exército ucraniano.
A reportagem também entrou em contato com a embaixada da Ucrânia no Brasil desde sexta-feira, por email e WhatsApp. Porém, o órgão não se manifestou. Assim que houver posicionamento, ele será incluído na reportagem.
Quem eram os combatentes brasileiros mortos na Ucrânia. Modelo, socorrista e atiradora de elite, Thalita já havia participado de uma missão contra o Estado Islâmico no Iraque há três anos.
Natural de Ribeirão Preto (SP), ela se mudou com a família desde a infância para a capital paulista, onde morou até se alistar junto às tropas ucranianas.
Thalita participou de resgates de animais no Brasil nos últimos anos. Esteve em uma equipe de socorristas após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), que matou 19 pessoas em novembro de 2015. Também esteve em ações de buscas na tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 270 mortos em janeiro de 2019.
Há seis anos, André escapou da morte em uma missão na Costa do Marfim porque estava com colete à prova de balas quando foi atingido por quatro tiros no peito quando atuava pela legião estrangeira francesa. Resgatado às pressas de helicóptero, precisou ficar dois meses hospitalizado para se recuperar de um traumatismo craniano e de fraturas na mandíbula e tórax.
A bandeira do Brasil que pertencia a André Hack apareceu nas mãos do líder checheno Apti Alaudinov, aliado das tropas russas, em um vídeo publicado no Twitter. Nas imagens, é possível ver a assinatura do combatente morto. Após a morte, a família dele chegou a se mobilizar, cobrando o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) pela vinda dos restos mortais dele ao Brasil.
Nascido em Porto Alegre (RS), ele morava com a esposa e uma filha pequena em Quixadá (CE).
Ex-militar do exército brasileiro, Douglas participou da guerra por apenas um mês. Ele revelou medo em áudio enviado a um amigo pelo WhatsApp dias antes de morrer. "Não sei se eu volto vivo pro Brasil. Mas, se eu não voltar vivo, eu quero que vá a bandeira [do Brasil] pra mim", disse.
Pai de uma jovem de 15 anos, Búrigo era dono de uma borracharia e morava na casa dos pais em São José dos Ausentes, interior do Rio Grande do Sul.
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