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'É como cárcere': mãe acusa ex de impedir filha de ser repatriada do Líbano

A brasileira Nacima e a filha, Sirine, no último inverno juntas no Líbano Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

17/10/2024 05h30

A nutricionista brasileira Nacima Jarouche tenta repatriar sua filha Sirine, de 6 anos, após o início dos ataques israelenses no Vale do Bekaa, no Líbano, onde a menina está sob os cuidados dos avós paternos após uma separação conturbada. Ela acusa o ex-marido de impedi-la de trazer a filha ao Brasil, mas ele nega.

O que aconteceu

Sirine está no Líbano desde 2022, após o pai, de nacionalidade libanesa e brasileira, se recusar a devolvê-la à mãe. Nacima Jarouche, que havia conseguido a guarda da filha após um divórcio conturbado, planejava voltar ao Brasil com a filha. No entanto, na véspera da viagem, o ex-marido pegou a menina para passar o fim de semana e não mais a devolveu. Ele bloqueou o nome da criança nos aeroportos libaneses, impedindo sua saída do país.

Desde então, Nacima trava uma batalha legal e emocional para repatriar a filha, agora agravada pela guerra. Vivendo em São Paulo, a nutricionista tentou todas as vias diplomáticas possíveis para trazer Sirine de volta. Porém, a situação se agravou com o início dos bombardeios israelenses na região onde a menina vive com os avós paternos. Agora, além de enfrentar a burocracia, a mãe teme pela segurança da filha em meio a um cenário de guerra.

Sirine, de 6 anos, é filha de Nacima com Khaled Salim Masri, um bancário de nacionalidade libanesa e brasileira. O casal se conheceu em 2015, durante uma visita da nutricionista ao Líbano. Khaled, que já conhecia a família da mulher por meio do banco onde trabalhava, iniciou um contato mais direto via Facebook, o que levou ao noivado e casamento em agosto daquele ano.

O relacionamento, no entanto, rapidamente se transformou em um pesadelo. Khaled começou a controlar as decisões de Nacima, especialmente sobre sua carreira, e a violência emocional logo tomou conta do relacionamento. "Eu acreditava estar construindo uma família, mas o que vivi foi um verdadeiro cárcere", conta a nutricionista, em entrevista ao UOL.

A violência emocional começou pouco tempo após o casamento, com Khaled negando qualquer reinserção dela na carreira. "Ele queria que eu me tornasse uma mulher sem sonhos, sem carreira, apenas alguém para cuidar da casa. Fui perdendo a esperança aos poucos", relembra.

O nascimento de Sirine, em setembro de 2018, trouxe ainda mais tensão ao casamento. "Minha filha foi um presente de Deus, mas mesmo naquele momento de felicidade, ele já estava me controlando", afirma. Após o parto, Nacima afirma que foi isolada e submetida a uma série de violências físicas e emocionais que a impediram de viver plenamente a maternidade.

Khaled e sua família interferiam até nos momentos mais íntimos da nutricionista com sua filha. Ela descreve como a casa sempre esteve sob vigilância da sogra e como não tinha privacidade nem para amamentar. "Eu estava cercada de pessoas que queriam tomar o meu lugar como mãe", diz.

A situação chegou ao limite em 2020, quando Nacima sofreu uma tentativa de feminicídio. Após o episódio, ela decidiu se divorciar, mas enfrentou uma longa batalha legal no Líbano. Embora tivesse conseguido a guarda unilateral de Sirine, Khaled impediu que a menina deixasse o país. "Eu já estava sem forças, mas não podia desistir da minha filha. Ela é tudo para mim", conta.

O pai bloqueou o nome de Sirine nos aeroportos libaneses, impedindo sua saída do país. Ele também se recusou a registrar a filha como brasileira, o que dificultou ainda mais a possibilidade de repatriação. Nacima, então, decidiu voltar ao Brasil sozinha, na esperança de encontrar uma solução para trazer a menina de volta.

Avós moram no Bekaa

O Vale do Bekaa, onde Sirine vive com os avós paternos, passou a ser alvo de bombardeios, aumentando o temor de Nacima. "Saber que minha filha está no meio da guerra me consome por dentro. Não durmo mais, não como mais. Só penso em como ela está, se está segura", relata.

A última conversa entre a nutricionista e a filha ocorreu no aniversário da menina, em 19 de setembro. Nacima conseguiu uma breve ligação, mas percebeu que a filha estava sendo monitorada pelos avós. "Ela não podia falar livremente. Parecia com medo, olhando para os lados como se soubesse que não podia dizer tudo o que queria", afirma a mãe.

Desde o início da guerra, Nacima conseguiu falar com a filha apenas uma vez. "As poucas vezes que consigo falar com ela, sei que está sendo monitorada. Eles controlam tudo. É como se ela estivesse vivendo o mesmo cárcere que eu vivi", conta.

A mãe critica a burocracia do Itamaraty, que, segundo ela, foi lenta em cadastrar os brasileiros no Líbano para a repatriação. "O cadastramento foi muito tardio. Eu não entendo como podem deixar minha filha lá, em uma zona de guerra, sem resposta", desabafa. Ela teme que os procedimentos diplomáticos não sejam rápidos o suficiente para resgatar Sirine antes que a situação no Líbano se deteriore ainda mais.

Esperança de repatriamento

Apesar de tudo, Nacima está disposta a correr todos os riscos para trazer sua filha de volta. "Se for necessário, eu subo no avião da FAB e vou buscá-la eu mesma. Não importa o perigo, eu só quero minha filha de volta, viva e em segurança", declara.

O impacto psicológico dessa separação forçada tem sido devastador para a nutricionista. Ela relata noites sem dormir e uma sensação constante de impotência. "Minha maternidade foi roubada de mim. Sinto que estou lutando contra um sistema que não vê o sofrimento de uma mãe. Tudo o que quero é ter minha filha de volta nos meus braços", lamenta.

A relação com os avós paternos de Sirine é marcada por tensões e falta de comunicação. Nacima descreve a relação como "fria e distante", afirmando que eles se recusam a colaborar com a repatriação da menina. "Para eles, minha filha é um objeto de posse, e não uma criança que precisa de proteção. É desumano", afirma.

Mesmo diante de tantos obstáculos, a nutricionista mantém a esperança de que Sirine será repatriada. Ela já buscou apoio no Congresso Nacional e em organizações internacionais, na tentativa de acelerar o processo. "Vou até o fim, até que minha filha esteja de volta ao Brasil. Não vou descansar até vê-la em segurança", promete.

O que diz o pai

Em entrevista ao UOL, o bancário Khaled Masri, 45, pai de Sirine, afirma que não tirou a filha de Nacima. Ele diz que ela decidiu sair do Líbano e viajar para o Brasil para viver com seus pais, renunciando à guarda da menina de forma voluntária. Segundo ele, isso foi documentado e registrado no tribunal: "Eu não tirei Sirine de sua genitora à força, nem a impedi de viver com a filha no Líbano. Como pai, tenho o dever de defendê-la da pessoa que virou as costas para ela".

Sobre a questão da custódia, Khaled, que trabalha como supervisor de operações de um banco internacional, afirma que Nacima e sua família tentaram várias vezes levar a criança para o Brasil sem sua permissão. Ele ressalta que, como também possui cidadania brasileira, a embaixada não emitiu o passaporte da filha sem sua autorização. "Eles querem tirar minha filha de mim à força e ninguém pode aceitar isso", disse, destacando que mesmo com essas tentativas, ele permite que Nacima faça videochamadas com Sirine duas vezes por semana.

Quanto à segurança da menina, Khaled diz que ela está segura na área onde vivem, em Kefraya, e que não há conflitos na região. Ele considera que a mãe está usando a guerra para tentar tirá-la do Líbano. "Sirine tem suas amigas, professores e um pai de verdade que nunca a deixou para trás", afirma, argumentando não haver necessidade de repatriação.

O pai se posiciona contra a ideia de enviar a filha ao Brasil, afirmando que seria prejudicial removê-la de seu ambiente atual, onde está "feliz e cercada de pessoas queridas". Ele também destaca que não ignorou a lei libanesa, mas acusa Nacima de ter violado as ordens judiciais ao tentar impedir suas visitas a Sirine e ao tentar levar a filha ao Brasil sem seu consentimento.

Em relação às acusações de cárcere privado e abuso mencionadas por Nacima, Khaled afirma não serem verdade. Ele argumenta que ela tinha um consultório de nutrição, carro próprio e liberdade para sair com amigos, descrevendo suas alegações como mentiras para atrair atenção da mídia. "Você acha que alguém que estava preso, abusado e enfrentando assassinato pediria para voltar para o parceiro?", questiona o bancário, assegurando que tem testemunhas de como ela foi tratada durante o casamento e das vezes que tentou reatar o relacionamento com o ex-marido.

Itamaraty acompanha o caso

Em nota, o Itamaraty afirmou que, por intermédio da Embaixada do Brasil em Beirute e da área consular em Brasília, acompanha desde 2022 o caso. E afirma que "tem prestado toda a assistência consular possível à cidadã brasileira envolvida na disputa de guarda por sua filha menor".

Essa assistência, segundo o Itamaraty, envolve a mediação de contatos, a realização de visitas e de reuniões e orientação jurídica. "Tudo na tentativa de conseguir uma solução satisfatória para ambas as partes, no melhor interesse da menina. Uma futura repatriação da menor dependeria de solução sobre a disputa jurídica por sua guarda, que requer a atuação de advogados locais contratados diretamente pelas partes".

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