Brasileira no Líbano: 'Medo é ver um filho no lugar das crianças de Gaza'
Salwa Rifai, 45, vive uma rotina de medo desde que a ofensiva israelense começou no Líbano, em 23 de setembro. A brasileira mora há 30 anos no país, onde casou e teve três filhos —dois homens, de 24 e 27 anos, e uma menina, de 13.
Ela quer voltar ao Brasil, mas o marido e os dois filhos, não. "Minha filha está com muito medo. Eu não posso ir, levar a menina e deixar os outros aqui. Meu coração vai ficar dividido entre ela e eles", disse em entrevista por telefone ao UOL.
Barulhos de bombas o dia todo
Salwa vive em Ghazze, na porção central do Líbano, que não teve ataques. Os confrontos se concentram no sul do país e começaram numa tentativa de Israel em "eliminar" o grupo extremista Hezbollah.
Mesmo sem ataques, a brasileira dorme e acorda com sons dos bombardeios em outras cidades. "A minha até agora não teve nada. Mas pode ter, porque todas as pessoas do sul vieram para cá. Não sobrou uma casa por lá, só terrenos." Ela conta que o marido tem amigos entre as vítimas dos confrontos.
Vivo com medo. Durmo com barulhos de bomba e sempre acordo com explosões. Meu maior medo é ver um filho meu no lugar das crianças de Gaza. Salwa Rifai, brasileira vive no Líbano há 30 anos
Ela toma remédios desde que os confrontos começaram, devido às fortes crises de pânico. Ouvir aviões virou um martírio, pois são o prenúncio de mais ataques —já que a sua casa nunca foi rota de voo.
Os filhos da brasileira dizem que precisam ficar no Líbano para defender o país e a família. O marido tem a mesma postura e não deixaria o restante de sua família nesta situação: ele e os irmãos compartilham casas em um mesmo quintal, tamanha a proximidade.
A filha sabe que vivem uma guerra e tem medo. A adolescente pede para vir ao Brasil, independente da escolha dos irmãos. As escolas fecharam há um mês, e ela teve aulas online. No entanto, o ensino parou de vez devido à escalada dos ataques.
Minha filha é muita quieta, não gosta de conversar, mas ela diz que tem medo e pergunta se eu não quero levá-la para o Brasil. Mas como vou deixar os irmãos? Ela diz que não é culpa dela os irmãos não quererem ir.
'Agora eu sei como é uma guerra': Salwa foi repatriada em 2006
Não é a primeira vez que Salwa vê uma guerra. Em julho de 2006, ela e os dois filhos foram repatriados em um voo da FAB (Força Aérea Brasileira) durante outro conflito entre Israel e Hezbollah. A ofensiva durou 34 dias, deixou mais de 1.300 mortos e quase 1 milhão de desabrigados.
Salwa voltou ao Líbano depois de seis meses e considera que desta vez a situação é pior. "A gente não escutava bombardeio toda hora igual escuta hoje."
Eu não sabia o que era uma guerra em 2006, agora eu sei. Tenho medo do que pode acontecer, do que vai vir depois. Essa guerra é maior do que a de 2006.
A tristeza aumenta quando é chamada de "terrorista", diz a brasileira. Esse preconceito é comum, sobretudo nas suas redes sociais. "Você assiste ao jornal, vê o que está acontecendo em Gaza e sabe que está chegando cada vez mais próximo de você. Mas, no final, a gente que é 'terrorista' para os brasileiros. É muito difícil sofrer e as pessoas te atacarem, dizendo que o seu povo merece isso."
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Quero receberAngústia há um ano
A aflição não é de agora. A vida já não é a mesma para a família há um ano, quando começou a guerra na Faixa de Gaza após ataques do Hammas a Israel. Na terça-feira (8), a ONU (Organização das Nações Unidos) disse que os conflitos no Líbano têm os mesmos "padrões" e "métodos de guerra".
"Há um ano converso com os amigos só sobre guerra", diz Salwa. "É na Palestina, mas todo mundo aqui está mal. Não saímos para nada, porque é injusto se divertir com gente inocente morrendo. Sofremos há um ano, mas agora piorou."
Meu marido falava: você tem vontade de se divertir, comer em um restaurante e as crianças morrendo em Gaza? A gente tem que viver como eles, porque vai chegar a nossa vez.
As restrições ficaram pior com o início dos conflitos no Líbano. Salwa diz que não tem mais coragem de fazer compras de mercado em uma cidade vizinha, onde os preços eram menores. Os valores, inclusive, saíram do controle com a lotação de refugiados vindos do sul. "Cada um vende do jeito que quer, está bem mais caro", explica a brasileira.
Vivo dia por dia. Penso assim: vamos viver esse dia. Mas quando um é tranquilo, sei que o seguinte será difícil.
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