Por que tem milhares de brasileiros no Líbano? Dom Pedro 2º está por trás

O governo federal iniciou nesta quarta (2) sua primeira operação de repatriação de brasileiros que vivem ou estão no Líbano, em meio à guerra com Israel. Um avião da FAB partiu da Base Aérea do Galeão no Rio rumo a Beirute, capital do país, para trazer o primeiro grupo.

A maior comunidade de brasileiros no Oriente Médio atualmente está no Líbano. Ao todo, 21 mil brasileiros vivem no país.

O que explica tantos brasileiros no Líbano?

Dom Pedro 2º iniciou as relações entre Brasil e Líbano ainda no século 19. "A razão para a maior comunidade libanesa do mundo estar no Brasil é por causa da ida de Dom Pedro 2º ao Líbano em 1876, porque lá ele foi recebido muito bem, já tinha uma afinidade com os libaneses que aqui [no Brasil] viviam. Então ele aproveitou e convidou a todos que viessem para cá, dizendo que iria recebê-los de braços abertos, e foi o que aconteceu", comentou a presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano, Lody Brais, à Folha em 2023.

Duas primeiras grandes ondas de imigração aconteceram até 1930. Os primeiros registros de libaneses desembarcando em portos na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e na região amazônica são da década de 1880, mas 90% dos imigrantes sírios e libaneses que chegaram ao Brasil fizeram a travessia anos mais tarde, entre 1904 e 1930, segundo o livro "Negotiating National Identity: Immigrants, Minorities, and the Struggle for Ethnicity in Brazil", do pesquisador Jeffrey Lesser, professor de história e diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Emory University.

Por que libaneses se mudaram para o Brasil? Segundo o IBGE, a maioria dos libaneses que fixaram residência no Brasil, especialmente na primeira onda, eram cristãos que fugiam da perseguição da maioria muçulmana e dos turcos durante o Império Otomano. É desta época a abertura do primeiro consulado brasileiro em Beirute, em 1911. Além disso, havia escassez de terra cultivável na região para as novas famílias que se formavam, que passaram a buscar novos lares no exterior. Até 1939, mais de 5.000 libaneses já haviam imigrado para o Brasil, a terceira maior comunidade do Oriente Médio, só atrás dos turcos e dos sírios, apontou a obra de Lesser.

Nova onda é muçulmana. Os libaneses continuaram vindo ao Brasil no pós-2ª Guerra para escapar do domínio francês e conflitos sectários, apontou trabalho do historiador André Castanheira Gattaz, da Universidade de São Paulo. Durante a Guerra Civil Libanesa, iniciada em 1975, outra forte ronda de refugiados chegou por aqui, mas desta vez a maioria deles era islâmica.

Jogo virou. Durante as décadas de 1980 e 1990, o Brasil entrou em uma crise econômica que só seria dispersada com a consolidação do Plano Real. Os libaneses e seus descendentes que viviam aqui, muito dependentes do comércio, decidiram então retornar ao Líbano carregando consigo suas raízes brasileiras. O historiador Roberto Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Universidade Saint-Esprit de Kaslik, chamou este grupo de "brasilibaneses" ao jornal franco-libanês L'Orient-Le Jour.

Maior comunidade está no Vale do Bekaa, onde brasileiros do Líbano falam português e comem nossa comida. O jornalista brasileiro Guga Chacra, descendente de imigrantes libaneses, relatou em sua coluna ao Estadão em 2010 como foi sua passagem pelo vale. "A reportagem fez o teste e, realmente, o primeiro pedestre abordado falava português. Era Hussein El Jaroush. Nascido no Líbano, ele foi há duas décadas para o Brasil, onde viveu por 13 anos. Passou por Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Maceió e, como muitos conterrâneos, terminou em Santo André. Na cidade do ABC paulista, existe até uma espécie de clube, chamado 'Chácara Sultan Yakoub', onde os originários desta vila do Líbano se reúnem nos fins de semana para jogar futebol e fazer churrasco."

Niemeyer também deixou sua marca na paisagem libanesa. Khatlab também descreve que uma das principais ruas de Zahlé, a capital do Bekaa, é chamada de "rua Brasil". "Existe outra 'rua Brasil' em Beirute, perto do porto. Em Biblos fica a pequena capela de Nossa Senhora da Penha do Rio de Janeiro. Em Trípoli, o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer desenhou o prédio que abrigou a Feira Internacional. E por todo o Líbano depara-se com nomes em português de lojas, indústrias, produtos e outros, com o Brasil influindo também nos hábitos libaneses, com o café, e sua bandeira nacional passando a fazer parte da paisagem local em época de Copa do Mundo de futebol", relembrou ao L'Orient-Le Jour. Os brasileiros também estão presentes em outras partes do território libanês, como em Dar Beechtar, ao Norte, e Kabrikha, ao Sul.

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O Itamaraty estima que haja 21 mil cidadãos brasileiros morando no Líbano, mas a comunidade pode ser maior se forem contados filhos de "brasilibaneses" nascidos no Líbano, que não possuem cidadania brasileira, mas detêm a nossa identidade cultural.

É brasileiro no Líbano?

Governo deve repatriar 500 brasileiros do Líbano por semana, diz FAB. A capacidade da FAB (Força Aérea Brasileira) é de repatriar cerca de 500 brasileiros que estão no Líbano por semana. O Ministério das Relações Exteriores contabiliza cerca de 3.000 brasileiros que desejam deixar o país, em meio à escalada das operações militares das Forças Armadas de Israel.

A consulta para aqueles que desejam repatriação segue aberta. A população pode procurar o Itamaraty pelos seguintes números: sala de operações do Sul do Líbano: 07753684; sala de operações de Baalbeck Hermel: 08371479; sala de operações de Nabatiyyeh: 07769002; sala de operações do Bekaa: 08803905.

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