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Ataque de Israel fere forças de paz no Líbano: o que são crimes de guerra?

Soldados da Força de Paz da ONU (Unifil) no Líbano em Marjayoun, no sul do país, em 8 de outubro de 2024 Imagem: AFP

Colaboração para o UOL*

18/10/2024 05h30

O secretário-geral da ONU, António Guterres, denunciou neste domingo (13) ataques de Israel que feriram membros das forças de paz da Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), em meio à ofensiva contra o Hezbollah no sul do país.

O que aconteceu

Ataque pode constituir crime de guerra, lembra Secretário-Geral. "A equipe da Unifil e suas instalações nunca devem ser alvo de ataques", ressaltou o porta-voz de Guterres, Stéphane Dujarric, referindo-se aos capacetes azuis da organização no Líbano. "Ataques contra as forças de paz violam o direito internacional. Podem constituir um crime de guerra."

Ação israelense foi classificada como "deliberada", e não acidental, pela ONU. "Em um incidente bastante preocupante ocorrido hoje, a porta de entrada de uma posição da ONU foi deliberadamente violada por veículos blindados das Forças de Defesa de Israel", acrescentou o porta-voz.

Cinco soldados da Unifil ficaram feridos na última semana de combates no Líbano. Dujarric pediu a "todas as partes, incluindo as forças de Israel, que evitem toda e qualquer ação que coloque em risco" os soldados da força de paz.

Benjamin Netanyahu negou que a Unifil seja alvo das ações militares de Israel e diz ter "pedido repetidamente que [os capacetes azuis] deixem a zona de combate", mesmo antes do início das operações. O primeiro-ministro israelense afirmou que Israel não está em guerra com o Líbano, mas apenas com a milícia. "Hezbollah usa as posições e dependências da Unifil como fachada enquanto ataca os cidadãos e comunidades israelenses". Netanyahu mandou uma mensagem à Unifil em vídeo dizendo que retire seus membros para longe do "caminho do perigo".

A Unifil não abandonou a fronteira Israel-Líbano. "Foi tomada a decisão de que a Unifil permaneça atualmente em todas as suas posições, apesar dos pedidos das Forças de Defesa de Israel para que abandonem as posições próximas à linha azul", afirmou Jean-Pierre Lacroix, chefe da Unifil, à AFP.

A presença da Unifil no Líbano é uma determinação do Conselho de Segurança desde 1978. De acordo com a resolução 425 do CSNU, apenas os cerca de 9.500 membros das forças de paz, além do exército libanês, podem atuar na região. Em 2000, a Unifil jestabeleceu a "linha azul", uma faixa de 120 quilômetros ao longo do sul do Líbano para garantir a retirada completa das forças israelenses e garantir a autonomia do governo libanês.

Todos os membros do Conselho de Segurança pediram respeito aos capacetes azuis e sua posição no local. Atualmente, além dos membros-permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e EUA), Argélia, Equador, Guiana, Japão, Malta, Moçambique, Coreia do Sul, Serra Leoa, Eslovênia e Suíça possuem assentos no órgão internacional.

Israel prometeu continuar atacando "sem piedade" o Hezbollah em todas as regiões do país, em violação à determinação do Conselho de Segurança que não permite a entrada das forças israelenses na área da linha azul. Em reunião a portas fechadas com o seu gabinete no Palácio do Eliseu na terça (15), o presidente francês Emmanuel Macron afirmou que "o sr. Netanyahu não deve esquecer que seu país foi criado por uma decisão da ONU. Portanto, esta não é a hora de desconsiderar as decisões da ONU". Na crítica relatada por duas fontes anônimas à AFP, Macron se refere à resolução de novembro de 1947 de dividir a Palestina em um Estado judeu e outro árabe.

Também nesta terça (15), Israel formalizou um pedido de extinção da Unifil junto à ONU. O requerimento, assinado pelo ministro de energia Eli Cohen, diz que os capacetes azuis não garantem o cumprimento das resoluções das Nações Unidas e as instalações servem de escudo de proteção aos membros do Hezbollah.

Para Netanyahu, forças de paz são obstáculo para Israel se defender. Governo israelense também considera que a Unifil não cumpriu a resolução 1.701, de 2006, no monitoramento da área a fim de cessar as hostilidades, com apoio do exército regular do Líbano.

Primeira-ministra italiana Georgia Meloni considera decisão de Israel "um grave erro". Ela anunciou na terça (15) que viajará ao Líbano na quinta (17). A Itália tem cidadãos entre membros das forças de paz.

Brasil condenou "veementemente" os ataques de Israel contra a Unifil. "Ataques deliberados contra integrantes de missões de manutenção da paz e instalações da ONU são absolutamente inaceitáveis e constituem grave violação do Direito Internacional, do Direito Internacional Humanitário e das resoluções do Conselho de Segurança da ONU." Em nota, o Itamaraty repudiou "violações sistemáticas" verificadas nos últimos dias e lembrou que militares brasileiros lideraram a força marítima da Unifil entre 2011 e 2021.

O que é crime de guerra?

Um crime de guerra ocorre quando uma das partes que está no conflito ou guerra atinge de forma intencional os direitos e leis internacionais. É caracterizado especialmente pela violação dos direitos humanos. De modo geral, acontece quando uma das partes ataca voluntariamente pessoas e materiais não-militares. Alguns dos atos considerados crimes de guerra são:

  • lançar ataques propositalmente contra civis
  • privar prisioneiros de guerra de julgamento justo
  • torturar prisioneiros de guerra
  • pegar reféns entre a população civil
  • forçar deslocamentos
  • utilizar gás venenoso
  • estupro e agressão sexual

Nem sempre atos como esses foram considerados crimes. Isso ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando as autoridades internacionais se atentaram para exageros cometidos contra a humanidade em momentos de conflito.

Genocídio é um tipo de crime de guerra, considerado mais grave do que o assassinato ilegal de civis, porque configura extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso.

Como esses crimes são julgados?

Denúncia deste tipo de crime é feita ao Tribunal Penal Internacional. Órgão tem como objetivo julgar indivíduos por violações e crimes cometidos em conflitos ao redor do mundo. Ele segue os acordos feitos na Convenção de Genebra (1949), quando foram assinados tratados internacionais para diminuir as consequências das guerras sobre a população civil.

Investigadores analisam as acusações passadas e presentes. Se houver evidências, o promotor-chefe do TPI pedirá que os juízes do TPI emitam mandados de prisão para levar indivíduos a julgamento em Haia, na Holanda.

O tribunal não tem sua própria força policial, então depende de cada Estado para prender os suspeitos. Se um suspeito foge para um país que não assinou o Estatuto de Roma, que criou o TPI, este pode simplesmente se recusar a entregar o indivíduo para as autoridades de Haia.

Leis do direito humanitário internacional têm margem para interpretação. "Políticos invocam a palavra genocídio com outros propósitos, para desencadear uma reação emocional. Segundo a lei, porém, é muito, muito difícil provar esse crime. É preciso se ter intenção genocida, de acordo com a definição pelo Estatuto de Roma e da Convenção sobre o Genocídio de 1948", explicou ao UOL em 2022 a especialista em direito internacional Maria Varaki.

Veja como evoluíram alguns julgamentos de guerra:

Crimes no Afeganistão

Em 2020, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação contra militares dos Estados Unidos por supostos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no Afeganistão. Teriam sido cometidos atos de tortura, tratamento cruel, ultrajes à dignidade pessoal, estupro e violência sexual em 2003 e 2004. As acusações também cobrem os atos do Talibã e das forças de seguranças afegãs.

A investigação foi adiada depois de um pedido das autoridades afegãs para assumir o caso, mas retomadas em 2021.

Outras acusações surgiram em 2020 contra 39 integrantes das forças especiais australianas. Um relatório do próprio país recomenda a punição a dezenove suspeitos pelo assassinato de civis afegãos a sangue frio e a indenização às famílias das vítimas.

Prisão de Abu Ghraib

Em 2003, durante a Guerra do Iraque, os Estados Unidos também foram acusados de cometer crimes de guerra na prisão de Abu Ghraib, a 32 km da capital Bagdá. O local foi palco de torturas, abuso sexual a assassinato.

O governo norte-americano chegou a afirmar que os crimes eram atos isolados, mas o Comitê Internacional da Cruz, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch afirmaram que os atos brutais aconteciam em outros lugares além do Iraque, como no Afeganistão e na Baía de Guantánamo, em Cuba.

Documentos conhecidos como Memorandos de Tortura demonstraram a participação do governo nos crimes. Os Estados Unidos não foram julgados pelos crimes até hoje.

Genocídio em Ruanda

Foi um massacre em massa de pessoas dos grupos étnicos tutsi, twa e de hutus moderados em Ruanda, que ocorreu entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 durante a Guerra Civil de Ruanda. Nesse período, cerca de 800 mil tutsis foram mortos por milícias hutus, sobretudo com o uso de facões.

Não houve nenhum tipo de mobilização internacional para impedir esse massacre, e mesmo as tropas existentes da ONU foram retiradas do país.

Em 1998, a Corte Criminal Internacional para a Ruanda, um tribunal especialmente criado pelas Nações Unidas para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade naquele país, condenou Jean-Paul Akayesu por genocídio e crimes contra a humanidade.

Ele participou e supervisionou o massacre enquanto era prefeito da cidade ruandense de Taba. Foi a primeira condenação por crime de genocídio da história.

Os julgamentos de Nuremberg

Em 1945 e 1946, após o término da Segunda Guerra, alguns dos responsáveis pelo Holocausto foram levados a julgamento em Nuremberg, na Alemanha. Juízes das Forças Aliadas (Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos) presidiram os interrogatórios de 22 dos principais criminosos nazistas. Doze deles receberam pena de morte.

Entre os acusados estavam oficiais do Partido Nazista e militares de alta patente, além de empresários, advogados e médicos que colaboraram ativamente com o projeto nazista.

Ficaram estabelecidas três categorias de crimes:

  • crimes contra a paz - planejamento e engajamento em atividades de guerra que descumprissem acordos internacionais;
  • crimes de guerra - como tratamento impróprio a civis e prisioneiros de guerra;
  • crimes contra a humanidade - assassinato, escravização, deportação e perseguição a civis com base em motivos políticos, religiosos ou raciais.

Muitos outros criminosos nunca foram julgados. Mas os julgamentos de nazistas continuaram acontecendo na Alemanha e em muitos outros países.

*Com informações de matéria publicada em 08/04/2022 e agências internacionais.

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