Groenlândia na mira de Trump: como plano pode encarecer Ozempic e Lego
A disputa dos EUA com a Dinamarca pelo domínio sobre a Groenlândia pode deixar mais caros itens bastante populares nos EUA, como a caneta emagrecedora Ozempic e os brinquedos Lego.
O que aconteceu
Em declarações públicas, o presidente-eleito Donald Trump já deixou claro que pretende anexar a Groenlândia, território autônomo da Dinamarca. A ilha ártica serviria a interesses estratégicos dos EUA.
Na segunda (6), ele ameaçou impor tarifas de importação "em níveis bastante altos" aos produtos dinamarqueses que entrassem nos EUA. A medida seria tomada caso a Dinamarca não concordasse em ceder o território aos EUA.
Dinamarca é apenas um pequeno parceiro comercial dos EUA. O país mandou mais de US$ 11 bilhões em produtos para os EUA em 2023, o que representa apenas uma pequena fatia dos mais de US$ 3 trilhões que entram nos EUA em importações, de acordo com o escritório executivo do presidente dos EUA.
Já a Dinamarca recebeu mais de US$ 5 bilhões em equipamentos industriais, computadores, aeronaves e instrumentos científicos dos EUA naquele mesmo ano. No total, o pequeno país importou cerca de US$ 126,6 bilhões em 2023, segundo a plataforma Statista. Por isso, apesar de exportar para os americanos mais do que o dobro do que importa deles, a Dinamarca é, proporcionalmente, mais dependente da relação comercial do que os EUA.
Mesmo assim, se Trump seguir adiante com seu plano de impor impostos altos aos produtos dinamarqueses, o impacto poderia ser sentido no bolso dos americanos com preços mais altos de itens bastante populares no país, como a caneta emagrecedora Ozempic e o Lego. A medicação que trata obesidade e diabetes tipo 2, assim como seu "concorrente" Wegovy, é fabricada pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk. O Lego Group também é nativo do país escandinavo.
Cerca de metade das exportações recentes da Dinamarca para os EUA são de medicamentos, insulina, vacinas e antibióticos, segundo o Observatório de Complexidade Econômica, uma plataforma online de dados de comércio. O laboratório é responsável por metade do crescimento de empregos no setor privado no país, aponta o jornal The New York Times, mas existe grande demanda pelos seus produtos em outros países também, entre eles o Brasil.
A Novo Nordisk ainda produz parte de suas medicações emagrecedoras dentro dos EUA. É incerto se esta situação se manteria diante de uma guerra comercial ou até militar entre EUA e Dinamarca. Um porta-voz do laboratório afirmou ao jornal americano que a empresa acompanha os fatos, mas não comenta suposições e especulações.
Dinamarca também é o principal fornecedor de aparelhos auditivos para os EUA. Instrumentos médicos, carne de porco, filés de peixes da região, óleo de alcatrão de hulha (utilizado para fabricação de medicamentos e produtos industriais), petróleo e iguarias assadas são outros dos principais produtos enviados pelos dinamarqueses aos americanos, segundo o Observatório.
Os Lego que entram nos EUA são fabricados não só em sua matriz dinamarquesa, como no México, na Hungria, República Tcheca, China, Vietnã e em uma fábrica da empresa no estado americano da Virgínia. Por isso, é mais incerto como o impacto tarifário se daria sobre os produtos da maior fabricante de brinquedos do mundo.
Um porta-voz da Comissão Europeia classificou as ameaças de Trump como "hipotéticas", mas afirmou que os países europeus se prepararam para todas as possíveis consequências de uma presidência de Trump no comércio entre EUA e União Europeia. Jacob Funk Kierkegaard, pesquisador sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional, em Bruxelas (considerada a "capital da UE" por abrigar as sedes do Conselho Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia, além da sede secundária do Parlamento Europeu), afirmou que caso Trump siga adiante com a taxação contra a Dinamarca, ele deverá esperar uma resposta de toda a UE.
Esta ideia de que ele pode pressionar a Dinamarca como um único Estado-membro da UE a oferecer concessões de políticas por ameaçar tarifas vai convidar a retaliação de toda a União Europeia. Jacob Funk Kierkegaard, pesquisador sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional, ao Times.
Trump tarifou diversos países em centenas de bilhões de dólares em seu primeiro mandato. No entanto, ele não levou adiante todos os parceiros comerciais que ameaçou e é incerto se ele vai, de fato, taxar a Dinamarca ou até tomar outras medidas a respeito da Groenlândia.
Groenlândia na mira de Trump
Trump já havia manifestado interesse na Groenlândia em seu primeiro mandato. Em dezembro de 2024, já eleito, ele voltou a chamar a anexação de "necessidade absoluta".
Ele fala em compra do território, embora não descarte ações militares. "Não posso garantir [que não haverá coerção militar ou econômica], mas posso dizer isso: precisamos deles para segurança econômica [dos EUA]", afirmou Trump em entrevista coletiva na terça-feira (7).
Greenland loves America and Trump!!! Incredible people with an equally awesome reception. They just want to be able to utilize some of the incredible resources that they have and allow themselves, their country, and their kids to flourish. pic.twitter.com/7TPz0DACKX
-- Donald Trump Jr. (@DonaldJTrumpJr) January 7, 2025
Donald Trump Jr., filho do mandatário, desembarcou na Groenlândia nesta terça. Na segunda, em uma publicação em sua rede Truth Social, Trump afirmou que o filho iria ao território "com vários representantes" para "visitar algumas das áreas mais magníficas e com as melhores vistas".
Tenho ouvido que o povo da Groenlândia é 'MAGA' [Make America Great Again, slogan de Trump]. A Groenlândia é um lugar incrível e as pessoas se beneficiarão tremendamente se, e quando, se tornar parte da nossa nação. Nós vamos protegê-la e cuidar dela, de um mundo muito perverso lá fora. Torne a Groenlândia Grande Novamente. Trump na rede Truth Social
Trump Jr. realiza uma espécie de campanha de opinião nas redes durante a visita. Ele postou imagens de um cidadão local usando um boné MAGA e pedindo ao seu pai que compre a Groenlândia para libertá-la do "domínio colonial dinamarquês".
O que diz o governo dinamarquês?
Groenlândia não está à venda, diz a Dinamarca. Apesar de o território ser autônomo, a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen chamou a ideia de Trump de anexar a Groenlândia de "absurda". No entanto, seu governo tem preferido observar o xadrez geopolítico no momento, em vez de tomar posições mais firmes em relação aos EUA.
Greenland coming in hot? well, actually, really really cold!!!! pic.twitter.com/IhLKVOfYVM
-- Donald Trump Jr. (@DonaldJTrumpJr) January 7, 2025
Já o primeiro-ministro da Groenlândia, Múte Egede, reforçou o desejo de independência da região. Antes da coletiva de Trump na terça, Egede postou no Facebook a seguinte mensagem: "Deixe-me repetir: a Groenlândia pertence ao povo da Groenlândia. Nosso futuro e nossa luta pela independência [da Dinamarca] é problema nosso". Em dezembro de 2024, ele já havia garantido que a Groenlândia nunca estará à venda.
[Dinamarca e EUA] têm direito às opiniões deles, mas não devemos deixar pressões externas nos distrair de nosso caminho [de independência]. Múte Egede, primeiro-ministro da Groenlândia
A parlamentar Aaja Chemnitz garantiu que, apesar de a população da Groenlândia poder ter algum interesse em Trump, isso não quer dizer que eles queiram ser cidadãos americanos. "A Groenlândia não é MAGA. A Groenlândia não será MAGA. Acho que a maioria na Groenlândia acha assustador, na verdade, e muito desconfortável que haja tanto foco [no território] e que os EUA de uma maneira verdadeiramente desrespeitosa estejam demonstrando que querem comprar ou controlar a Groenlândia, porque não é o que a população quer", garantiu à rede CNN.
A Groenlândia é habitada pelo povo indígena inuit, popularmente conhecidos como esquimós, e possui cerca de 56 mil habitantes. Ela foi colonizada no século 18 pela Noruega e a Dinamarca. Após a Segunda Guerra, a Groenlândia deixou oficialmente de ser uma colônia, conquistando a autonomia em 1979, mas mulheres da ilha foram submetidas a controle obrigatório de natalidade e tiveram filhos raptados e levados para a Dinamarca. Os horrores daquele período são a base do desejo de independência da ilha.
2 comentários
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Vivaldi de Oliveira Filho
Como que se não bastasse o Putin.
Ronald Mely
Caramba, vai ser um rombo na balança comercial!