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Governo sírio afirma que refugiados estão livres para voltar ao país

Crianças sírias no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia. Aproximadamente 25 mil sírios cruzaram a fronteira na região de Daraa, berço da revolta na Síria, para viver no acampamento - Moises Saman/The New York Times
Crianças sírias no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia. Aproximadamente 25 mil sírios cruzaram a fronteira na região de Daraa, berço da revolta na Síria, para viver no acampamento Imagem: Moises Saman/The New York Times

David D. Kirkpatrick

Em Beirute (Líbano)

05/09/2012 06h01

Um importante porta-voz do governo da Síria declarou na segunda-feira (3) que os refugiados que estão fugindo pelas fronteiras são bem-vindos a voltar “a qualquer momento”, zombou dos presidentes do Egito e da Turquia por suas condenações e chamou a oposição armada de inapta para negociações.

O porta-voz e ministro da Informação, Omran al Zoebi, realizou uma coletiva de imprensa televisionada incomum, que parecia responder às críticas internacionais à Síria pela crescente crise de refugiados em suas fronteiras e pelo aumento do número de mortos em casa.

Ele falou após o fim da semana e o mês com maior número de mortos nos 18 meses de levante, em que o governo do presidente Bashar Assad usou sua força aérea para realizar ataques contra apoiadores da oposição em várias áreas ao mesmo tempo. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimou o número de mortos na semana passada em 1.600. Um grupo de oposição sírio disse que até 5 mil foram mortos em agosto, mais de um quinto dos mais de 23 mil mortos ao longo do último ano e meio.

Evidentemente preocupado pelas críticas internacionais ao governo Assad estarem penetrando o suficiente na Síria para influenciar aqueles ainda à margem da disputa, Al Zoebi direcionou seus comentários mais cáusticos a Mohammed Morsi, um islamita celebrado por toda a região como o primeiro presidente do Egito eleito democraticamente.

Em sua primeira viagem importante ao exterior, Morsi usou sua visita na semana passada ao apoiador regional da Síria, o Irã, para acusar o governo Assad por sua repressão sangrenta ao que Morsi chamou de movimento pró-democracia legítimo. Seu discurso cativou o mundo árabe.

Ao preço de divulgar as críticas de Morsi pela televisão estatal síria, Al Zoebi acusou o novo presidente egípcio de ser um fantoche dos Estados Unidos e de Israel, não diferente do homem forte que ele substituiu, Hosni Mubarak.

“A barba é a única diferença”, disse Al Zoebi.

Dentro da Síria, há relatos de que a violência está se espalhando por bairros da capital, Damasco, até então considerados relativamente neutros.

A terceira bomba em menos de uma semana explodiu no bairro suburbano de Jaramana, que é habitado principalmente por membros das minorias cristã e drusa. A explosão matou pelo menos cinco pessoas e feriu dezenas de outras. Testemunhas disseram que três viaturas do corpo de bombeiros e várias ambulâncias compareceram ao local.

Pelo menos dois drusos, uma mulher cristã e seu filho pequeno morreram, disseram pessoas no hospital local.

Na última terça-feira, um carro-bomba no mesmo bairro matou dois drusos que alguns moradores disseram pertencer aos grupos paramilitares pró-Assad conhecidos como shabiha, apesar da afiliação deles não ter sido confirmada. Na noite seguinte, uma bomba explodiu no funeral dos dois homens, matando mais de uma dúzia de pessoas e ferindo cerca de outras 50.

Após a explosão de segunda-feira, ativistas e moradores trocaram teorias sobre a possibilidade de que membros da oposição armada, uma aliança livre conhecida como Exército Livre da Síria, estavam atacando os drusos e cristãos por seu suposto apoio ao governo Assad. Outros disseram que as forças de Assad estavam plantando as bombas visando desacreditar a oposição e atrair os drusos e cristãos para a luta, ao lado do presidente.

Ambos os grupos permaneciam em grande parte fora do conflito, que coloca principalmente a maioria muçulmana sunita contra os membros da minoria alauita de Assad, que domina as forças armadas. Um morador de 50 anos de Jaramana que disse se chamar Abu Fadi, avaliando ambas as teorias, disse: “O governo quer que lutemos contra os sunitas, e os sunitas querem que lutemos contra o regime”.


Mahed, um druso de 40 anos que trabalha para o governo e mora na rua onde a bomba explodiu, disse sobre seus vizinhos cristãos e drusos: “Nós não participamos de qualquer atividade anti-Assad. Nós queremos viver em paz. Mas sinto que estamos envolvidos na guerra do país”.

Se a situação se deteriorar, disse Mahed, ele fugirá para sua cidade natal, em uma área drusa no sul da Síria, porque “Jaramana será um campo de batalha entre muitas seitas, além da guerra entre as forças do governo e os grupos armados”.

Na cidade de Homs –sitiada pelas forças de Assad há mais de 70 dias– os combatentes que buscam a queda de Assad alegaram ter retomado um hospital nacional. Os rebeldes forneceram um vídeo mostrando um longo túnel que cavaram para plantar explosivos sob o hospital; uma explosão que enviou uma enorme nuvem de fumaça sobre a cidade; e combatentes agachados se movendo na direção do prédio, em meio ao som de disparos. Outro ativista descreveu os mesmos eventos de modo independente.

Testemunhas disseram que a força aérea de Assad atacou as posições dos rebeldes em Al Bab, um subúrbio de Aleppo, outro campo de batalha urbano. Pelo menos 25 pessoas morreram no desmoronamento de um prédio atingido, disseram testemunhas. O ataque dá continuidade a uma campanha aérea que ganhou força em várias áreas do país nas duas últimas semanas.

Vídeos distribuídos por ativistas e outras imagens transmitidas pela televisão por satélite pareciam mostrar corpos de pessoas mortas, incluindo os de crianças pequenas, sendo retirados dos escombros.

O Observatório Sírio de Direitos Humanos, um grupo baseado no Reino Unido, estimou que mais de 100 pessoas foram mortas nesse ataque e em outros por todo o país na segunda-feira, o tornando um dia apenas moderadamente mortal na guerra civil síria.

Em sua coletiva de imprensa, Al Zoebi, o ministro da Informação, disse que o governo Assad negociaria apenas com o que chamou de “oposição nacional”. Mas ele descartou qualquer negociação com os principais grupos de oposição, armados ou desarmados, que ele retratou repetidamente como agentes estrangeiros.



Al Zoebi parecia determinado a refutar os relatos de que a repressão pelo governo Assad, e especialmente seus ataques aéreos, estavam forçando centenas de milhares de sírios a fugirem para cidades desoladas de tendas armadas para os refugiados na Turquia, Jordânia e Líbano, uma crescente crise humanitária que alarma a região.

O ministro da Informação disse que os refugiados “não precisam de permissão” para retornar.

“Eles podem voltar para seus lares e suas famílias”, ele disse. “Não há nada que os impeça.”

Ele acrescentou: “O governo sírio não expulsará ninguém e nunca o fará. O governo nunca aceitará que alguém tenha que viver em uma tenda fora do país”.

Mas ele acrescentou um qualificador que pode desencorajar o retorno dos apoiadores da oposição armada: “A menos que alguns deles estejam envolvidos em crimes”.

“Eu estou falando sobre famílias e crianças”, ele disse em uma referência aos refugiados mais bem-vindos.

Al Zoebi fez questão de alertar contra a entrada de jornalistas estrangeiros na Síria sem autorização. Alguns repórteres que fizeram isso para cobrir o conflito morreram na Síria, incluindo Anthony Shadid, do “The New York Times”, e Marie Colvin, do “Sunday Times” de Londres. Outro jornalista americano, Austin Tice, 31 anos, está desaparecido na Síria desde meados de agosto.

“Um repórter que entra ilegalmente está cometendo dois erros, violando a lei e indo além dos limites de sua profissão”, ele disse.


Hwaida Saad, em Beirute, e um funcionário sírio do “The New York Times”, em Damasco (Síria), contribuíram com reportagem.