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"Quase morri várias vezes; saí de lá procurando minha vida", diz sírio que vive no Brasil

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

27/08/2012 10h00

Jehad Mohammed, 32, é sírio naturalizado brasileiro. Voltou há três meses de seu país natal, para onde tinha retornado com mulher e filho brasileiros, em 2008, acreditando que a situação econômica por lá estaria menos atribulada do que quando saiu para trabalhar com o tio, em São Paulo, no ano de 2002.

Jehad hoje vive na capital paulista com a família --sua filha mais nova, de dois anos e meio, é síria –e conta com a ajuda de membros da comunidade síria, na cidade, que prestam apoio a refugiados. Agora, diz que não quer mais voltar --só espera que familiares que ficaram também possam garantir o visto brasileiro.

Tarek Masarani, 34, também é sírio naturalizado brasileiro, com mulher e filhos brasileiros. Ele se considera um próspero comerciante da região do Bom Retiro, reduto histórico de imigrantes na região central de São Paulo, e tem uma vida relativamente tranquila: casa, loja, chácara e carro no Brasil, casa, chácara e carro em Homs, uma das cidades mais devastadas no conflito sírio.

Mas basta o comerciante começar a ver imagens de bairros destruídos na cidade natal, em vídeos na internet, para a aparente calma sair de cena. Primeiro um murro na mesa, seguido de um “covardes!” e, por fim, o desabafo: “Não consigo falar com minhas duas irmãs há 45 dias. Não sei se estão mortas ou vivas, é desesperador”, conta ele, que já conseguiu trazer boa parte da família para o Brasil.

O UOL conversou com Jehad e Tarek em São Paulo na última semana. Entre a ansiedade pelo reencontro com familiares e a revolta pela violência que tem destruído o lugar onde nasceram, eles deram os depoimentos que seguem abaixo.

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Tarek Masarani, 34

“Moro há 12 anos no Brasil. Vim sozinho, mas meus irmãos já estavam aqui. Vieram porque faltava emprego na Síria. Vim como visita, mas acabei trabalhando e fiquei. Estamos em cinco aqui.

Eu e minha mulher íamos todo ano pra lá, passávamos quatro, até seis meses em férias. Da última vez, ano passado, chegamos em janeiro, mas só conseguimos sair em outubro porque os conflitos já tinham começado.

Queríamos montar um lava-rápido, mas as coisas lá só funcionam com pagamento de suborno. Quando as manifestações começaram foi muito ruim, quase morri várias vezes. Fui para as ruas com amigos, parentes e vizinhos e íamos com pedras; o Exército atirava.

Retirei um conhecido meu, ferido pelos militares, e meu carro levou 11 tiros. Onze tiros. Tinha uma chácara lá, que está no chão, atingida por bombas. A farmácia de um dos meus cunhados também. Meu cunhado, que é médico, não tem onde trabalhar.

Não tenho notícias de duas irmãs minhas já faz 45 dias. Minha mãe não tinha diabetes, agora tem e a pressão sobe, de preocupação. A embaixada brasileira em Damasco fechou; ninguém consegue andar tranquilamente na rua, o presidente não é popular e não quer sair do poder e a Síria está fora da área de interesse do mundo: como vamos exportar ou importar algo? Como lidar com tanto desemprego?

No Brasil eu posso trabalhar, montar o serviço que eu quiser, é um regime democrático. Lá, eu não posso falar ‘não’ e não podíamos sequer nos reunir na rua, que o Exército achava que estávamos planejando algo.

Aqui eu trabalho e ando de cabeça erguida, pagando meus impostos. Saí de lá procurando minha vida, mas ainda sonho com a democracia do meu povo, não deixei de ser um deles”

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Jehad Mohammed, 32

“Vim para o Brasil em 2002. Meu tio morava aqui, abrimos uma loja, conheci minha mulher, nos casamos. Ficamos aqui uns dois anos e fomos pra Homs, até que começaram os ataques.

Conheci muitos brasileiros que moravam lá, mas que começaram a sair. Com os mísseis, o sistema de energia e de água acabou. Os piores dias nossos foram os sete primeiros, quando eu e meus familiares tivemos de ficar em uma ala subterrânea para não morrermos.

Até hoje minha filha mais nova tem traumas desses dias. Não pode ouvir barulho de fogos, por exemplo, que começa a chorar –quando o Corinthians ganhou a [Copa] Libertadores, mês passado, foi complicado pelo barulho todo...

Antes disso, enterramos pelo menos umas 20 pessoas. E nosso medo não era de míssil, mas de o Exército entrar em casa e saquear –nosso prédio tinha três andares, ficou um, mas sem máquina de lavar, TV, aparelho de som. Foi tudo.

O bairro católico do Al Hamidya foi todo destruído. O nosso, onde havíamos feito manifestações pedindo nossos direitos, foi todo cercado --só conseguimos fugir porque homens do Exército Livre [rebeldes] nos ajudaram a escapar para Damasco pelo mesmo caminho por onde jornalistas estrangeiros escaparam.

Dormimos na embaixada brasileira, que providenciou a retirada da minha mulher e dos meus filhos. Eu tive que pagar minha passagem para sair.

Torço para que o governo brasileiro feche o consulado sírio aqui e se posicione no Conselho da ONU contra esse regime. Não é possível que não se posicionem... a presidente Dilma sabe o que é tortura, sabe o que é uma ditadura.

Agora esperamos que nossos parentes possam sair de lá, e que outros brasileiros que ficaram consigam sair. Quando conseguimos falar com alguém que ficou, é por causa de chip [de telefone] clandestino que levam do Líbano ou da Turquia; as linhas sírias são monitoradas. Mas sem a embaixada brasileira funcionando, não sabemos como vai ser.”

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Itamaraty nega fechamento de embaixada em Damasco

A assessoria de imprensa do Itamaraty informou que a embaixada do Brasil em Damasco “não foi fechada, mas atua agora sem diplomatas, só com funcionários de lá. Os diplomatas estão em Beirute”.

Ainda conforme o órgão, desde o começo do conflito, em março do ano passado, foram concedidos 811 vistos a sírios que quiseram vir ao Brasil --391 de março a dezembro de 2011, e 420 de janeiro a agosto deste ano .

Sobre o número de brasileiros na Síria, o Itamaraty informou: “O departamento consular indicou que é muito difícil precisar quantos são, porque muitos não precisaram dar nenhum tipo de informação à embaixada para sair a países vizinhos”.

O Itamaraty informou ainda que, nos próximos dias, uma brasileira com dois filhos atualmente alojados em Beirute, saídos da Síria, solicitaram repatriação à custa do Estado brasileiro e deverão ser trazidos de volta.

No último dia 16, o Itamaraty anunciou que o governo doará US$ 120 mil (cerca de R$ 242 mil) ao Acnur (órgão das Nações Unidas para refugiados), em apoio aos refugiados sírios no Líbano. A medida segue os "esforços brasileiros para minimizar os efeitos humanitários da crise na Síria", de acordo com o comunicado.

Em debate no Conselho de Segurança da ONU, em julho, a embaixadora do Brasil, Maria Luiza Ribeiro Viotti afirmou que uma solução negociada e uma transição política encabeçada pelos sírios é "a melhor --para não dizer a única-- possibilidade de evitar o aprofundamento do ciclo de destruição que poderá apenas causar mais sofrimento à população síria".