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Poder de bilionários se sobressai à força dos partidos americanos

Material de campanha do candidato republicano Mitt Romney e seu vice, Paul Ryan, inclui livros e revistas, deixados de porta em porta em Manchester, no Estado de New Hampshire, nordeste dos EUA - Jessica Rinaldi/Reuters
Material de campanha do candidato republicano Mitt Romney e seu vice, Paul Ryan, inclui livros e revistas, deixados de porta em porta em Manchester, no Estado de New Hampshire, nordeste dos EUA Imagem: Jessica Rinaldi/Reuters

Thomas B. Edsall

31/10/2012 06h00

Se existe uma regra aproximada regendo a regulação do financiamento de campanha, ou à falta de uma, é a de que as consequências de qualquer mudança no sistema são imprevisíveis.

Em 2002, quando o Congresso aprovou a lei McCain-Feingold proibindo as grandes contribuições de “soft money” de empresas, sindicatos e ricos para os partidos políticos, muitos observadores presumiram que os democratas sofreriam mais. O partido nunca cultivou plenamente a base de pequeno doador e era consistentemente mais dependente de megacontribuições do que o Partido Republicano.

Em menos de dois anos, essa suposição provou ser equivocada. Primeiro, na eleição de 2004, um grande número de pequenos doadores forneceu seu número do cartão de crédito à campanha democrata de John Kerry, e este conseguiu acompanhar o ritmo do presidente George W. Bush dólar a dólar. Quatro anos depois, o afluxo de dinheiro para Barack Obama deixou o senador John McCain muito para trás. A internet, e com ela a habilidade de campanhas para contatar de modo barato milhões de doadores potenciais, transformou permanentemente a arrecadação de fundos.

Em 2010, a lei de financiamento de campanha foi virada de cabeça para baixo. A decisão da Suprema Corte em "Cidadãos Unidos contra Comissão Eleitoral Federal", e decisões de tribunais de apelação como "Liberdade de Expressão Já contra CEF", abriram a porta para contribuições ilimitadas para comitês de ação política, conhecidos como super PACs e tecnicamente independentes, por parte de empresas, sindicatos e indivíduos.

O resultado tem sido uma série atordoante de PACs, 501(c)4s e 501(c)6s que mesmo os profissionais mal conseguem acompanhar. A atual multiplicidade e multidirecionalidade da "reforma" sobrecarrega tanto as pessoas quanto os partidos.

A visão virtualmente unânime ao longo de quatro décadas de regulação revisada era de que o Partido Republicano e seus candidatos seriam os principais beneficiados, e, até o momento, essa é a verdade.

Dados do Centro para Políticas Responsáveis mostram que os gastos externos penderam para a esquerda em cada ano de 2000 a 2008, mas que em 2010 -após a desregulamentação- a balança pendeu decisivamente para a direita. No atual ciclo eleitoral de 2011-2012, ela pendeu esmagadoramente para a direita.

A movimentação para a direita de quase meio bilhão de dólares apenas neste ciclo não é, entretanto, o ouro puro que os analistas de ambos os lados esperavam.

Apesar do crescimento rápido de competidores bem financiados e autônomos ameaçar toda a estrutura de poder existente, grande parte dos custos provavelmente recairá sobre o Partido Republicano. A extrema direita do partido tem mais potencial de perturbação do que a extrema esquerda do Partido Democrata, por estar mais propensa ao extremismo: veja, por exemplo, os outdoors mostrando Obama se curvando diante de um xeque árabe.

Além disso, há diferenças estruturais e históricas entre os partidos: o Partido Republicano e o establishment conservador são institucionalmente mais fortes do que o Partido Democrata, com uma infraestrutura que serviu como baluarte ao longo dos anos 60 e 70, quando os republicanos pareciam ser uma minoria permanente no Congresso.

Os republicanos preferem organizações hierárquicas, bem ordenadas. Os democratas, apesar da disciplina dos esforços de campanha individuais, tende mais para a anarquia do que para a hierarquia. Historicamente, um resultado dessa diferença partidária é o establishment republicano administrar mais rigidamente a seleção do candidato presidencial. Com extraordinária consistência, o partido esmaga os candidatos insurgentes e seleciona o próximo da fila.

O establishment republicano conta com um arsenal pleno de armas ao seu dispor, incluindo endossos, discursos em encontros chave e um processo de sinalização que mostra quem foi abençoado pela liderança.

A arma mais poderosa de todas sempre foi a supervisão exercida pelos líderes do partido sobre o fluxo de dinheiro para os candidatos. A cada quatro anos, quando o processo de indicação tem início, líderes empresariais, associações setoriais de inclinação republicana e importantes escritórios de advocacia corporativa lentamente formam um consenso em torno de um candidato preferido.

O establishment ceifa os insurgentes incluindo os candidatos da direita social -Pat Buchanan e Gary Bauer- e candidatos da direita econômica, como o ex-deputado Jack Kemp. Nenhum desses forasteiros ascendeu além do status marginal.

Compare essa história do domínio autoritário ininterrupto à disputa pela indicação republicana de 2012.

Liberados pela "Cidadãos Unidos", um punhado de bilionários renegados tornou a vida miserável para Mitt Romney, o candidato do establishment. Mais importante, foi preciso apenas quatro homens -Sheldon Adelson, o magnata de cassinos de Las Vegas e Macau; Harold Simmons, um especialista em aquisição de controle acionário de Dallas; Foster Friess, um cristão conservador e um investidor bem-sucedido; e William Dore, um presidente-executivo de uma companhia de energia da Louisiana- para atordoar os líderes políticos tradicionais durante os primeiros quatro meses de 2012.

Os milhões de dólares que esses homens colocaram em super PACs associados a dois candidatos marginais, Newt Gingrich e o ex-senador Rick Santorum da Pensilvânia, transformaram as primárias em uma disputa aberta, dando voz plena às alas mais extremas do partido.

Os bilionários recém-empoderados estão posicionados para desafiar o Partido Republicano em seu momento de maior vulnerabilidade, durante as primárias. As três principais organizações do partido -o Comitê Nacional Republicano, o Comitê Legislativo e o Comitê Sanatorial não podem, exceto em circunstâncias incomuns, intervir nas primárias.

Esses novos agentes, juntamente com seus super PACs, minam a influência dos partidos de outra forma crucial. Antes da "Cidadãos Unidos", os três principais comitês do Partido Republicano exerciam poder porque sua proeminência financeira lhes dava a palavra final na concessão de contratos para analistas de pesquisas, empresas de mala direta e consultores de mídia.

A ascensão dos super PACs cria uma fonte separada e totalmente independente de contratos para a comunidade dos profissionais da política. Os super PACs e outros grupos independentes já arrecadam mais do que qualquer outro comitê de partido político e quase tanto quanto os comitês dos partidos Republicano e Democrata arrecadam no total.

A esta altura você já pode estar se perguntando: quem se importa com os partidos políticos? Eles não são apenas agentes do status quo em um momento em que pensamento inovador é necessário? Será que a diminuição do seu papel não reduziria a polarização?

Pode haver alguma verdade nisso e talvez os benefícios superem os custos. Por outro lado, a diminuição dos partidos significa que as instituições com a meta de conquistar uma maioria seriam enfraquecidas. Quando os partidos são influentes, eles podem ajudar alguns candidatos e detentores de cargos a não extrapolarem ideologicamente. A ascensão dos super PACs financiados de forma independente dá voz a essas pessoas com posições mais extremistas.

Previsões são notoriamente perigosas. Se os partidos forem eviscerados, o sistema político poderia se ajustar e recuperar a vitalidade. Mas eu duvido. Apesar de suas falhas, partidos políticos fortes são importantes para um sistema político saudável. A substituição dos partidos por homens superricos determinados a exercer seu poder financeiro é outro passo gigante para longe da democracia.

 * Thomas B. Edsall é professor de jornalismo da Universidade de Colúmbia e autor do livro "The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics", que foi publicado neste ano.