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Crescem pedidos na ONU para que Conselho de Segurança cumpra seu papel: manter a paz

Somini Sengupta

24/10/2015 06h00

Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), não é conhecido por repreender os representantes das nações mais poderosas da Terra.

Mas em um almoço recente, enquanto salada era servida em uma sala de jantar privada em frente à sede da ONU, Ban passou um sermão nos membros do Conselho de Segurança sobre a inação deles diante da disseminação do caos em Jerusalém. “Vocês não estão fazendo nada”, um diplomata lembrou de ter ouvido ele dizer. “Vocês precisam consertar a forma como atuam.”

Ele não é o único que está frustrado.

O Conselho de Segurança da ONU, que celebrou seu 70º aniversário na sexta-feira (23), está sob crescente pressão dos demais membros da ONU, de grupos da sociedade civil, ex-autoridades da organização e até mesmo de alguns membros do próprio Conselho para fazer o que supostamente deveria fazer: manter a paz e a segurança no mundo.

Há pedidos para que os membros do Conselho de Segurança se abstenham de empregar vetos diante de atrocidades em massa. Há pedidos para que o Conselho faça mais para prevenir conflitos, em vez de enviar forças de paz para lugares onde não há paz para ser mantida. E há crescente revolta com a forma como os membros permanentes fazem acordos nos bastidores para escolha do secretário-geral que conduzirá a organização; neste ano, a Assembleia Geral adotou pela primeira vez uma resolução exigindo que o Conselho torne esse processo mais aberto.

A frustração é direcionada aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, o P5, como são chamados: China, França, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos, todos vitoriosos na Segunda Guerra Mundial. Ela visa não apenas fazer com que o Conselho reflita mais o mundo atual –há anos Alemanha, Brasil, Índia e Japão agitam sem sucesso por cadeiras permanentes com poder de veto– mas também para fazer com que seus membros atuem à altura de seu mandato.

O sistema da ONU como um todo está sob escrutínio neste ano, devido às crescentes alegações de abuso sexual por tropas das forças de paz em campo e acusações de um esquema descarado de propina envolvendo diplomatas na sede da organização. Mas é o Conselho, o braço mais poderoso do sistema, que está sob críticas incomumente fortes.

David Malone, um diplomata canadense veterano e atual reitor da Universidade das Nações Unidas, a chama de “uma crise de relevância”. O Conselho de Segurança se mostrou incapaz de colocar um fim ao conflito na Síria por cinco anos e está à deriva diante da guerra civil no Sudão do Sul. Ele permanece em grande parte em silêncio diante do que poderiam ser crimes contra a humanidade no Iêmen, enquanto uma coalizão liderada pelos sauditas, com apoio dos Estados Unidos, realiza uma campanha contra os rebeldes houthis que também matou centenas de civis. E foi incapaz de deter a tomada russa de território ucraniano; até mesmo a criação de um tribunal para processar os responsáveis pelo abate de um avião de passageiros malasiano no leste da Ucrânia foi vetada –pela Rússia.

Vários diplomatas do Conselho –e Ban– estão cada vez mais exasperados pela incapacidade do Conselho de Segurança de resolver a crise entre israelenses e palestinos. Os Estados Unidos têm vetado repetidamente medidas para lidar com o conflito. Eles ajudaram a derrotar um esforço liderado pelos franceses para estabelecimento de um prazo para a criação de um Estado palestino.

Na quinta-feira (22), como uma medida de sua frustração com a inação do Conselho, a Nova Zelândia, que há muito tempo evita o atoleiro no Oriente Médio, disse que pretende apresentar uma minuta de resolução que pediria pelo fim da violência mais recente e pressionaria os dois lados a retornarem a negociações diretas dentro de um prazo estabelecido.

A Nova Zelândia é atualmente um dos 10 membros não permanentes do grupo. “Este Conselho deve assumir a responsabilidade pelo fracasso de um processo diplomático e político”, disse o ministro das Relações Exteriores da Nova Zelândia, Murray McCully, na quinta-feira, “e agir para resolvê-lo”.

Gro Harlem Brundtland, o ex-primeiro-ministro norueguês, falando recentemente sobre as propostas de reforma do Conselho de Segurança, cunhou um novo termo para o que o Conselho de Segurança passa grande parte de seu tempo fazendo: “pontificalia”.

“Há uma maior pressão sobre o Conselho para que atue melhor”, disse Christian Wenaweser, o embaixador de Liechtenstein na ONU, que está promovendo um código de conduta voluntário para todos os países, incluindo aqueles que possam algum dia se juntar ao Conselho. “O Conselho não consegue tratar das situações de crise que temos há algum tempo.”

Entre as promessas no código de conduta, estão a de não vetar ou votar contra uma medida que previna ou impeça crimes contra a humanidade. Ele conta com o apoio de quase 100 dos 193 países que pertencem à Assembleia Geral. Os Estados Unidos não estão entre eles; em um recente evento patrocinado pelo grupo, um diplomata americano disse que, na prática, não faz uso de poder de veto em caso de crimes sérios, disseram diplomatas presentes no encontro.

A França buscou persuadir os demais membros do P5 a se absterem voluntariamente de uso de veto em situações onde atrocidades em massa são cometidas. Apenas o Reino Unido aceitou essa proposta. China, Rússia e Estados Unidos não.

De 1946 a 2013, Rússia e Estados Unidos disputaram cabeça a cabeça o número de vetos: 81 pela Rússia (e antes pela União Soviética) e 77 pelos Estados Unidos, segundo uma análise de um relatório do Conselho de Segurança. A China fez uso dele apenas nove vezes, apesar da ameaça de um veto chinês, disseram diplomatas, ter impedido o Conselho de exigir uma prestação de contas pelos abusos de direitos humanos que a Coreia do Norte, uma ferrenha aliada da China, é acusada de cometer.

O Conselho de Segurança permanece singularmente poderoso. Ele pode autorizar ação militar, levar países ao tribunal de crimes de guerra, impor sanções a países e indivíduos. E em comparação às suas primeiras décadas, grande parte de suas resoluções estão sob o capítulo 7º da Carta da ONU, o que significa que são vinculantes. Se o Conselho é eficaz é outro assunto.

Malone disse que o Conselho está “cada vez mais esclerosado” na forma como atua.

Em um novo livro de ensaios que ajudou a editar, Malone disse que os membros permanentes “estão sendo criticados cada vez mais fortemente pelos membros em geral e se fechando em círculo em torno de seus próprios privilégios, alguns presentes na Carta da ONU, outros inventados por meio da prática ao longo dos anos”.

O que irrita em especial os membros da ONU é a forma como os membros permanentes do Conselho fazem acordos secretos a respeito da escolha do secretário-geral. A seleção deles com frequência se baseia na premissa tácita de que são palatáveis para as potências mundiais.

Agora, com a escolha de um novo secretário-geral no ano que vem, o P5 enfrenta pressão para abrir o processo. Ele também enfrenta pedidos crescentes para nomear uma mulher ao cargo, com uma resolução da Assembleia Geral que pede que o Conselho convide os países a indicarem formalmente candidatos e para que esses candidatos digam como liderarão a organização.

“O ônus agora é do Conselho para agir rápido”, disse a embaixadora da Austrália, Gillian Bird, ao Conselho em uma sessão dedicada aos seus métodos de trabalho nesta semana.

A Índia foi além, sugerindo que o Conselho submeta pelo menos dois candidatos potenciais à Assembleia Geral, em vez de apresentar como de costume um único nome para ser confirmado.

A Rússia deixou claro que não tem pressa em mudar o processo de indicação. “Não acho que há nenhum valor prático nisso, exceto marcar pontos”, disse seu representante, Vitaly I. Churkin. Ele alertou contra “se deixar levar pelo populismo”.

No almoço em meados de outubro, Ban confrontou os membros do Conselho uma segunda vez, enquanto o café era servido.

Um segundo diplomata no almoço disse que a reação de Ban refletia a frustração com a crescente paralisia do Conselho. “Acho que o secretário-geral está certo em nos pressionar a cumprir nossa responsabilidade”, disse o diplomata. “Não acho que podemos nos cobrir de glória.” Ambos os diplomatas no almoço pediram anonimato por revelar o que foi discutido em uma reunião fechada.

Ambos disseram que não houve muita resposta.

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AFP