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Proibidos de seguir para o norte, milhares de imigrantes 'encalham' na Grécia

Soldados macedônios reforçam cerca ao longo da fronteira com a Grécia  - Mauricio Lima/The New York Times
Soldados macedônios reforçam cerca ao longo da fronteira com a Grécia Imagem: Mauricio Lima/The New York Times

Suzanne Daley

Em Idomeni (Grécia)

14/12/2015 06h00

A triagem foi dura nas últimas semanas ao longo da cerca de arame farpado que separa a Grécia da Macedônia.

“Só sírios, iraquianos e afegãos!”, gritava um policial grego recentemente, olhando para as famílias esfarrapadas que chegavam ao acampamento transitório, uma das muitas portas de entrada para as pessoas que fogem de conflitos, da perseguição e da pobreza em busca de vidas melhores na Europa.

O restante --iranianos, iemenitas, ugandeses, marroquinos, argelinos, paquistaneses, somalis, congoleses e muitos outros-- fica olhando com raiva e desespero.

O posto de fronteira aqui funcionou bem por meses, como um funil eficiente para dezenas de milhares de pessoas que conseguiram chegar ao Egeu e ao Mediterrâneo em seu caminho para a Alemanha e outros lugares. Em grupos ordenados de 50, elas eram levadas à Macedônia e depois pegavam trens rumo ao norte.

Mas a porta da Europa, que parecia estar aberta para todos no verão, vem silenciosamente se fechando para muitos deles, sem muito alarde ou explicação e apesar das objeções da Grécia. A ideia é diminuir o fluxo de pessoas --quase um milhão chegou a Alemanha este ano-- e filtrar aquelas que não se qualificam como refugiados de guerra.

Desde que a nova política entrou em vigor no mês passado, milhares de imigrantes, incapazes de avançar e sem querer voltar, têm vivido nos acampamentos da região, em tendas improvisadas, com roupas secando ao redor. Eles têm se amontoado em volta de fogueiras para se manter aquecidos, dizendo, para quem quiser ouvir, que eles também devem ter autorização para ir ao norte.

Depois de confrontos entre a polícia e os imigrantes, e em meio a preocupações de que o acampamento estava bloqueando o tráfego ferroviário na fronteira, as autoridades gregas enviaram forças para desmontar o acampamento na última quarta-feira (9). Elas exigiram que os jornalistas e trabalhadores humanitários deixassem o local, e começaram a guiar centenas de imigrantes para ônibus que os levariam a Atenas, onde serão alojados enquanto o governo decide o que fazer com eles. Num comunicado à imprensa, a polícia grega disse que cerca de 2.300 imigrantes tinham sido transferidos para acomodações temporárias em Atenas. A maioria vem do Paquistão, Somália, Marrocos, Argélia e Bangladesh, disse o comunicado.

A polícia grega também está tentando impedir um novo acúmulo de imigrantes ao longo da fronteira com a Macedônia, interceptando-os assim que entram no país e enviando para Atenas todos aqueles que não são sírios, iraquianos ou afegãos.

Aqueles que agora encontram o caminho bloqueado dizem que há pouca ou nenhuma diferença entre os países de onde vieram e a Síria, o Iraque e o Afeganistão.

“Temos uma guerra no Iêmen”, disse Waled al-Shaibani, 20, que estava na fronteira há dez dias vivendo num vagão de carga vazio na ferrovia. “Estamos sendo bombardeados pela Arábia Saudita. Por que isso é diferente?”

Mas os guardas na fronteira apenas o empurraram, ele contou.

Os Médicos Sem Fronteiras, o grupo de ajuda humanitária que administra o acampamento, disse que não recebeu nenhum aviso antes de a Macedônia começar a enviar de volta aqueles que não eram do Iraque, da Síria ou do Afeganistão.

“Um dia, sem mais nem menos, a política mudou”, disse Yvonne Ovesson, que administra a distribuição de alimentos no acampamento. “Acho que as autoridades gregas não sabiam que isso ia acontecer.”

Não está claro como a nova política entrou em vigor. O governo da Macedônia disse pouco sobre a ordem, que passou a vigorar ao mesmo tempo que vários países do norte tomaram decisões semelhantes para recusar os imigrantes que eles acreditam que vão para a Europa trabalhar em vez de fugir de guerras.

À medida que o fluxo de imigrantes cresceu no verão passado, a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, interveio para assegurar que seu país continuaria com as portas abertas.

Agora, disse Ovesson, muitos dos homens, mulheres e crianças acampados ao longo da fronteira da Grécia com a Macedônia estão esperando que Merkel os defenda também.

“Eles perguntam o tempo todo: Angela disse alguma coisa?”, disse ela.

Mas Merkel, lutando para encontrar abrigo para centenas de milhares de recém-chegados que já estão na Alemanha, e com o seu índice de popularidade em baixa, não disse nada que indicasse sua vontade de mudar a nova política.

Agora, no entanto, parece que a Grécia, um país praticamente falido, com uma taxa de desemprego de mais de 25%, pode ser o fim da estrada para eles. Muitos se recusam a aceitar essa ideia, andando ao longo da cerca na tentativa de driblar os guardas macedônios.

“Vou escalar aquela montanha se precisar”, disse Amir Lalenia, um iraniano de 31 anos que disse querer liberdade para praticar a religião cristã.

“Deixei meu país para sempre”, disse ele. “Eu não vou voltar. Se pudéssemos viver lá, por que estaríamos aqui? Não são só as bombas que são perigosas, sabe.”

As autoridades gregas se opuseram à nova triagem por nacionalidade, considerando-a injusta. Num e-mail, o ministro de política de imigração da Grécia, Ioannis Mouzalas, disse que o governo grego tinha “expressado repetidamente” sua oposição ao que estava acontecendo na fronteira. “Esta classificação também é contrária aos princípios das Nações Unidas”, disse ele.

Mas alguns especialistas dizem que a decisão de aceitar apenas sírios, afegãos e iraquianos é apenas uma questão de cálculo numérico. Essas são as nacionalidades que geralmente recebem asilo em mais de 70% dos casos.

"Há tanta gente vindo que as pessoas estão simplesmente procurando uma forma de reduzir isso”, disse Daniel Esdras, chefe do escritório do grego da OIM (Organização Internacional para as Migrações). "Não é justo classificar as pessoas desse jeito, mas o que se pode fazer?” (Pavlos Zafiropoulos e Niki Kitsantonis contribuíram com a reportagem)

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AFP