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Grupos católicos gays querem que Vaticano faça mais que pedir desculpas

AFP
Imagem: AFP

Jim Yardley

Em Roma (Itália)

29/06/2016 06h00

Líderes de grupos católicos gays elogiaram na segunda-feira (27) o papa Francisco por ter dito que todos os cristãos e a Igreja Católica devem um pedido de desculpas aos gays pelo mau tratamento que sofreram, mas também pediam que a igreja tome medidas mais concretas para repudiar antigos ensinamentos e condenar a violência contra os gays.

Cortando os céus no domingo à noite em seu jato papal, de volta de uma visita à Armênia, Francisco também hesitou, visivelmente tomado pela emoção durante alguns momentos, quando a jornalista Cindy Wooden mencionou o recente ataque a uma boate gay em Orlando (Flórida) e comentou que os cristãos às vezes são acusados de estigmatizar os homossexuais.

Francisco não falou diretamente sobre a chacina em Orlando, mas endossou o comentário de um de seus principais assessores que, logo após o ataque em Orlando, disse que a igreja havia marginalizado os gays e devia se desculpar.

O papa disse que a igreja deve não apenas pedir desculpas a uma pessoa gay a quem ofendeu, mas "devemos pedir desculpas aos pobres, às mulheres que foram exploradas, às crianças forçadas a trabalhar".

Marianne Duddy-Burke, diretora-executiva da DignityUSA, uma importante organização católica LGBT [de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais], disse que os comentários do papa representam uma declaração poderosa, mas não suficiente:

Que um papa reconheça que a igreja causou tantos danos aos gays e que merecemos um pedido de desculpas é um ato de humildade sem precedentes. Mas uma declaração de arrependimento só é boa pela mudança de comportamento que ela causa

O gesto de Francisco em relação aos gays faz parte de seu esforço mais amplo de acolher as pessoas que se sentiram marginalizadas pela igreja. Ele provocou manchetes no mundo todo no início de seu papado ao indicar uma nova abertura em relação aos homossexuais, quando disse: "Quem sou eu para julgar?"

As palavras de Francisco levantaram esperanças entre alguns católicos gays e outros de que ele poderá fazer mudanças significativas no interior da igreja. Alguns defensores até se perguntaram se ele poderá afrouxar a proibição pela igreja do casamento homossexual como parte de seu gesto maior de tornar a igreja mais receptiva às famílias não-convencionais.

Mas Francisco se opôs constantemente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Seu muito aguardado documento sobre a vida familiar, "Amoris Laetitia", pediu que a igreja aceite os gays, mas fechou a porta para que eles possam se casar.

"Ele não é liberal", disse o reverendo Antonio Spadaro, um padre jesuíta que é próximo do papa. "É claro que ele quer uma igreja de portas abertas", acrescentou.

Em um comunicado, Ryan Hoffman, codiretor-executivo do grupo católico Call to Action [Chamado à ação], elogiou os comentários do papa, mas também pediu que as autoridades católicas "reformem os ensinamentos e práticas que se referem aos gays como 'objetivamente fora da ordem' e 'intrinsecamente malignos'":

Está na hora de as palavras sábias de Francisco se traduzirem em uma ação justa

Duddy-Burke indicou casos de demissão de empregados gays de escolas católicas nos EUA depois que se casaram em cerimônias civis. Ela também notou que bispos do mundo inteiro muitas vezes tiveram papéis de liderança em campanhas contra os direitos gays.

"Precisamos que a igreja compreenda a realidade de nossas vidas", disse ela, "e onde o ensinamento e a prática da igreja causaram tantos problemas."

Os papas têm uma tradição de pedir desculpas pelos antigos pecados da igreja. Em 2000, o papa João Paulo 2º emitiu um amplo pedido de desculpas pelos erros da igreja nos 2.000 anos anteriores. O próprio Francisco fez uma notável reparação durante sua viagem em 2015 à América do Sul, quando pediu perdão pela cumplicidade da igreja na brutalidade da era da colonização espanhola.

"Há muitas pessoas no Vaticano que não gostam que a igreja admita que fez algo errado", disse o reverendo Thomas Reese, um padre jesuíta e analista sênior da "The National Catholic Reporter". "Com os gays, é especialmente importante porque eles ainda são submetidos a perseguição e discriminação em todo o mundo, até mesmo nos EUA."