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Prisão perpétua por roubo: sentenças duras do passado lotam cadeias dos EUA hoje

Foto de infância de Lenny Singleton, preso desde 1995 - Vandy Singleton via The New York Times
Foto de infância de Lenny Singleton, preso desde 1995 Imagem: Vandy Singleton via The New York Times

Timothy Williams

Em Burkeville, Virgínia (EUA)

06/07/2016 06h00

Lenny Singleton é o primeiro a admitir que merecia uma longa estada atrás das grades. Para manter seu hábito de fumar crack em 1995, ele entrou em 13 lojas durante oito dias e ou distraiu um vendedor ou fingiu ter uma arma escondida para roubar a caixa registradora. Certa vez, ele estava armado com uma faca com lâmina de 15 cm que havia pegado em sua cozinha.

Singleton, com 28 anos na época, foi acusado de assalto e aceitou um acordo de confissão, esperando receber uma longa pena de prisão. Mas uma confluência de fatores atuou contra ele, incluindo o juiz especialmente duro que o condenou e o clima vigente na época de tolerância zero para usuários de cocaína em forma de crack. Sua sentença foi muito longa: duas prisões perpétuas. E mais cem anos. E sem possibilidade de liberdade condicional.

Há um consenso cada vez maior de que o sistema de justiça criminal encarcerou americanos demais por tempos longos demais, com liberais e conservadores denunciando os custos econômicos e sociais de manter 2,2 milhões de pessoas nas prisões e cadeias do país. E o Congresso está discutindo uma lei de justiça criminal que, entre outros dispositivos, reduziria as penas mínimas obrigatórias para infratores não violentos.

Mas uma brecha se abriu no interior do movimento pró-reforma sobre como abordar os prisioneiros que foram condenados por crimes violentos, inclusive pessoas como Singleton, que ameaçaram os donos de lojas, mas não feriram ninguém.

Grupos como a União Americana pelas Liberdades Civis defendem uma redução de 50% na população carcerária, enquanto organizações conservadoras pela reforma das prisões, como Right on Crime, dão prioridade à libertação dos infratores não violentos e temem que libertar outros poderia ser contraproducente e reduzir o apoio do público.

Os infratores não violentos em crimes de drogas formam apenas 17% de todos os detentos em prisões estaduais do país, enquanto os infratores violentos são mais de 50%, segundo dados federais.

Cartões e presentes que Lenny Singleton enviou da prisão a sua mulher, Vandy - Cayce Clifford/The New York Times - Cayce Clifford/The New York Times
Cartões e presentes que Lenny Singleton enviou da prisão a sua mulher, Vandy
Imagem: Cayce Clifford/The New York Times

Como a população carcerária cresceu acentuadamente nos últimos 30 anos, também aumentou o número de condenados à prisão perpétua. Singleton é um dos quase 160 mil prisioneiros que servem essa pena --aproximadamente a população da cidade de Eugene, no Oregon. O número desses detentos mais que quadruplicou desde 1984, e hoje cerca de um em cada nove presos cumpre a pena máxima, como mostram dados do governo federal.

"As pessoas estão comemorando a estabilização da população carcerária nos últimos anos, mas a escala da encarceração em massa é tão substancial que uma redução significativa não vai acontecer só aparando as bordas", disse Marc Mauer, diretor-executivo do Sentencing Project, uma instituição sem fins lucrativos de Washington que defende mudanças na política de condenações.

Os EUA, com cerca de 4,4% da população mundial, têm 22% de seus prisioneiros, segundo o Centro Internacional de Estudos Prisionais, uma organização de pesquisa sediada na Inglaterra.

A pena de prisão de Singleton, que torna provável que ele morra atrás das grades, chamou pouca atenção em 1996. Era comum então que os juízes da Virgínia e do resto dos EUA impusessem longas penas de prisão para crimes ligados ao crack. Mas até os promotores linha-dura que atuavam nesse período dizem que a pena de Singleton parece indevidamente severa para crimes em que ninguém foi ferido.

"A cocaína em forma de crack assustava demais muita gente", disse William G. Broaddus, um ex-secretário de Justiça da Virgínia que hoje pratica a advocacia e não tem ligação com esse caso. "É decepcionante que não houvesse mais consideração pelo que esse homem fez. Nós realmente queremos mantê-lo na cadeia pelo resto de sua vida? Dito isso, não me surpreende nem um pouco que esse juiz tenha emitido essa sentença."

William F. Rutherford, o juiz que condenou Singleton, aposentou-se há anos. Durante uma série recente de entrevistas, ele disse que não se lembrava, mas depois de rever os arquivos do caso Singleton disse que não se arrependia do modo com o conduziu.

"Nessas circunstâncias", disse ele, "não seria raro eu proferir esse tipo de sentença."

D. J. Hansen, o promotor no caso de Singleton, disse que Rutherford "tinha a reputação de ser um dos juízes mais duros" no tribunal. Hansen, que hoje é um vice-secretário estadual de Justiça em Chesapeake, na Virgínia, acrescentou que "a Virgínia é um Estado duro" no que se refere a condenações e indicou que pediu a pena máxima de prisão para Singleton por causa da natureza grave dos assaltos.

Comparada com casos recentes, a pena de Singleton parece desproporcionalmente dura. A pena máxima para assassinato de segundo grau na Virgínia é de 40 anos, e as pessoas condenadas nos últimos meses por tentativa de assassinato e crimes semelhantes receberam sentenças muito menores que a de Singleton. Por exemplo, Tamar Harris, 21, que feriu um policial a tiros, foi condenado em abril passado a 23 anos de prisão, e Jermaine Rogers, 30, de Norfolk, que se confessou culpado em duas acusações de tentativa de assassinato, foi condenado em março a dez anos.

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Singleton, 49, que é chamado de "Pops" por outros detentos no Centro Correcional Nottoway, no centro da Virgínia, esqueceu de modo geral os detalhes de sua semana de crimes. Ao contrário de muitos de seus colegas de cadeia, ele não alega ser inocente.

Ele lembrou em uma entrevista que antes de cada roubo fumava crack e bebia um pacote de 12 latas de cerveja. Ao todo, ele roubou cerca de US$ 500. "Depois que ficava sóbrio, eu não acreditava que tivesse feito aquilo", disse. "Eu pensava: 'Puxa, Lenny, que porcaria!'"

Singleton jogava futebol na Universidade Langston, a histórica faculdade de negros em Oklahoma, na qual se formou, e mais tarde entrou na Marinha, mas foi expulso por usar drogas. Na prisão, frequentou aulas de abuso de substâncias e tornou-se um leitor dedicado de livros de autoajuda da bibliotecado local.

Ele trabalha em uma fábrica de móveis no presídio e ganha US$ 0,80 por hora fazendo mobiliário usado nas universidades da Virgínia. Mas uma porcentagem de seu pagamento é descontada para custas de julgamentos e multas, e ele ainda deve ao Estado US$ 1.800.

No ano passado, Singleton se casou com uma colega de colégio, Vandy, com quem tinha perdido contato. Eles recentemente fizeram um livro com suas cartas, narrando a prisão dele e as batalhas dela contra o câncer.