Análise: Turquia tem vitória para Erdogan, mas não para a democracia
De cima de um ônibus, do lado de fora de sua mansão em Istambul no sábado (16) à noite, o presidente Recep Tayyip Erdogan, vitorioso depois de reprimir uma tentativa de golpe por facções renegadas do Exército, disse a seus seguidores: “Nós só nos curvamos a Deus.”
O simbolismo era claro. O comício informal remetia a seus dias como populista e líder islamita que costumava falar em cima dos ônibus. E sua mensagem, envolta pela linguagem do islã, ressaltava o quanto a Turquia havia mudado nas últimas décadas.
Membros do Exército, outrora os guardiões das tradições seculares do país, que deram três golpes bem-sucedidos no último século, estavam sendo jogados na cadeia, e outros supostos inimigos estavam sendo expurgados da administração do Estado.
Enquanto isso, os islamitas dançavam pelas ruas. E é onde eles permaneceriam, disse Erdogan no domingo.
“Esta semana é importante”, ele disse a uma multidão reunida na Mesquita de Fatih em Istambul, para o funeral de uma pessoa morta na onda de violência do final de semana. “Não vamos sair das praças públicas. Este não é um caso de 12 horas.”
A tentativa de golpe parece ter sido decididamente suprimida, com quase 6.000 militares detidos. No domingo, em toda a Turquia, houve funerais para muitas das pelo menos 265 pessoas que morreram em conflitos.
Agora resta ao país considerar quais serão as consequências a longo prazo do levante. Ainda que Erdogan tenha contido o golpe, a questão mais urgente é: teria ele se tornado ainda mais poderoso, ou seria ele agora um líder enfraquecido que precisará se adaptar a seus opositores?
O fato de boa parte do país, incluindo aqueles que se opunham veementemente a seu governo, ter se posicionado contra um golpe militar como uma violação da democracia, despertou esperanças de que Erdogan aproveitará o momento para superar as várias divisões políticas da Turquia e unir o país.
No entanto, à medida que o fim de semana avançava, tornava-se claro que para Erdogan e seus seguidores conservadores e religiosos que o momento era mais um triunfo do islamismo político do que qualquer outra coisa.
Embora os turcos seculares e liberais em geral fossem contra o golpe, foram os apoiadores de Erdogan que tomaram as ruas e se reuniram no aeroporto de Istambul no sábado de manhã para expulsar o Exército. Eles basicamente gritavam palavras de ordem religiosas em apoio a Erdogan, e não à democracia em si.
O papel das mesquitas na mobilização de cidadãos para se reunirem nas ruas enquanto o golpe se desenrolava foi decisivo, mas perturbou muitos turcos seculares, que consideram o fato como uma esquiva histórica nos princípios seculares de Turquia, pelos quais a religião deve ser separada da política.
No domingo, as quase 85 mil mesquitas da Turquia tocaram em seus alto-falantes, em uníssono, uma prece que tradicionalmente é recitada para mártires que morreram na guerra e convocaram as pessoas a continuar se unindo contra os conspiradores do golpe.
“A maior parte das pessoas que saíram às ruas contra o golpe de Estado não usaram uma linguagem democrática”, disse Ozgur Unluhisarcikli, diretor do escritório em Ancara do German Marshall Fund of the United States, uma organização de pesquisa.
“Existem pessoas para quem o islamismo exerce um papel importante em suas vidas na Turquia”, ele acrescentou. “E existem pessoas para quem o islamismo não tem papel nenhum.”
Enquanto os turcos esperavam para ver em que direção seu poderoso e volátil líder levaria o país após a tentativa de golpe, Erdogan fez alguns comentários conciliatórios no domingo. No entanto, ele também levantou a possibilidade de a Turquia reinstaurar a pena de morte, que havia sido abolida como parte de sua busca por entrar na União Europeia.
“Se eles têm armas e tanques, nós temos a fé”, disse Erdogan, que também compareceu ao funeral de um amigo que foi morto, e foi visto chorando. “Não estamos atrás de vingança. Então vamos pensar antes de dar cada passo. Vamos agir com razão e experiência.”
Nigar Goksel, uma analista sênior da Turquia para o International Crisis Group, disse que havia duas direções possíveis.
“Ou Erdogan usa esse incidente para redesenhar as instituições em Ancara em seu próprio benefício”, ela disse, “ou ele aproveita a oportunidade com a solidariedade que lhe foi estendida pela oposição e por diferentes segmentos da sociedade para retribuir, investindo mais genuinamente no Estado de direito e em formas legítimas de discordância."
O histórico de Erdogan sugere que a segunda possibilidade é improvável. Toda vez que ele enfrentou uma objeção a seu poder, desde as manifestações de rua de três anos atrás até uma investigação sobre corrupção que perseguiu seus aliados mais próximos, ele tirou seus inimigos de campo e se tornou mais autocrático.
E mesmo quando o governo prendeu milhares de soldados e oficiais que supostamente participaram do golpe fracassado, já havia sinais de que ele estava usando o momento para ampliar uma repressão contra supostos inimigos. Juntamente com os militares, o governo também demitiu milhares de juízes que aparentemente não teriam nada a ver com uma revolta militar.
“Agora o governo tem passe livre para desenhar a administração como ele quiser, e é o que ele vai fazer”, disse Unluhisarcikli. “Afinal, a Turquia se tornará um país com poder mais consolidado e onde a dissidência será mais difícil.”
*Karam Shoumali contribuiu a partir de Istambul e Niki Kitsantonis a partir de Atenas, na Grécia
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