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Greves paralisam a Guiana Francesa, atrasam satélite brasileiro e repercutem em eleição em Paris

28.mar.2017 - Grupo ativista Coletivo de 500 Irmãos protesta em Caiena, capital do país - Jody Amiet/AFP
28.mar.2017 - Grupo ativista Coletivo de 500 Irmãos protesta em Caiena, capital do país Imagem: Jody Amiet/AFP

Aurelien Breeden

Em Paris*

29/03/2017 04h01

Uma greve geral e manifestações populares contra a alta taxa de criminalidade e as dificuldades econômicas paralisaram a Guina Francesa na segunda-feira (27), enquanto o governo lutava para acalmar as tensões crescentes que tumultuaram viagens, fecharam as escolas e lançaram um dos territórios ultramarinos da França muitas vezes ignorado para a frente dos holofotes da campanha presidencial.

O primeiro-ministro francês, Bernard Cazeneuve, anunciou na segunda-feira que uma delegação de ministros viajaria para o território sul-americano até o final da semana para tentar tratar das demandas feitas pelos manifestantes, que se recusaram a negociar com autoridades de escalão mais baixo.

A convulsão fechou escolas e bloqueou o acesso ao aeroporto principal, provocando um alerta do Departamento de Estado americano a quem pretende viajar à região, e até mesmo adiou o lançamento de um foguete Ariane 5, que carregaria um satélite brasileiro e um satélite sul-coreano, a partir do centro aeroespacial que a França e a Agência Espacial Europeia administram no litoral do território. As estradas que levam aos vizinhos Brasil e Suriname também foram bloqueadas.

A Guiana Francesa, que tem uma população de aproximadamente 250 mil pessoas, foi colonizada pelos franceses no século 17, tornando-se uma colônia de escravos e depois uma colônia penal.

Os últimos protestos foram os maiores que a Guiana Francesa teve desde 2008, quando uma greve que durou mais de uma semana fechou escolas e o aeroporto, e levou o governo a baixar os preços dos combustíveis. E existe um longo histórico de revoltas como essa, de acordo com Stephen Toth, um professor adjunto da Universidade do Arizona que escreveu sobre a história da Guiana Francesa.

“A Guiana Francesa sempre teve uma reputação um tanto infeliz como um buraco econômico, cuja negligência generalizada por parte das autoridades francesas só é interrompida periodicamente por ondas de protestos políticos e atos de violência por parte de diversos grupos locais, exigindo um maior investimento econômico na região”, escreveu Toth em um e-mail.

O território, que é um dos cinco departamentos ultramarinos da França, usa o euro, mas a economia depende muito de importações e de subsídios. Em 2009, os departamentos ultramarinos de Guadalupe e Martinica, ambas ilhas do Caribe, ficaram paralisados por mais de um mês por greves similares, que em alguns casos descambaram para a violência.

“Você tem a impressão de que o governo não percebe que a população está farta”, disse Antoine Karam, um socialista que representa a Guiana Francesa no Senado, a câmara alta do parlamento francês, ao canal de notícias BFM TV, na segunda-feira.

“Não somos tratados da mesma maneira como os franceses do Hexágono”, disse Karam, referindo-se à França continental. Ele também observou que a proporção de habitantes sem acesso a água potável ou eletricidade era muito maior na Guiana Francesa do que na França metropolitana.

O PIB (produto interno bruto) no território é menos da metade do que na França metropolitana, e o desemprego, que está em mais de 20%, é aproximadamente o dobro.

28.mar.2017 - Multidão se manifesta em apoio à greve geral em Caiena, Guiana Francesa - jody amiet/AFP - jody amiet/AFP
Multidão se manifesta em apoio à greve geral, em Caiena
Imagem: jody amiet/AFP

A criminalidade também é uma das grandes preocupações. Um grupo de manifestantes, que usam balaclavas e se autodenominam de Coletivo de 500 Irmãos, esteve por trás de muitas das manifestações que pediam por mais segurança.

Cazeneuve, o primeiro-ministro, disse que não se encontrariam soluções “em meio à desordem”, mas ele reconheceu o sentimento generalizado de que o território estava sendo negligenciado.

“Ainda há muito a ser feito para desenvolver a Guiana Francesa”, disse Cazeneuve a partir de Paris. “Na República Francesa, cada cidadão deve poder se beneficiar do apoio e da solidariedade do Estado.”

Cazeneuve anunciou diversas medidas, incluindo a construção de uma nova penitenciária para aliviar a superlotação carcerária. Durante o fim de semana, autoridades francesas anunciaram reforços policiais e um aumento de verbas para o hospital em Caiena, a capital do território.

Os protestos evidenciaram a profunda divisão econômica, social e às vezes racial que existe entre a França metropolitana e seus territórios ultramarinos, que são remanescentes do império colonial francês.

Filas se formaram em lojas e postos de gasolina durante o fim de semana, com pessoas correndo para estocar suprimentos antes da greve, cuja realização durante um período ilimitado de tempo foi votada por um grupo de 37 sindicatos no sábado.

A quatro semanas do primeiro turno das eleições presidenciais francesas, a convulsão social se tornou um ponto focal da campanha, e candidatos de todas as tendências falaram abundantemente sobre uma região da França que normalmente recebe pouca atenção de políticos e da mídia fora de tempos de eleições.

François Fillon, o controverso candidato de centro-direita, disse na semana passada que a crise era “consequência do fracasso das políticas de François Hollande”, o presidente socialista.

Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, disse à rádio Europe 1 na segunda-feira que a Guiana Francesa estava “atolada de imigrantes ilegais” e ela acusou o governo de “fechar os olhos”.

Ericka Bareigts, ministra para os Territórios Ultramarinos da França, respondeu no canal de notícias BFM TV que “Le Pen descobre os territórios ultramarinos a cada cinco anos e vem nos passar um sermão”. Em sua declaração, Cazeneuve também se defendeu das acusações que ele chamou de “demagogia e eleitoralismo”.

Em um comício realizado em Rennes no domingo, Jean-Luc Mélenchon, o candidato presidencial da esquerda, defendeu um melhor acesso aos serviços de saúde e educação.

Outros candidatos tropeçaram em declarações novas ou antigas que ilustram como os territórios ultramarinos da França são discutidos só de forma secundária normalmente nos debates políticos.

O candidato independente Emmanuel Macron, que, segundo as pesquisas, deve derrotar Le Pen no segundo turno das eleições em maio, foi alvo de zombaria nas mídias sociais por se referir à Guiana Francesa como uma “ilha”—algo que, diferentemente de muitos outros territórios ultramarinos franceses, ela não é.

Sua equipe de campanha tentou posteriormente justificar seu uso da palavra dizendo que ele estava se referindo à “Île de Cayenne” ou “Ilha de Caiena”, um termo usado para designar a área em torno da capital.

Nicolas Dupont-Aignan, um candidato presidencial de direita, também virou notícia por declarações que deu em 2014 sugerindo que as autoridades criassem um centro de detenção em Caiena para jihadistas, para “isolar esses lunáticos alucinados”. (Ele pediu desculpas pelos comentários na segunda-feira.)

Miranda Frances Spieler, uma historiadora da Universidade Americana de Paris e autora de um livro sobre a Guiana Francesa, disse que a estrutura jurídica do território como um território ultramarino a tornou inapta para tratar de desafios locais como imigração e a manteve dependente do Estado francês.

“O povo da Guiana Francesa está atrelado a uma estrutura administrativa e jurídica que, por um lado, garante a ele instituições e benefícios como os dos franceses, e por outro garante que os locais nunca poderão prosperar ali”, disse Spieler por e-mail.

“Os problemas econômicos que a França está enfrentando agora levaram a um declínio na qualidade dos serviços públicos locais na Guiana Francesa e os locais não conseguem compensar a diferença porque eles são pobres”, ela disse. “Por motivos estruturais, a economia pós-colonial da Guiana Francesa nunca pode prosperar sozinha.”

*Com reportagem de Benoît Morenne (Paris) e Sewell Chan (Londres)