Opinião: Para a Amazônia ter futuro, é preciso salvá-la de Bolsonaro
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, representa a maior ameaça isolada ao frágil equilíbrio da floresta amazônica desde que o país foi governado por uma ditadura militar.
Em 6 de maio, o resumo de um relatório da ONU, que será publicado na íntegra ainda neste ano, concluiu que atividades como agricultura, extração de madeira, caça, pesca e mineração ilegais estão modificando o mundo natural em um ritmo "sem precedentes na história humana". No entanto, Bolsonaro pretende abrir a floresta tropical, que já perdeu 20% de sua cobertura, a novos desenvolvimentos.
Bolsonaro se referiu aos povos indígenas que vivem em reservas como animais de zoológico e prometeu que as comunidades indígenas não receberão "mais um centímetro" de terra protegida. Dias depois de assumir a Presidência, Bolsonaro demitiu Luciano de Meneses Evaristo, o respeitado diretor do Ibama, a agência de proteção ambiental do Brasil, que reduziu o desmatamento na Amazônia a níveis recordes durante seus nove anos no cargo.
Desde então, Bolsonaro deu rédea solta a madeireiros ilegais, garimpeiros clandestinos e criminosos que se disfarçam de produtores de carne e soja, ocupando terras protegidas. Bolsonaro e seu novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que considera a mudança climática uma "questão secundária", enfraqueceram as instituições que combatem o desmatamento. Vinte autoridades graduadas do Ministério do Meio Ambiente foram substituídas por militares ou policiais militares com pouca ou nenhuma experiência no combate ao desmatamento.
Em uma carta conjunta na semana passada, oito ex-ministros do Meio Ambiente advertiram: "Estamos enfrentando um verdadeiro risco de desmatamento descontrolado na Amazônia", acrescentando que as políticas de Bolsonaro estão "comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país".
Já vimos isso antes. A ditadura que comandou o país de 1964 a 1985, e da qual Bolsonaro se declara nostálgico, apesar dos graves abusos que cometeu, transformou radicalmente a floresta tropical, construindo milhares de quilômetros de estradas, encorajando a migração em massa e promovendo a destruição ambiental com fins agrícolas.
Enquanto o Brasil enfrenta os efeitos da paralisia econômica, a grande tentação do presidente populista é tentar reverter essa dinâmica aproveitando as riquezas da Amazônia. Mas as consequências das políticas de Bolsonaro já são evidentes. Dados de satélite mostram que o desmatamento aumentou constantemente desde sua vitória em outubro. No primeiro mês depois da eleição, o desmatamento aumentou mais de 400%, comparado com o ano anterior.
Mas isso não se refere apenas ao meio ambiente. Com mais de US$ 100 bilhões em exportações agrícolas em 2018, o Brasil deseja capitalizar a crescente demanda mundial por alimentos. A promessa da campanha de Bolsonaro de sair do Acordo de Paris e desenvolver a "Amazônia improdutiva", inclusive abrindo grandes extensões de floresta à agricultura, também poderá prejudicar sua agenda econômica. O presidente Emmanuel Macron, da França, ameaçou bloquear um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, o bloco comercial sul-americano.
Esse modelo econômico, hoje adotado por Bolsonaro, mostrou-se inadequado no passado: simplesmente ele não estimula a prosperidade em longo prazo. Apesar de décadas de extração de recursos, 32 dos 50 municípios com os mais baixos níveis de desenvolvimento em todo o país estão na Amazônia. E dos mais de 45 mil trabalhadores que estavam empregados em condição de escravidão moderna resgatados pelas autoridades entre 2003 e 2018, mais de 10 mil foram encontrados no Estado amazônico do Pará.
Uma explicação parcial é que durante a exploração da região promovida pela ditadura não havia um plano de desenvolvimento duradouro e sustentável, nem foi implementado o Estado de direito. Frequentemente, a pilhagem de recursos prevaleceu, no estilo faroeste, e continua assim hoje.
A Amazônia brasileira, que a organização Global Witness declarou o lugar mais perigoso do mundo para ativistas ambientais, teve um aumento preocupante em assassinatos ligados ao controle das fronteiras agrícolas. Durante meus dois anos e meio de pesquisas na Amazônia, vi essa violência em muitas regiões. Pistoleiros, às vezes contratados por grandes proprietários de terras, matam os que são contra substituir a floresta por agricultura intensiva.
Destruir a Amazônia para estimular a economia em curto prazo, como propõe Bolsonaro, apenas deslocará mais pequenos agricultores, coletores de nozes e pescadores para a periferia de cidades como Manaus ou Belém, onde as favelas crescem diariamente. Nessas áreas pobres, populações vulneráveis correm o risco de cair nas mãos de organizações criminosas que transformaram a Amazônia em um perigoso corredor de tráfico de cocaína.
Não é por acaso que o índice de homicídios no Brasil se bifurcou na última década. Enquanto nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo caiu 18,1% e 41,9%, nos Estados amazônicos cresceu 89%, segundo um amplo estudo.
O governo Bolsonaro deve mudar radicalmente seus planos para a Amazônia. Ele deve ouvir a sociedade civil, os grupos indígenas e cientistas que propõem projetos que geram riqueza sem destruir a floresta ou causar êxodos desordenados à cidade. Diante da biodiversidade da maior floresta tropical do mundo, as possibilidades são infinitas.
A boa notícia é que o Brasil não precisa continuar expandindo suas fronteiras agrícolas. A produtividade pode ser melhorada suficientemente por meio de investimento e tecnologia. Por exemplo, o fruto da palmeira açaí, que é considerado um superfruto, conquistou os mercados mundiais. Colhido tradicional e ecologicamente, ele emprega dezenas de milhares de pessoas e gera centenas de milhões de dólares.
A comunidade internacional também deve exercer um papel chave e ativo. A Amazônia é um patrimônio da Terra, e sua destruição impactará todos nós. No quadro dos acordos climáticos, o Brasil deveria receber fundos generosos dos países desenvolvidos em troca de preservar a Amazônia; ele já recebe grandes doações da Noruega e, em menor medida, da Alemanha. Para que a floresta tropical sobreviva, o país precisa de uma economia que gire em torno de sua conservação, em vez de sua destruição.
*Heriberto Araújo, jornalista e autor de "China's Silent Army", está trabalhando em um livro sobre a violência na Amazônia.
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