Opinião: A próxima revolução industrial não ocorrerá nos EUA, mas na África
Resumo da notícia
- Em artigo para o New York Times republicado pelo UOL, empresário e investidor chinês rechaça que nova revolução industrial será nos EUA
- Jack Ma diz se ver nos empresários da África quando era mais novo e aposta em sucesso no continente
- Para África evoluir no mercado, especialista cita 4 "Es": Empreendedores, e-governo, educação e e-infraestrutura
A carência que ainda existe em vários setores africanos permitirá aos visionários mais arrojados transformar o continente em líder global de crescimento e inovação.
A primeira vez que fui à África foi em 2017. Visitaria o Quênia e Ruanda como conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e representante dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, promovendo o empreendedorismo como o caminho para o crescimento econômico.
Já tinha lido muito sobre o continente e achava que tinha uma ideia do que encontraria pela frente. Basicamente, esperava me ver fora da minha zona de conforto - ou seja, me sentir em um lugar estranho, bem diferente daquele a que estava acostumado.
Para minha grande surpresa, não poderia ter me sentido mais à vontade.
Sempre que viajo, conhecer gente jovem e empresários é a minha prioridade. Conversando com grupos de empresários africanos, ouvindo suas histórias e sonhos, eu vi a mim mesmo 20 anos atrás, quando estava começando o Alibaba.
Em grande parte da África atual, percebo que o empreendedorismo não é uma opção de carreira valorizada como nos EUA e cada vez mais na China. O mais prudente para a maioria é conseguir uma colocação assalariada e estável no setor bancário, de energia ou mineração. O empreendedorismo é para os mais arrojados - aqueles que não conseguem se manter em um emprego tradicional e têm de ser criativos e batalhar para se sustentar.
Apesar disso, acredito que o futuro do continente será construído por seus empresários - os sonhadores ambiciosos que encaram os problemas como oportunidades. Olhando nos olhos dos jovens com quem me encontrei em 2017, vi os heróis do futuro da África. E jurei que faria minha parte para ajudá-los a atingir seus objetivos.
A África está pronta para mudanças radicais. O mundo está passando por uma revolução digital que, na minha opinião, tem potencial para ser não só a mais transformativa, mas também a renovação tecnológica mais inclusiva que já se viu. Hoje, qualquer um que tenha um smartphone pode conseguir financiamento e abrir um negócio. A tecnologia móvel e a internet puseram o acesso a um sem-fim de produtos e serviços na palma da mão de qualquer pessoa. A revolução digital tem potencial de gerar uma tremenda - e inclusiva - prosperidade econômica na África. Para isso, porém, é preciso que os empresários digitais criem as empresas que possibilitarão tudo isso.
Os mais céticos podem apontar para a infraestrutura local e dizer que o continente não está preparado para a era digital; de fato, a África está perfeitamente posicionada para tal. Na verdade, uma infraestrutura sólida é desfavorável nesse mundo novo: quando o sistema funciona bem demais, há resistência à mudança e um legado muito robusto a ser superado.
Felizmente isso não era problema na China quando fundei a Alibaba, em 1999: a renda de uma grande parte da população era baixa, e a infraestrutura bancária, de varejo e logística era mínima. Porém, em apenas duas décadas, a China pulou de 8,8 milhões de usuários da internet para 850 milhões; a renda per capita pulou de US$ 800 para US$ 9 mil e as vendas do comércio eletrônico bateram em US$ 1 trilhão. Só o ecossistema do Alibaba é responsável pela criação de mais de 40 milhões de empregos no país. Em 2018, o lucro do e-commerce nas áreas rurais chinesas excedeu os US$ 97 bilhões, gerando quase 7 milhões de oportunidades de novos empregos.
Eu acredito que a África pode se sair ainda melhor. Sua falta de infraestrutura é uma vantagem, como já foi na China, mas o continente também conta com outros ingredientes para o sucesso: tem 1,3 bilhão de habitantes, sendo que 40 por cento disso têm menos de 16 anos. Seis das 10 economias de crescimento mais rápido do mundo estão ali. E os índices de adoção de smartphone estão crescendo rapidamente.
Para a África prosperar, deve adotar o que chamo aqui de "4 Es". O primeiro, claro, é de empreendedor. Precisamos apoiar os empresários africanos já existentes e inspirar a próxima geração. Vamos mostrar aos jovens o que o empreendedorismo pode fazer para transformar a sociedade. Não estou falando de homenagear bilionários ou de grandes ofertas públicas iniciais, mas sim de startups que podem puxar o crescimento inclusivo e resolver problemas sociais.
É por isso que a minha fundação recentemente lançou o Africa Netpreneur Prize anual. Para a competição inaugural deste ano, fizemos uma busca no continente inteiro, com nossos parceiros regionais, para descobrir os empreendedores mais expressivos da África. Foram mais de 10 mil inscrições e os 10 primeiros terão a chance de tentar convencer a mim e a um júri especial, durante evento televisionado, por que merecem ganhar um prêmio em dinheiro, além de mentoria e oportunidades de treinamento. Os três vencedores, Temie Giwa-Tubosun, Christelle Kwizera e o dr. Omar Sakr, estão entre os inovadores mais promissores do mundo.
Sim, quisemos recompensar e apoiar os fantásticos empresários africanos - mas, mais importante que isso, quisemos que eles se tornassem inspiração para outras pessoas.
Os próximos dois Es —de e-governo e educação— são necessários para apoiar os empreendedores em sua missão. A África precisa de governos tecnologicamente esclarecidos e experientes para criar as condições necessárias para o crescimento de uma economia digital. E os empresários africanos precisam de acesso a treinamento e a um sistema educacional criado para a era digital.
Eu também quero fazer a minha parte. E é por isso que, em parceria com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a Alibaba Business School criou um currículo voltado para o comércio eletrônico - o eFounders Fellowship - que fornece aos jovens empreendedores africanos as capacidades necessárias para desenvolver negócios na plataforma digital. A Alibaba lançou um programa semelhante para membros do governo e legisladores, ajudando-os a navegar o cenário tecnológico em transformação. A Alibaba Business School também levou seu curso Train the Trainers a Ruanda no ano passado, em uma parceria com o governo de lá para preparar professores que ensinem as gerações futuras de empreendedores ruandeses. Há planos de levá-lo a outras nações africanas no futuro.
O último E, de e-infraestrutura, engloba todos os outros. A África precisa de serviços de internet de classe internacional, sobre os quais uma nova economia digital - análise de dados, logística e pagamentos - possa ser montada.
Desde minha primeira visita à África, há dois anos, aproveitei todas as oportunidades que surgiram de explorar mais esse continente inspirador e conhecer mais de seus empresários. Meu objetivo é ir a todos os seus países. Cada vez que viajo para lá, volto convencido de que o empresariado local é que vai escrever o futuro africano.
A melhor maneira de ajudar essa classe é apoiando seu crescimento e dando-lhe os meios que eu queria ter tido quando comecei a minha aventura. Como a minha experiência na China me ensinou, nenhum empreendedor pode vencer sozinho: há papéis importantes desempenhados por governos, educadores, capitalistas de risco, associações da indústria e incubadoras de startups. Se todos trabalharmos juntos para apoiar os empreendedores, a África certamente se tornará um núcleo de inovação e crescimento, a líder global que sabemos que pode ser.
* Jack Ma é um dos fundadores e ex-CEO do Grupo Alibaba. É também o criador da fundação que leva seu nome.
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