Topo

5 artistas internacionais escolhem obras que simbolizam 2019

"ParaPivot" (detalhe, 2019) de Alicja Kwade, no Museu Metropolitano de Arte de Nova York - Hyla Skopitz/NYT
"ParaPivot" (detalhe, 2019) de Alicja Kwade, no Museu Metropolitano de Arte de Nova York Imagem: Hyla Skopitz/NYT

31/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • A pedido do NYT, artistas como Teresita Fernández, Patty Chang e Alicjia Kwade escolheram obras próprias para representar 2019
  • Obras selecionadas abordam desde a relação EUA-México até o Brexit, no Reino Unido
  • As peças falam de relações pessoais, políticas e filosóficas

A pedido do New York Times, cinco artistas internacionais selecionaram uma obra própria para representar ou simbolizar 2019.

Veja as obras e as justificativas para a escolha de cada uma delas.

Teresita Fernández

"Fire (United States of the Americas)2," (2019)

"Fire (United States of the Americas)2" (2018-19) de Teresita Fernández - Teresita Fernández and Lehmann Maupin/NYT - Teresita Fernández and Lehmann Maupin/NYT
"Fire (United States of the Americas)2" (2018-19) de Teresita Fernández
Imagem: Teresita Fernández and Lehmann Maupin/NYT

"No início do ano fiz uma obra de grande porte, intitulada 'Fire (United States of the Americas)2'. Nela, elementos sólidos de carvão na forma do mapa continental dos EUA se destacam de uma parede de marcas gestuais, esfumaçadas, feitas à mão para retratar um país que está queimando, caindo, derretendo.

O trabalho reinsere a forma do México no mapa, reconfigurado e reimaginado para parecer tão imenso que sua presença fantasmagórica e redentora começa a se dissolver no cosmo, avolumando-se sobre os EUA.

A imagem esturricada faz com que o público contemple e questione a história social dos EUA. Somente aqui temos o hábito de usar o termo "América" no singular; no resto do Hemisfério Ocidental ele é geralmente aplicado no plural, 'as Américas'.

Desde o século 19, quando invadiram o México e estipularam um tratado que tomava mais da metade do território do vizinho, os EUA vêm apoiando golpes por toda a América Latina. O país tem grupos de direita militarizados, interveio em eleições, guerras civis e revoluções e deu início a guerras, massacres e violência de gangue que deixaram cicatrizes profundas, forçando os mais pobres e frágeis a seguir para o norte em busca de asilo.

Nos anos 30, o então presidente Herbert Hoover instaurou um programa de deportação em massa que expulsou 1,8 milhão de mexicanos dos EUA, sendo que 60 por cento deles eram cidadãos legais. Episódios como esse da história nacional são desconhecidos para a grande maioria de sua população.

Essa amnésia 'de exceção' é que molda e fomenta, de forma insidiosa, o sentimento anti-imigrante e a hispanofobia neste país, incluindo desde o massacre em El Paso, em agosto, à caça, prisão e separação das famílias imigrantes.

Sugiro a todos os que queiram entender como chegamos até aqui que assistam ao poderoso documentário 'A Colheita do Império', de 2012 (baseado no livro de Juan González), para que, coletivamente, possamos nos lembrar da correlação direta entre as intervenções norte-americanas na América Latina e as injustiças do nosso sistema de imigração atual. Eles estão aqui porque nós estivemos lá".

*Teresita Fernández é artista visual e membro da Fundação MacArthur, cujas obras repensam a relação da paisagem com o colonialismo, a história, a violência e o poder. "Teresita Fernández: Elemental", retrospectiva de sua carreira até aqui, está em cartaz no Pérez Art Museum Miami até 9 de fevereiro de 2020.

"Milk Debt" (2019) de Patty Chang - Patty Chang/NYT - Patty Chang/NYT
"Milk Debt" (2019) de Patty Chang
Imagem: Patty Chang/NYT

Patty Chang

"Milk Debt" (2019)

"Em meados de 2018, invadida por uma ansiedade absurda em relação à mudança climática e o estado das coisas nos EUA, decidi fazer uma lista de tudo que me dava medo naquele momento. Foi um alívio perceber que alguns dos meus temores eram irracionais, mas apavorante perceber que muitas coisas importantes, com consequências graves, estavam além do meu controle.

Desde fevereiro de 2019 venho trabalhando em 'Milk Debt', um projeto de vídeo em várias partes com mulheres bombeando leite materno enquanto falam de seus medos. Por enquanto, cobri Los Angeles e Hong Kong; com a continuação do projeto, espero trabalhar em outros lugares, incluindo as proximidades da fronteira EUA-México.

O título da iniciativa refere-se ao conceito do budismo chinês que reza que os filhos estarão sempre em dívida com suas mães por causa da amamentação. O leite materno é criado quando o corpo começa a produzir os hormônios prolactina e oxitocina, que também é gerada quando estamos apaixonados. A dívida do leite é um arranjo que nos liga à nossa história e à terra. É impossível de ser quitada.

Esses são três videogramas de 'Milk Debt', filmado em Hong Kong em 9 de junho, mesmo dia em que quase um milhão de pessoas foram às ruas para protestar contra o projeto de lei de extradição, que quer legalizar a entrega de infratores à China. A exibição atua como um ritual, no qual a protagonista canaliza os medos dos outros para o discurso público, transformando-os assim de acontecimentos individuais para comunais.

Em um momento em que as pessoas estão preocupadas com as mudanças climáticas, as políticas governamentais e a falta de recursos, é essencial se conectar, ser inclusivo e compassivo, e encontrar meios de fazer a diferença no mundo à sua volta".

*Patty Chang é uma artista de Los Angeles que trabalha com performances, vídeos, textos e instalações.

Dawoud Bey

"Tourists, Abyssinian Baptist Church" (2019)

"Tourists, Abyssinian Baptist Church" (2019) de Dawoud Bey - Cortesia do artista/NYT - Cortesia do artista/NYT
"Tourists, Abyssinian Baptist Church" (2019) de Dawoud Bey
Imagem: Cortesia do artista/NYT

"Quando estou no Harlem, caminho entre fantasmas. Conheço o bairro desde que era criança - e, se contar o fato de que meus pais se conheceram ali, o lugar sempre fez parte da minha vida. Entretanto, a cada dia ele se parece menos com o que era, ou pelo menos com esse lado que conheço há várias décadas.

É claro que as mudanças são inevitáveis - mas o que elas significam quando uma comunidade negra tradicional começa a perder elementos de sua história vital e visível? O que sobra? E o que essa transformação representa para quem morou ali a vida toda?

Quando comecei a fotografar no Harlem, na década de 70, suas igrejas grandiosas tinham congregações vibrantes: estavam sempre lotadas e os sermões saídos do púlpito falavam de afirmação e sustento espiritual.

Hoje em dia, porém, os templos se veem lotados de turistas, seja porque as congregações encolheram ou porque simplesmente são caros demais para serem mantidos. Pastores e dioceses estão preferindo vender as sedes às incorporadoras, que não têm o menor pudor em derrubá-las para erguer mais um prédio de apartamentos, às vezes acomodando a confraria no local, em um santuário com entrada separada.

Com 2019 chegando ao fim e uma nova década a ponto de se iniciar, o que será do Harlem e dos outros Harlems espalhados pelo país, cidades negras e pardas lutando com os benefícios e ameaças do fluxo contínuo de capital global e da especulação imobiliária desenfreada?

Será que essas comunidades vão conseguir manter a vibração social e cultural diversificada que fazem parte de seus legados? Ou será que nossas áreas urbanas sucumbirão à homogeneidade entorpecedora motivada pelo lucro, com o passado servindo meramente como uma jogada de marketing de apelo nostálgico?"

*Dawoud Bey é fotógrafo e membro da Fundação MacArthur, atualmente morando em Chicago. O foco de seus projetos mais recentes é reimaginar a história afro-americana no momento contemporâneo. Uma retrospectiva dos 40 anos de seu trabalho será inaugurada em fevereiro de 2020 no Museu de Arte Moderna de San Francisco, e depois irá para Atlanta e Nova York.

Alicja Kwade

"ParaPivot" (2019)

"ParaPivot" (detalhe, 2019) de Alicja Kwade, no Museu Metropolitano de Arte de Nova York - Hyla Skopitz/NYT - Hyla Skopitz/NYT
"ParaPivot" (detalhe, 2019) de Alicja Kwade, no Museu Metropolitano de Arte de Nova York
Imagem: Hyla Skopitz/NYT
"Este ano, foram realizadas diversas exposições no mundo todo abordando os 50 anos da chegada do homem à Lua. Participei de algumas, feliz em poder ajudar a destacar essa grande conquista humana. Porém, quanto mais eu penso, mais concluo que esse feito histórico parece nunca ter estado à altura das expectativas gerais. As dúvidas que tínhamos na época continuam as mesmas de hoje: o que é realidade? Há vida em outros planetas? O ser humano tem condições de habitar outros mundos?

Desde criança, Nova York sempre foi o lugar dos meus sonhos e desejos; nasci e vivi em um sistema comunista até os 8 anos. Ver a minha instalação "ParaPivot" no telhado do Museu Metropolitano de Arte este ano, emoldurada pelo famoso perfil da cidade, foi uma ocasião muito especial para mim.

Mas, agora, dessa vista também emana uma sensação de nostalgia. Do ponto de vista do telhado do museu, os arranha-céus ao redor funcionam como um pano de fundo teatral, dando a impressão de ser a base dos "mundos" de "ParaPivot", como se cada um estivesse equilibrado delicadamente sobre um prédio.

Isso cria uma ilusão fantástica e um tanto ansiosa de instabilidade, reproduzindo a forma como essas estruturas e as fabulosas fortunas que representam precariamente mantêm a economia global. Em relação à chegada do homem à Lua, há 50 anos, penso nas minhas expectativas de menina para o Ocidente e vejo que ainda temos muito trabalho pela frente".

*Alicja Kwade nasceu na Polônia em 1979, e atualmente vive e trabalha em Berlim. Suas obras podem ser vistas em exposições solo no Dallas Contemporary e no List Visual Arts Center do MIT em Cambridge, Massachusetts.

Aliza Nisenbaum

"London Underground: Brixton Station and Victoria Line Staff" (2019)

"London Underground: Brixton Station and Victoria Line Staff" (2019) de Aliza Nisenbaum - Cortesia da artista e da Art on the Underground/NYT - Cortesia da artista e da Art on the Underground/NYT
"London Underground: Brixton Station and Victoria Line Staff" (2019) de Aliza Nisenbaum
Imagem: Cortesia da artista e da Art on the Underground/NYT

"Um ex-professor meu, Gregg Bordowitz, costumava perguntar: 'Quais são as políticas da sala em que vocês estão neste momento?'. Sua intenção era nos fazer conscientes de como negociamos as relações e estruturas de poder em nossas interações diárias.

O meu processo de criação implica em eu me sentar com alguém que geralmente não conheço direito e passar algumas horas pintando seu retrato. Meu modelo me observa e papeia comigo enquanto trabalho, e é o primeiro a testemunhar o resultado. (Às vezes, eles assistem a um filme no meu laptop ou tiram um cochilo.)

Tento fazer justiça à sua personalidade, talvez emprestar alguma semelhança. Na grande maioria das vezes essas sessões são divertidas, mas há situações em que as conversas políticas difíceis são inevitáveis. É um momento vulnerável para nós dois.

No início do ano, a Art on the Underground de Londres me pediu que fizesse um trabalho presencial na estação de metrô de Brixton, onde acabei pintando os retratos de 15 funcionários da Linha Victoria, entre eles faxineiros, operadores e gerentes. Todos me revelaram suas opiniões sobre o Brexit - às vezes, em voz alta; outras, não.

Mesmo sem concordar com as opiniões alheias, você pode até se sentir solidário, pois percebe o desconforto e a apreensão do outro. E se fica vermelho(a) ou franze o cenho, é possível detectar essa vulnerabilidade na linguagem corporal e intuir o que o Brexit representa para ele(a).

Enquanto estamos batendo papo e eu vou preparando as tintas para acertar o tom de pele do modelo, é como se nós dois estivéssemos calibrando nossa relação um com o outro, tentando adivinhar até que ponto poderemos nos abrir. A pintura se torna um documento de fidelidade através desse registro lento e cumulativo de tempo.

Há uma abertura inerente resultante da gentileza com os outros. Política geralmente é coisa que se discute no nível mais amplo das instituições estruturais, da maneira como os EUA e o Reino Unido têm vivido suas realidades estruturais bem semelhantes neste último ano.

Entretanto, ela também acontece na forma como prestamos atenção - sutil e pacientemente - ao ponto de vista do outro, nesses momentos privados de interação pessoal individual".

*Aliza Nisenbaum faz retratos de imigrantes latino-americanos em situação ilegal, e de pessoas de outras comunidades distintas, usando a atenção direcionada da pintura de observação para destacar aqueles que são ignorados pela sociedade.