Por que a ONU fala em 'suicídio coletivo' diante de 'inferno climático'?
Na abertura da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-27), o secretário-geral da ONU, António Guterres, não mediu as palavras para dar a dimensão do caos climático e da urgência na redução das emissões: "A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo", disse.
"O último relatório sobre o Estado do Clima Global é uma crônica do caos climático", advertiu. "Devemos reagir ao sinal de alerta do planeta com ações climáticas ambiciosas e confiáveis."
Apesar de décadas de negociações climáticas, o progresso tem sido insuficiente para salvar o planeta do aquecimento excessivo. Para Guterres, os países estão muito lentos ou relutantes em agir mesmo diante de "uma rodovia rumo ao inferno climático com o pé no acelerador."
"As emissões de gases de efeito estufa continuam crescendo. As temperaturas globais continuam subindo. E nosso planeta está se aproximando rapidamente dos pontos de inflexão que tornarão o caos climático irreversível", disse.
Em seu discurso, Guterres pleiteou que os governos —mesmo que estejam distraídos com a guerra na Ucrânia, a inflação desenfreada e as crises energéticas— busquem, durante a COP-27, selar acordos e estratégias sobre como evitar um cenário catastrófico.
E pediu um pacto entre os países mais ricos e os mais pobres para acelerar:
- a eliminação do uso de carvão (um dos combustíveis que mais emitem carbono)
- a transição dos combustíveis fósseis para energias renováveis
- a entrega do financiamento para garantir que os países mais pobres reduzam as emissões e lidem com os impactos inevitáveis que as mudanças climáticas já causaram
Segundo ele, os 38 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) devem buscar eliminar o carvão até 2030, embora a meta seja 2040 em todo o mundo.
"As duas maiores economias —EUA e China— têm uma responsabilidade particular de unir esforços para tornar esse pacto uma realidade", ressaltou ele.
Por que o cenário é 'catastrófico'?
Os últimos oito anos estão prestes a se tornarem os mais quentes já registrados na história, caso se confirmem as projeções para 2022 da agência meteorológica da ONU.
Além disso, o aumento do nível da água do mar na última década foi o dobro do registrado na década de 1990 e, desde janeiro de 2020, vem aumentando em ritmo ainda mais acelerado, aponta relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
A elevação do nível do mar foi de 5 milímetros por ano desde o começo da década —nos anos 1990, era de 2,1 milímetros.
A camada de gelo da Groenlândia, assim como as geleiras em todo o mundo, estão encolhendo precipitadamente. O volume da cobertura de gelo na Suíça caiu em mais de um terço entre 2001 e 2022.
Em torno de 90% do calor preso na atmosfera vai para os oceanos, sendo que a camada superior de até 2 mil metros de profundidade está se aquecendo mais rapidamente. O nível desse aquecimento nos últimos 15 anos é 67% mais rápido do quem em 1971, avalia a OMM.
Não há indicadores positivos quanto ao derretimento das geleiras ou sobre a elevação do nível das águas do mar, completou o diretor da agência, Petteri Taalas. E nada disso é significante em comparação ao quanto as mudanças climáticas já atingiram as pessoas através do clima extremo.
As enchentes no Paquistão deixaram mais de 1,7 mil mortos e 7,9 milhões de desabrigados, enquanto a seca de quatro anos no leste da África deixou mais de 18 milhões de pessoas em situação de fome.
Segundo ele, o único motivo pelo qual o mundo não quebrou o recorde anual de temperatura nos últimos três anos foi o fenômeno meteorológico La Niña. Os níveis de dióxido de carbono e óxido nitroso na atmosfera atingiram níveis recorde, e o de metano aumentou em um ritmo sem precedentes.
Guerra retomou energia poluente
Na conferência, mais de 100 líderes mundiais discursarão, focando nos problemas causados por eventos climáticos extremos, especialmente de países africanos e insulares —essas nações usam o palco para pressionar por uma maior responsabilização das nações desenvolvidas.
O discurso mais aguardado é o do primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Sharif, cujo país foi atingido por inundações neste ano que causaram ao menos US$ 40 bilhões em danos e deslocaram milhões de pessoas.
"Mas os poluidores históricos que causaram as mudanças climáticas não compareceram", disse Mohammed Adow, da think tank Power Shift Africa. "A África é o menos responsável e o mais vulnerável à questão das mudanças climáticas."
Os signatários do Acordo de Paris de 2015 se comprometeram a atingir uma meta de longo prazo de impedir que as temperaturas globais subam mais de 1,5°C em relação à era pré-industrial. Cientistas estabeleceram essa marca como o limite para evitar mudanças climáticas catastróficas.
Mas, Niklas Hohne, cientista do New Climate Institute, diz que a expectativa é baixa. A invasão da Rússia na Ucrânia causou uma crise energética e alimentar que prejudica o envolvimento dos países europeus —que veem-se forçados a reativar formas mais poluentes de produzir energia. (Com DW)
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