Desmatamento e menos controle: como gestão Leite impactou cheias no RS
Desde que assumiu o governo do Rio Grande do Sul, em 2019, Eduardo Leite implementou ou aprovou mudanças que, na visão de especialistas consultados pelo UOL, diminuíram a proteção ambiental e podem tornar o estado ainda mais vulnerável a enchentes.
O que aconteceu
Ambientalistas afirmam que normas ambientais do RS foram enfraquecidas sob a gestão Leite (PSDB). As mudanças mais danosas, segundo eles, são as que aumentaram brechas para uso de áreas de preservação, inclusive em margens de rios, e afrouxaram o controle do poder público sobre atividades com alto potencial de degradação.
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Parte das mudanças passou pelo Legislativo. A pedido de Leite, em 2020, a Assembleia do Rio Grande do Sul aprovou um novo código ambiental que alterou 480 normas ambientais. Mais recentemente, em janeiro deste ano, os deputados aprovaram uma lei que permite construção de barragens e outras obras de impacto em áreas protegidas.
O desmatamento no RS aumentou sob o atual governo. Segundo dados da plataforma Mapbiomas, o estado perdeu 1.145 hectares de vegetação (cerca de 1.600 campos de futebol) em 2019, primeiro ano da gestão Leite. Em 2022, ano com o dado mais recente do Mapbiomas, o desmatamento foi de 5.197 hectares (7.200 campos de futebol).
O governo estadual nega que as mudanças tenham relaxado a legislação ambiental. A Sema-RS (Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS) afirmou ao UOL que o governo "atualizou procedimentos" e que não é possível relacionar os danos das cheias às mudanças nas normas.
A gente vive um tempo de emergência climática, em que os eventos têm sido mais frequentes e intensos, e isso não é exclusivo do Rio Grande do Sul. Não é correto relacionar as cheias a qualquer mudança legislativa. O que nós fizemos foi atualizar procedimentos, no intuito de adequar a legislação estadual à federal
Marjorie Kauffmann, secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul
Lei permite barragens em áreas preservadas
Em janeiro, Leite aprovou uma lei que ameaça áreas sensíveis próximas a rios. O texto permite obras para irrigação e geração de energia nas chamadas APPs (Áreas de Preservação Permanente), que foram previstas pelo Código Florestal, em 2012, para proteger locais como o topo de morros, restingas e margens de rios e lagos.
A aprovação da lei era uma demanda do agro gaúcho. Após o estado enfrentar três anos seguidos de seca que prejudicaram as lavouras, entidades s rurais defenderam que os produtores possam fazer barragens em rios, mesmo em APPs, para armazenar água. A lei considera de "utilidade pública" a construção de obras de irrigação.
A mudança pode deixar locais mais vulneráveis a enchentes. Para os ambientalistas ouvidos pelo UOL, a lei deve incentivar o desmatamento de áreas próximas a rios, cuja vegetação serve para conter o volume e a força das águas.
O governo nega que as mudanças ameacem áreas protegidas. Segundo a Sema-RS, a legislação prevê compensações ambientais para os casos em que áreas de preservação tiverem que ser desmatadas, por exemplo.
A floresta absorve uma parte [da enchente] e quebra a velocidade [da cheia]. Quando o solo está nu, as águas não apenas correm mais livremente como arrancam o solo por onde passam, provocando erosão. O risco é que nós tenhamos enchentes cada vez maiores mesmo com chuvas menos intensas.
Francisco Milanez, presidente da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural)
Na região do rio Antas-Taquari [nordeste do RS], a abertura de campos de soja vem destruindo as cabeceiras dos rios. E essa legislação de agora permite ainda mais obras, até hidrelétricas, sem consulta às comunidades atingidas.
Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Menos controle estatal sobre atividades poluidoras
Em setembro de 2019, Leite enviou à Assembleia um novo código ambiental para o RS. O texto, que alterou quase 500 normas no estado, criou vários atalhos para acelerar a concessão de licenças ambientais, inclusive para atividades econômicas que o próprio Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS) considera de alto potencial poluidor.
A mudança reduz o controle do estado sobre essas atividades. Uma das novidades é o LAC (Licenciamento Ambiental por Compromisso), em que o próprio interessado emite sua licença, sem análise prévia dos órgãos ambientais. Ao todo, 48 atividades podem funcionar dessa forma, inclusive pecuária e cultivo de espécies invasoras, como pinus e eucalipto.
Um processo contra essa lei está parado há três anos no STF. Em abril de 2019, na gestão de Augusto Aras, a PGR (Procuradoria-geral da República) pediu ao Supremo a revogação de cinco artigos do código, por considerar que eles ferem normas federais e a Constituição. Até hoje, porém, a Corte não julgou o caso.
Para ambientalistas, as mudanças abrem brecha para obras em áreas úteis no combate às cheias. O professor de direito ambiental Francisco Soler afirma que é comum, por exemplo, a ocupação irregular de áreas de mata ciliar na Lagoa dos Patos — onde deságua o Lago Guaíba, que banha Porto Alegre — e em banhados, que ajudam a absorver água durante enchentes.
Na região de Pelotas, no sul do estado, existem muitas contruções irregulares em áreas de preservação nos banhados, que têm uma função super importante na prevenção das enchentes. As águas têm um caminho natural, e não adianta achar que muros e bombas de drenagens vão ser suficientes para resolver o problema.
Antonio Soler, professor de Direito Ambiental e membro no Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente)
Governo nega que mudanças trouxeram danos
O governo do RS nega que a lei tenha afrouxado o controle estatal sobre o meio ambiente. Segundo a Sema-RS, as atividades licenciadas sem análise prévia seguem sujeitas normalmente à fiscalização e que apenas uma pequena parte das atividades econômicas são aptas a serem liberadas dessa forma.
Desde 2021, foram geradas cerca de 150 licenças dessa forma [pelo autolicenciamento], sendo que o governo emite mais de 8 mil licenciamentos. É completamente leviano falar que essa forma de licenciamento buscou reduzir a proteção ao meio ambiente. Ela deixa que os técnicos fiquem focados em atividades mais poluentes.
Marjorie Kauffman, secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS