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Gilmar Mendes deu a Abdelmassih a liberdade que vítimas não tiveram

Especial para o UOL

05/09/2014 06h00

O artigo é de 8 de setembro de 2014 e não tem ligação com a decisão do STF contra a execução das penas antes do trânsito julgado, em 7 de novembro

Sou uma das vítimas do ex-médico Roger Abdelmassih e, inconformada com fato de o ministro do STF Gilmar Mendes ter concedido habeas corpus ao condenado em 2009, moverei um tipo de moção de repúdio contra essa decisão. Abdelmassih estava preso há cerca de quatro meses quando foi agraciado com a decisão do ministro.

Esse monstro ficou à solta, desfrutando da liberdade que eu não tive em função da crise de pânico que enfrentei por conta das ameaças que sofri desde que começou minha via crúcis, pois ajudei a desmascará-lo durante a sentença.

O ex-médico não só abusou sexualmente de mim como transformou minha vida social, psíquica e emocional em um inferno. Ninguém sabe o que sente uma vitima de abuso sexual não consentido, seja criança ou adulta, e muito menos imagina o sofrimento que é ver seu algoz beneficiado por um habeas corpus - apesar de condenado a 278 anos de prisão - que o colocou em liberdade.

Entendo que estou no meu direito de me manifestar contra esse benefício concedido ao estuprador Abdelmassih, já que o mesmo me levou a sofrimento desnecessário e risco de vida. Sofro de pânico em consequência das ameaças feitas pelo criminoso, iniciadas ainda na denúncia, e minha especificidade como vítima não foi observada pelo ministro do STF.

Vale ainda ressaltar que o Brasil se submete à jurisdição internacional, e os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.

Ou ainda dos tratados internacionais em que o país faz parte, embasado nos quais pretendo representar contra a decisão proferida por Gilmar Mendes, favorecendo os "direitos" do estuprador em detrimento do direito de suas vítimas.

Além dos órgãos de direitos internacionais, estou estudando em qual esfera nacional vou protocolar minha moção de repúdio. Apesar de questões que se referem ao corporativismo da comunidade jurídica, é uma luta importante, pois estou no direito de legítima defesa da minha integridade física e psicológica.

Minha atitude será mais eficaz que o ato em si, impedindo de certa maneira que eu seja novamente colocada em risco de vida e tenha o meu direito de ir e vir abalado. As consequências dos atos de Abdelmassih serão provadas pelos meus diversos laudos da síndrome de pânico, agravada com a soltura desse criminoso.

Além da letra fria da lei

O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos do Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se por diversos princípios, entre eles o da prudência. A obediência que o magistrado deve à lei precisa ser crítica, não submissa, sob pena de tornar-se um juiz montesquiano, que só serve para pronunciar a letra da lei.

"O juiz que é somente escrupuloso passivo da lei não é um bom juiz", diz o constitucionalista italiano Gustavo Zagrebelsky. Para outro autor, Bobbio, "o problema fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los".

Não se admite num pais democrático um juiz que decida somente pela letra da lei, ressuscitando o velho brocardo "dura lex sed lex" para justificar decisões injustas e alheias às peculiaridades do caso concreto.

Os Princípios de Bangalore da Conduta Judicial versam que um juiz deve assegurar-se de que sua conduta esteja acima de reprimenda do ponto de vista de um observador sensato, sendo claro que o comportamento e a conduta de um juiz devem reafirmar a fé das pessoas na integridade do Judiciário.

A prudência é a virtude a que o juiz precisa recorrer com mais frequência, e a precipitação é inimiga da precaução. Gilmar Mendes decidiu sobre o habeas corpus com uma rapidez impressionante.

Já a ministra Ellen Gracie negou um habeas corpus , observando que "(..) não é necessário que [Abdelmassih] seja médico para que o mesmo tipo de delito [sexual] seja praticado; apenas era facilitado em razão das circunstâncias em que ele atuava e pelo estado de fragilidade em que se encontravam as suas vítimas".

Devido à periculosidade do réu, o desembargador José Raul Gavião de Almeida também negou um habeas corpus a Abdelmassih.

Gilmar Mendes, em sua "pressa" de julgar, não deve ter entendido a sentença, nem mesmo prestado atenção aos testemunhos de maridos e vítimas, que provaram o modus operandi do ex-médico. Se assim o fizesse, não justificaria sua decisão no fato dele não mais clinicar.

Ora, uma pessoa não tem como profissão estuprador. Logo, ele coloca o jaleco e violenta mulheres. Não existe isso. O delinquente tem esse desvio em seu caráter, sendo médico ou não. Portanto, as bases da fundamentação do habeas corpus não têm para mim nenhuma força expressiva que justificasse esse ato.

Meus direitos estão resguardados na Constituição, entre eles o da segurança, que me foi retirada na soltura desta criatura, que após janeiro de 2011 foi considerada foragida, trazendo um gasto desnecessário ao Estado, que teve que mover uma força tarefa para capturá-lo.

Qualquer cidadão pode acionar o Conselho Nacional de Justiça para fazer reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializado.

Não é preciso advogado para peticionar ao CNJ ou em tribunais internacionais. Porém, devo ir acompanhada por um defensor de fora do Brasil, pois existe uma dificuldade de conseguir um aqui: aqueles a quem consultei têm receio de que suas ações no Supremo possam vir a ser apreciadas de maneira equivocada, justamente por me defenderem contra um ministro deste próprio órgão. Lembro que a minha representação não visa nenhuma reparação financeira por intermédio de ação civil ou criminal.

Há uma diferença latente entre erro e pecado. Quem cometeu o pecado foi Roger Abdelmassih, quem cometeu um engano foi Gilmar Mendes ao soltá-lo. A característica de um sábio é assumir seus erros e, ao fazer isso ele voltará a ser um sábio.

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