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Só escola participativa irá frear descrença na democracia

Especial para o UOL

05/07/2016 06h00

Em entrevista à Folha, Ted Piccone, pesquisador sênior do Instituto Brookings,afirmou que o resultado do plebiscito que sacramentou a saída do Reino Unido da União Europeia é parte de um processo que põe a democracia diante de um paradoxo. Afinal, ao mesmo tempo em que pessoas expressam o desejo de serem ouvidas –um sentimento genuinamente democrático–, elas também são capazes de tomar decisões emocionais e inconsequentes.

Esse é um fenômeno global. Da ascensão de Donald Trump nas prévias eleitorais dos Estados Unidos –com uma retórica salpicada de um nacionalismo populista e de xenofobia– ao flerte inconsequente com o autoritarismo visto em parte das manifestações que tomaram as ruas das grandes cidades brasileiras nos últimos três anos, o mundo assiste a uma implosão da democracia por dentro.

E tudo isso obedecendo às regras do jogo, ou seja, não há, até o momento, dúvidas sobre a lisura do plebiscito britânico, tampouco sobre o desempenho de Trump nas prévias do partido republicano dos EUA.

No caso do Brasil, haveria apenas a incoerência de se defender a ditadura numa democracia –o que é bem diferente de se defender a democracia numa ditadura–, não fosse a descrença generalizada no regime democrático. De acordo com a pesquisa de 2013 da ONG chilena Latinobarómetro, apenas 49% dos brasileiros responderam que preferem a democracia a qualquer outra forma de governo.

Tal paradoxo cria entraves para a persistência das ideias progressistas no campo político. O filósofo alemão Jürgen Habermas, um lúcido defensor da capacidade da democracia produzir emancipação e bem-estar social, afirmou –no artigo “O Governo dos Banqueiros”, publicado em 28 de junho de 2015 pelo El País– que “são os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu”. Repetiria ele hoje, sem ressalvas, essa fala?

Não basta reconhecer que as formas tradicionais de representação democrática não são mais capazes de dar respostas para os problemas de sociedades cada vez mais complexas, plurais e conectadas. O potencial transformador da democracia não se esgota no “poder falar” e “saber escutar”.

Radicalizar o ensino

É preciso mudar hábitos e mentalidades, porém tal mudança só será possível através de uma radicalização da experiência democrática na educação, cujo principal espaço de construção é a escola. A afirmação tangencia o lugar comum, mas há muito a ser explorado nesse campo.

Uma escola radicalmente democrática é aquela pronta a escutar e a incorporar sonhos e desejos de seus estudantes. É aquela que também está preparada para compartilhar o desenvolvimento de soluções e para mostrar que a ampliação das esferas de participação e de tomada de decisão implica em maiores responsabilidades. Cidadãos assim formados demandarão mais espaços de deliberação, mas saberão que cada decisão tomada coletivamente tem consequências e que todos são, de algum modo, corresponsáveis.

Tal instituição de ensino ainda deve transmitir os valores democráticos mais elementares, como o respeito à diversidade, a tolerância e também uma inabalável convicção de que a humanidade é uma comunidade de cidadãos portadores de uma dignidade intrínseca.

Isso tudo não se esgota em sala de aula. O espaço escolar deve ser democrático, as tomadas de decisões devem ser compartilhadas e a experiência concreta de professores e de estudantes, que vivem o cotidiano escolar, deve ser valorizada. Grêmios estudantis com novos formatos de gestão que se desenvolvem espontaneamente contêm sementes de um futuro melhor. Conselhos escolares que conseguiram engajar a família e aproximar a comunidade precisam ter a sua experiência multiplicada como uma vivência positiva.

Num mundo cada vez mais urbano, escolas que se transformam em extensões do território da cidade –funcionando como laboratórios de novas práticas e como um campo de formação de cidadãos melhores– devem ser estimuladas.

Educação e democracia são dois temas suprapartidários e interinstitucionais, eles pertencem a todos e a ninguém. Uma vez juntos, são motores potentes da transformação. Igualmente fonte de dissenso e de disputa, cedo ou tarde, eles devem conduzir, em seus respectivos campos, ao consenso possível e à edificação da sociedade de hoje e a de amanhã.

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