Política externa ou política extrema?
Marcos Knobel e Daniel Kignel*
Presidente e diretor jurídico da Federação Israelita do Estado de São Paulo
17/01/2024 04h00Atualizada em 18/01/2024 15h29
Uma das principais bandeiras do atual governo durante o período de campanha eleitoral era justamente a de recolocar o Brasil em uma posição central no cenário internacional. Dizia-se ser necessário recuperar a imagem de equilíbrio e equidistância de nossa diplomacia, construída ao longo de anos, que legitimava nosso país como um possível intermediador em assuntos de impacto global.
É natural que um governo não consiga cumprir todas as suas promessas de campanha no primeiro ano de mandato, sobretudo no que diz respeito à política externa, área sensível que demanda paciência, tempo, estratégia e doses consideráveis de ponderação. Mas agir de forma abertamente contrária ao que foi prometido já é uma outra história.
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A ideia de que o Brasil pudesse ser um ator relevante no cenário internacional, agindo como ponto de equilíbrio e razoabilidade em assuntos que influenciam o destino de milhões de pessoas, sofreu um golpe do qual talvez não consiga se recuperar.
Ao optar por apoiar a denúncia elaborada pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, acusando Israel de cometer genocídio na Faixa de Gaza, o governo brasileiro evidencia todo o seu empenho em manter o país em uma posição de irrelevância, deixando a política externa ser guiada por questões ideológicas.
Dos mais de 190 países que integram a ONU, apenas um tem o seu direito de existir constantemente questionado.
Passados 75 anos desde a sua independência, a quantidade de pseudogovernantes, pseudojornalistas e pseudointelectuais que afirmam que Israel, juntamente com seus 9 milhões de habitantes, deveria desaparecer, é estarrecedora. Colocar a ideia em prática, no entanto, não é tão simples.
Países como o Irã, que não escondem a sua tara genocida, sabem que não podem atacar o território israelense sem arcar com consequências incapacitantes. Em seu lugar, grupos terroristas como o Hamas atuam "por procuração", e o resultado todos nós conhecemos: ataques como o sofrido por Israel no último dia 7 de outubro, que contou com 1200 mortos e 240 sequestrados, com direito a estupros e degolações como método de escolha.
A resposta israelense foi contundente. O país parece estar determinado a impedir, de forma definitiva, que o Hamas continue a ser um risco para a sua população. Mas enfrentar o Hamas não é o mesmo que enfrentar um exército tradicional. Um grupo terrorista, que tem a covardia como marca registrada, que se esconde em túneis, escolas e hospitais, que não poupa esforços para garantir que os palestinos morram aos milhares, não é um adversário comum.
Combater o Hamas é combater uma ideologia, na qual a violência é o único caminho, e o extermínio dos judeus é a única solução (aos que ainda duvidam, perguntem aos líderes do Hamas, escondidos a milhares de quilômetros de Gaza, qual a opinião deles a respeito da solução de dois Estados).
É por essa razão que a denúncia elaborada pela África do Sul é tão descabida. A demanda sul-africana parte da premissa inconcebível de que Israel tem por objetivo dizimar a população palestina, como se cada uma das trágicas mortes ocorridas em Gaza fosse intencional, premeditada, calculada.
A manifesta ausência de fundamentação jurídica dessa acusação apenas evidencia sua natureza político-ideológica. Não por outro motivo, a ação é apoiada por países como Venezuela, Turquia, Irã, Nicarágua, Bangladesh, Paquistão, Arábia Saudita, Malásia e Namíbia.
Junto com grupo tão seleto de autocracias e ditaduras, cujas políticas já resultaram na morte de alguns milhões de pessoas, está a chancela do Brasil. Uma vergonha que ficará para sempre registrada na história de nossa diplomacia.
O governo brasileiro, na ânsia de assumir uma posição de liderança do chamado "sul global", que se opõe às democracias consolidadas do Ocidente, viu na denúncia contra Israel uma oportunidade de marcar posição, não se atentando ao preço a ser pago.
Quando assuntos internacionais essencialmente jurídicos — como aqueles levados à Corte Internacional de Justiça — são analisados sob um viés ideológico, desvirtua-se a natureza essencial da política externa, tornando-a uma política extrema.
Nossos novos amigos, que apoiam a demanda contra Israel, não são conhecidos exatamente pela sua democracia pujante. Dificilmente o governo conseguirá cumprir a sua promessa inicial tomando decisões tão abertamente equivocadas.
*Marcos Knobel é presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo e Daniel Kignel é diretor jurídico da Federação Israelita do Estado de São Paulo