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O pior negacionismo

Qual negacionismo é pior: aquele que agita as redes sociais negando a mudança climática por puro proveito próprio ou aquele que, tendo pleno conhecimento a seu respeito, a deixa em segundo plano?

O primeiro grupo faz muito barulho dizendo que o aquecimento não existe ou que são misteriosos ciclos naturais e inclui os congressistas que interferem na vida nacional promovendo pautas e legislações que atrasam o enfrentamento da emergência climática. Mas, no fundo são só indiretamente responsáveis por aumentar as emissões de gases de efeito estufa por promoverem pautas que incentivam a grilagem, desmatamento ou criam obrigações para construção de térmicas a combustível fóssil.

O segundo grupo acha que o país tem licença para colocar o que for na frente da urgência do clima. Como declarou o governador Eduardo Leite, que se declara não ser negacionista, do Rio Grande do Sul, "estudos alertaram, mas o governo também vive outras agendas". Nesse caso, as outras agendas impediram que o estado reduzisse a vulnerabilidade de quem mora lá, e deu no que deu.

O governo Leite adotou muitas dessas agendas para atender o agronegócio. O governo reduziu o controle que detinha sobre atividades impactantes que teve, como uma das suas consequências, a perda de milhares de hectares de vegetação nativa em terrenos que teriam amortecido o impacto de enchentes. Até mesmo a proteção das áreas de preservação à beira de rios e represas foi afrouxada, permitindo a expansão de lavouras onde, antes, eram zonas de absorção de eventuais transbordamentos de rios. A pauta climática teima em mostrar que não, não é como as "outras agendas". Pior que no primeiro caso, essas "outras agendas", como o desmatamento, aumentaram as emissões nacionais em menos de 1%.

Nesse segundo grupo tem gente graúda do setor energético que diz que o país ficará pior se não continuar explorando, vendendo e queimando petróleo e seus derivados. Com isso, passam a ser os principais responsáveis pelas inundações no Sul e no Maranhão, pelas secas e inundações na Amazônia e pelas mortes nas encostas da região serrana do Rio de Janeiro e da serra do Mar, no norte paulista. Seus argumentos são tão variados quanto falhos.

Há os que simplesmente ignoram que vivemos numa emergência climática. É difícil crer que, pessoas esclarecidas que são, não saibam, e muito bem, o que está acontecendo. Seu discurso é como se vivessem em outro planeta, ou, pelo menos, em um onde o clima não tivesse mudado.

Falam que as receitas de petróleo e seus derivados serão aplicadas numa transição energética que nunca começa e não tem prazo para acabar. Que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais "limpas" do mundo, ocultando o fato de que mais da metade dela ainda se baseia em combustíveis fósseis.

Também falam que o sistema elétrico exige uma estabilidade que, neste século, só existiu em curtos períodos de tempo. Para recordar as maiores instabilidades, basta ver o apagão de 2001-2, a falta de água em 2014-15, a interferência política em 2015-16, a crise hídrica e política de 2020-21.Sem falar na montanha russa dos preços do petróleo e do gás usado para tocar as tão amadas termelétricas.

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A cada poço de petróleo e gás aberto, a cada refinaria nova ou reformada, o país enterra seus poucos recursos em ativos que aumentarão o número de mortes, as vidas desmanteladas e os sempre "incalculáveis prejuízos". Mas, a despeito disso, há entre aqueles que sabem da realidade e importância da emergência climática, mas defendem que um país pobre como o Brasil precisa dessas receitas e dessa fonte suja de energia para se desenvolver e reduzir a pornográfica desigualdade social do país.

Só que o país não deve ser tão pobre se está entre as dez maiores economias do mundo — além de se vangloriar de ter um agro-tudo que é o mais moderno e mais rentável e querer ser o celeiro de alimentos para o mundo todo. A questão é que foi exatamente este modelo de "desenvolvimento" que alia a herança escravagista com os moldes impostos pela indústria dos combustíveis fósseis em todo o mundo que "pornograficou" a desigualdade social brasileira.

O discurso do principal ministro da fazenda da ditadura militar, Delfim Netto, pregava que era preciso fazer o bolo crescer para, então, dividi-lo. Como todos sabemos, o bolo cresceu e não foi dividido. Repete-se agora: precisamos dos combustíveis fósseis e das suas receitas para, então, dividi-las. Já sabemos onde essa história (não) termina.

A atividade petroleira - da extração à distribuição, passando pelo refino - é intensiva em capital. Não será esse sistema concentrador de renda que reverterá a desigualdade - com ou sem receitas fósseis. Não será extraindo, refinando e queimando derivados de petróleo e gás que seremos imunes ao aquecimento global, muito pelo contrário.

Todos os negacionismos são péssimos. Mas talvez o pior seja o daqueles de que têm o poder para evitar novas tragédias como as do Rio Grande do Sul, de São Sebastião, da Região Serrana do Rio, da seca na Amazônia e por aí vai, mas insistem em apostar naquilo que vai fazê-las mais comuns e intensas: o aumento da exploração de combustíveis fósseis. Não há renda petrolífera que valha os bilhões e bilhões a serem gastos em recuperação. Nem que pague as centenas e milhares de vidas perdidas em catástrofes climáticas.

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*Shigueo Watanabe Junior é físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do Instituto ClimaInfo.

Opinião

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