Proibição de celulares nas escolas: vamos ver além?

O debate sobre a proibição de celulares no ambiente escolar está esquentando por todo o Brasil após a aprovação do Projeto de Lei 104/2015 na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Neste momento, é urgente refletir criticamente sobre como incorporamos tecnologias digitais ao contexto escolar.

A tecnologia pode e deve ser uma aliada na educação. Por isso, a conversa não pode começar e acabar no verbo "proibir". Precisamos, sim, restringir o uso de celulares em alguns contextos, mas as políticas e os nossos esforços precisam dar ênfase aos "usos". A escola que restringe celulares em alguns contextos também deve ser a escola que promove educação midiática. Uma educação midiática crítica e contextualizada, que se vale das tecnologias desplugadas e, também, plugadas.

O projeto aprovado na comissão prevê a proibição do uso de celular dentro de sala, no recreio e também nos intervalos entre as aulas para todas as etapas da educação básica. Ele também proíbe o porte de celular na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. O uso fica permitido apenas para fins pedagógicos ou didáticos, sob orientação do educador, e para questões de acessibilidade, inclusão ou saúde.

Cabe destacar que essas regras não estão valendo para já. O PL 104/2015 ainda tem uma longa jornada de tramitação. Agora, ele vai para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), depois para o plenário da Câmara e, por fim, para o Senado. Não seria este um momento oportuno para ampliar a discussão?

As justificativas para a proibição variam de melhoria de índices de desempenho acadêmico à saúde mental e combate ao bullying. Em uma agenda tão ampla, como mensurar a eficácia dessas políticas? Sobre isso, um relatório (em inglës) publicado recentemente pelo Digital Futures for Children, vinculado à London School of Economics and Political Science, concluiu o seguinte:

  1. Há muita atenção midiática e poucos estudos sobre os efeitos das políticas públicas no que tange uso de celulares nas escolas e piora do desempenho acadêmico;
  2. Embora o termo "proibição" seja muito utilizado, as políticas variam consideravelmente em conteúdo e implementação. Poucas escolas implementam proibições absolutas, e pesquisas sobre as opiniões de educadores e alunos mostram uma preferência por políticas com nuance, que permitam certos usos benéficos.
  3. Vários estudos indicam benefícios para o desempenho acadêmico dos alunos quando o uso de celulares é restrito, especialmente para crianças de baixa renda ou cujo desempenho é subótimo. No entanto, seus métodos são contestados. Outros estudos não mostram benefícios ou indicam até efeitos prejudiciais. Com tão poucos estudos, as evidências não são suficientemente detalhadas para definir quais políticas funcionam melhor para todo o corpo discente ou para crianças de diferentes faixas etárias;

A necessidade de evidências científicas mais robustas é uma dimensão incontornável desse debate. A outra dimensão incontornável é o desafio para implementar e fiscalizar as proibições de celulares. Convido você, que lê este artigo, a visitar alguma escola de municípios ou estados brasileiros que já optaram pela proibição. Tente contar quantos celulares você vê durante o recreio. Provavelmente perderá a conta. No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura optou pela proibição no início de 2024, por meio do decreto Nº 53918. Em Porto Alegre, desde 2011 os celulares são proibidos durante as aulas. Em alguns estados, como o Maranhão, os dispositivos também estão proibidos.

A opinião popular parece concordar com essas políticas. No Rio, uma consulta pública com mais de 10.000 contribuições identificou que 83% seriam favoráveis. O Instituto Datafolha, por sua vez, revelou concordância por 62% da população do país. Em São Paulo, sete em cada dez escolas privadas pretendem endurecer suas regras, com ou sem lei no Congresso.

Atualmente, entretanto, o debate público sobre a proibição de celulares está repleto de armadilhas. Uma delas é perpetuar a ideia de uma escola separada das outras esferas da vida de seus alunos. Ou, conforme disse o psicanalista Christian Dunker, escolas "como condomínios murados, com circulação controlada por catraca".

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Em maio deste ano, uma análise feita partir de dados da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) do SUS, do PISA e IBGE, mostrou que os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos pela primeira vez no Brasil. Houve também uma queda no senso de pertencimento escolar. No início do século, 91,4% das crianças brasileiras diziam fazer amigos com facilidade na escola. Esse número caiu para 86,3% em 2012, e para 69,6% em 2022. Isso é resultado do uso de celular no recreio? Ou será que tem a ver com uma mudança social mais ampla, que fez com que meninos e meninas passassem os seus dias trancados em quartos, ligados a jogos, mídias sociais e séries no streaming? A restrição do celular no recreio contribui para resolver esse segundo problema? Pode ser que sim, pode ser que não. De quais outras formas a escola pode enfrentar esses desafios?

Em meio às novas propostas de legislação com restrições, não podemos esquecer que a escola é uma parte especialmente importante da conversa e da solução para os desafios relativos à garantia de direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital. A hora é oportuna para ampliar o debate. Só assim teremos decisões certeiras e de longo prazo.

*Victor Vicente é head de educação midiática do Instituto Felipe Neto (IFN) e coordenador de educação e difusão do conhecimento do Brazilian Institute of Data Science - BI0S, sediado na Unicamp. Ele é doutorando na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador visitante no centro CARISM, sediado na Université Paris-Panthéon-Assas.

**Camilo Coelho é o idealizador, co-criador e atualmente ocupa o cargo de diretor do Instituto Felipe Neto (IFN).