Topo

Músico protesta contra aumento de salários de deputados e pode ser enquadrado por "crime contra a honra"

Lucas Azevedo

Especial para o UOL Notícias<BR>Em Porto Alegre

03/08/2011 18h31Atualizada em 03/08/2011 23h06

Gangue da Matriz, por Tonho Crocco

Um clipe criado de forma caseira em menos de 24 horas e colocado na internet repercutiu nos principais noticiários políticos do Rio Grande do Sul nesta quarta-feira (03). Armado com papel, caneta e muita criatividade, o músico gaúcho Tonho Crocco, criador da banda Ultramen, escreveu um rap para protestar contra o aumento de 73%  dos salários dos deputados estaduais do Rio Grande do Sul, aprovado na Assembleia Legislativa gaúcha em janeiro.

Na música, Crocco nomeia os 36 deputados estaduais gaúchos que votaram a favor do aumento, o que fez com que seus vencimentos passassem de R$ 11.564,76 para R$ 20.042,34 reais. Os parlamentares sentiram-se ofendidos com o clipe musical e acionaram o Ministério Público, que pode processar o compositor por crime contra a honra.

Chamado de “Gangue da Matriz”, a música faz alusão à Assembleia Legislativa, localizada na praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, e, ao mesmo tempo, é uma referência a uma famosa gangue da cidade da década de 1980.

Frases como “Capitalistas, comunistas, todas as vertentes presentes na lista / Raul Carrion, que decepçon (sic) /Até os que eu achava que eram sangue bom” e “Vinte mil por mês pro Gilmar Sossella / traz que eu asso dois mil quilos de costela” geraram constrangimento entre os parlamentares.

A divulgação da música nos meio sociais fez com que os deputados cobrassem uma providência do então presidente da Casa ,Giovani Cherini (PDT), atualmente deputado federal.

Em 12 de janeiro deste ano, foi protocolada na Procuradoria-Geral de Justiça uma representação para que o Ministério Público Estadual investigasse se o rap poderia ser compreendido como crime. No documento, o parlamentar afirma que o protesto “afasta-se da manifestação saudável e democrática para inserir-se no capítulo de crimes contra a honra”.

“Recebi uma intimação em casa. Li o processo e descobri que foi feita conta mim uma representação de ilicitude. Acho que isso tudo é censura”, disse Crocco. Uma audiência preliminar está marcada para 22 de agosto, quando se determinará se o processo avança ou será arquivado.

Mas Crocco garante: “Quero ser julgado inocente. Não fiz nada errado. Apenas exerci minha cidadania ao usar uma metáfora, uma analogia poética”. Se for condenado, Crocco poderá pegar de um mês a dois anos de prisão.

A votação do aumento dos salários ocorreu em 21 de dezembro. No dia 22, o clipe de Crocco já estava na internet, no site Youtube e na própria página do cantor. Em oito meses, 35 mil pessoas acessaram o vídeo. Depois da repercussão, em menos de um dia, mais de dez mil internautas viram o clipe.

E é na própria web, onde começou toda a discussão, que Crocco encontra as maiores manifestações de apoio. No Twitter foi criada a hashtag #freecrocco, que, nesta quarta-feira, já estava em terceiro nos Trending Topics Brasil.

A reportagem procurou o deputado Giovani Cherini, que está em Brasília, mas não conseguiu entrevistá-lo. Sua assessoria informou que o envio da representação ao MP na época apenas atendeu aos pedidos dos seus colegas. O documento solicitava que os procuradores avaliassem se o conteúdo da música era ofensivo.

Na tarde desta quarta-feira, uma nota de esclarecimento foi publicada no site de Cherini.  No documento, o deputado explica que a origem do processo foi “um singelo ofício comunicando o ocorrido, feito pela Presidência da Assembleia Legislativa ao Ministério Público”.

Ele informou que seu nome não está mencionado na canção e que a ação penal contra o músico é movida pelo próprio MP. “E que se a fez [a ação penal], a realizou por ter formado convicção acerca da existência de conduta criminosa por parte do músico.” O Ministério Público foi procurado e, através de sua assessoria, informou que ninguém ainda foi nomeado para comentar o caso.

Repercussão

Na noite desta quarta-feira (3), o site da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul saiu do ar. Em seu perfil oficial no Twitter, o grupo de hackers LulzSec Brazil, que há duas semanas invadiu diversas páginas governamentais e empresas pelo país, afirma ser o autor do ataque em represália à representação contra o música Tonho Crocco.

O superintendente-geral da Assembleia, Ricardo Haesbaert, confirmou que a página está fora do ar por "excesso de carga no seu link". Até o fim da noite, técnicos trabalhavam para restabilizar o site e confirmar se o problema foi decorrente de um ataque hacker.