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Leia a transcrição da entrevista de Manuela D'Ávila à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

04/07/2013 06h00

Manuela D’Ávila, deputada federa (PC do B/RS) participou do "Poder e Política", programa do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 3.jul.2013 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Manuela D’Ávila – 3/7/2013

Narração de abertura: Manuela Pinto Vieira D´Ávila tem 31 anos. É deputada federal pelo PC do B do Rio Grande do Sul.

Manuela D´Ávila nasceu em Porto Alegre. É jornalista formada pela PUC do Rio Grande do Sul.

Em 1999, iniciou sua trajetória política no movimento estudantil. Foi diretora nacional da União da Juventude Socialista, a UJS, vinculada ao PC do B, e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes.

Aos 23 anos, elegeu-se vereadora por Porto Alegre.

Abandonou o mandato na metade, para se eleger deputada federal. Foi reeleita para um segundo mandato na Câmara, em 2010.

Foi a deputada federal mais votada do Rio Grande do Sul nas suas duas eleições.

Candidatou-se à Prefeitura de Porto Alegre em 2008 e terminou em terceiro lugar.

Concorreu novamente à Prefeitura de Porto Alegre em 2012, quando recebeu o apoio da senadora do PP Ana Amélia Lemos, mas ficou em segundo lugar.

No momento, Manuela D’Ávila é líder do PC do B na Câmara.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

A entrevistada desta edição do Poder e Política é a deputada federal [PC do B/RS] Manuela D’Ávila, líder também do seu partido, o PC do B, na Câmara dos Deputados.

Folha/UOL: Olá, deputada Manuela D’Ávila. Tudo bem?
Manuela D’Ávila
: Tudo ótimo.

Deputada, a presidente Dilma agiu bem ao propor primeiro uma constituinte e depois um plebiscito para a reforma política?
Eu acredito que a presidente agiu bem ao fazer a leitura que a população brasileira, dentre as diversas críticas que a presidente, nas manifestações populares, tem. Entre elas, uma forte crítica às instituições colocadas de maneira geral e, entre essas instituições, as instituições políticas. Como presidente do Brasil, ela tem a necessidade de traduzir e as instituições políticas precisam ser reformadas.

Então, ela agiu de maneira adequada ao propor a reforma política. Escolheu como forma de reformar a política, sugeriu como forma de reformar a política um plebiscito. Então, na minha avaliação, [agiu bem] sim. Ela traduziu a indignação das ruas como método de reforma política um plebiscito. E nós o apoiamos.


A primeira proposta era uma constituinte exclusiva. Era uma boa proposta também?
Na minha avaliação, sim. Mas ela foi modulando essa proposta também para fazer novas consultas. E eu acho isso absolutamente natural. As pessoas reagem de maneira muito ruim às críticas e às modulações das propostas, como se isso fosse o fim do mundo. Acho que nós somos um país que ainda reage de maneira muito nebulosa à mudança de opinião e às modulações. Eu defendi a constituinte exclusiva, achava que seria uma boa.

O Congresso vê... Eu sou uma parlamentar muito jovem, embora já tenha sete anos de mandato de deputada e já vi três parlamentares relatarem a reforma política. Vi o [ex-deputado] Ibsen Pinheiro [PMDB-RS], que foi meu colega, o [ex-deputado] Flávio Dino [PC do B/MA], que foi meu colega, porque já não são mais deputados, e, agora, o Henrique Fontana [PT/RS]. As três tentativas naufragaram. Nós temos que ser claros. O Congresso, a Câmara dos Deputados, não consegue chegar a um consenso, a uma maioria sobre os temas da reforma política.

Por isso, a constituinte era uma ideia válida e por isso o plebiscito pode não só ouvir a população, mas, também tenhamos a humildade, auxiliar a Câmara a construir maioria sobre as opiniões. Por isso, na minha avaliação, as sugestões que a Dilma dá ao Congresso são absolutamente válidas.

Tem algumas das sugestões que ela fez nos cinco itens que ela enviou aí nessa mensagem ao Congresso que não agradaria a sra.?
Na minha avalição, ela faz sugestões mais simbólicas e nós do PC do B defendemos, por exemplo, voto secreto. Eu acredito que o Congresso pode resolver mais rapidamente porque já há uma unanimidade no Congresso sobre o fim... Unanimidade, né? Unanimidade entre aspas. Mas já há, digamos, uma maioria no Congresso para aprovar muito rapidamente.

E nós do PC do B achamos que o plebiscito deve girar em torno de duas ou três questões. Não devemos levar muito as questões às ruas. Devemos levar as questões centrais do sistema político que são, sobretudo, financiamento e sistema de voto. Para nós, essas são a questões nevrálgicas que devem ser reformadas. Se o financiamento deve continuar sendo privado ou não, que é a questão essencial, não os adereços do tipo do financiamento. E como deve ser o sistema de voto. Ele deve continuar sendo proporcional ou não, distrital ou não.

E aí, as bijuterias, digamos, os adereços disso, a Câmara tem condições de construir. Inclusive porque é comum e nós já temos visto muitas manifestações. Até me surpreende porque alguns têm a coragem de dizer publicamente isso – achei que só teriam coragem de dizer nos corredores em baixo tom de voz – que o povo não tem condições de [se] manifestar sobre temas complexos como a política. Eu fico surpreendida com a petulância de algumas pessoas ao dizer isso.

Mas nós precisamos de tempo de propaganda política sobre esses. Propaganda política no sentido de propaganda esclarecedora sobre essas matérias. Como é o financiamento público, como será o fim...

A sua opinião sobre financiamento público é a favor? O seu partido é a favor de financiamento público exclusivo?
Do fim do financiamento privado. Eu defendo que os cidadãos possam contribuir. Então não é público exclusivo. Eu defendo que tu possas contribuir com candidatos.

Mas não empresas?
Não empresas. Por isso o fim do financiamento privado. E também o fim do voto individual, não é? O novo tipo de sistema político também. Nós precisamos de tempo para esclarecer a população sobre isso.

Então, há necessidade de que o plebiscito seja bem construído. Por isso nós defendemos que sejam poucas as perguntas.

Tem alguns itens na reforma política sempre debatidos que vão afetar os seu partido particularmente. Por exemplo, o fim da coligação para eleições proporcionais, que está, inclusive, mencionado na mensagem da presidente. Qual é a sua opinião e a do PC do B sobre o fim da coligação para eleições proporcionais?
Nós somos contra o fim das coligações e nós achamos que essa não é uma questão essencial na reforma política.

Por que é contra?
Porque, diferentemente do que os grandes partidos alegam, para nós o número dos partidos não é uma questão essencial na reforma que o sistema político brasileiro precisa fazer. Nenhuma das crises políticas que o Brasil viveu, Fernando, diferentemente do que muitas vezes a imprensa ou os grandes partidos alegam, passam pelo número de partidos. Passam sim pelo tipo de financiamento que a política brasileira vive.

Veja bem. A governabilidade brasileira não se dá pelos pequenos partidos. Se dá pelos grandes. A falta dela. Quem não conseguiu governar pela falta de relação com o PC do B no Congresso Nacional? A presidente Dilma teve problema de relacionamento com o PC do B quando? Um partido que se relaciona pela relação política, pelo projeto de país... não é uma verdade. Os problemas se dão pelas relações, sobretudo, com os grandes partidos.

Então, nós achamos que os pequenos partidos, aqueles que são ideológicos, fazem parte e estão garantidos constitucionalmente quando está escrito na Constituição que este é um país democrático em que é garantida a livre manifestação do pensar e a diversidade, a pluralidade, partidária.

Mas o PC do B é aliado ao governo da presidente Dilma Rousseff, que pertence ao PT, da presidente. Ela propôs o fim da coligação...
Ela sugeriu nas perguntas. Como sugeriu o fim do voto [secreto].

Sugeriu. Nesse caso, o PC do B não teve como influir para deixar isso de fora?
Nós sugerimos à presidente que o plebiscito tenha poucas perguntas. Mas nós não somos obrigados a concordar com ela em tudo e nem ela conosco. Isso faz parte da democracia.

A coligação na proporcional para eleições para deputados, ou vereador, ou deputado estadual permite, por exemplo, que partidos de esquerda estejam coligados com partidos de direita ou de centro ou, se desejar esse tipo de designação, partidos liberais com partidos conservadores. Aí o eleitor às vezes dá um voto para um candidato a deputado que é liberal ou de esquerda, como seja, mas ele está coligado também á outros candidatos que são conservadores. Às vezes, o voto que ele dá para o liberal vai para o conservador e vice-versa. Isso não é ruim e não deixa a política mais difícil de ser compreendida pelo eleitor?
Se essa máxima fosse uma verdade, os grandes partidos deveriam propor também o fim das coligações na eleição majoritária. Porque ao acabar na eleição proporcional, não está acabada a coligação na eleição majoritária. E não está...

Mas é diferente. Veja bem que na eleição majoritária...
Desculpa. Não está proibida a coligação de um partido conservador com um partido não conservador na eleição majoritária.

Mas veja que é diferente. Deixe só eu fazer uma observação. Quando a gente elege um presidente, um governador e um prefeito, ele é o presidente, o governador e o prefeito de todos daquela circunscrição. Então, ele vai representar os conservadores e os liberais. E digamos que, em algum momento, uma pessoa consiga centralizar todos os apoios dos liberais e dos conservadores porque é um cargo apenas. Quando se trata da Câmara dos Deputados, é natural que os conservadores queiram eleger conservadores e os liberais eleger os liberais. Mas, no sistema atual do Brasil, o liberal vota no liberal, elege o conservador e vice-versa. É isso o que eu estou dizendo.
Sim. Porque o nosso sistema tem distorções. Por isso que nós precisamos discutir todo o sistema de eleição. Se nós discutirmos que nós teríamos lista, as coligações podem estar dentro de frentes políticas. E, aí, não haverá mais essa contradição que tu colocas.

No Uruguai, no sistema uruguaio, de listas partidárias, as coligações ou o que nós chamamos de coligações se dão dentro de frentes partidárias. E, aí, as frentes partidárias são frentes dentro de uma aliança mais ideológica, para usar um termo um pouco forçado porque não estão dentro de uma ideologia, mas dentro de um campo político.

Então, nós estamos discutindo uma tese dentro de um sistema político brasileiro atual numa reforma política que não aconteceu. Por isso que há o risco de nós debatermos as coligações brasileiras atuais, que eu também acho que podem incorrer excessos dentro do que tu te referes, dentro do sistema brasileiro atual, para um sistema que nós estamos planejando num futuro. Nós estamos especulando uma hipótese para um Brasil do futuro dentro de um Brasil do presente.

Então, nós somos contra especular essa tese para o sistema político futuro sem sabermos quais serão as hipóteses aprovadas, Fernando. Porque nós estamos discutindo o quê? Listas? Nós vamos acabar com coligações para listas?

Na sua opinião, o sistema de voto em lista fechada, como defende, por exemplo, o PT, é bom ou ruim?
Ele é melhor que o atual. Ele é melhor que o atual. Por quê? Porque eu defendo que nós votemos em ideias e não mais em pessoas. Aí nós podemos ter as federações partidárias por quatro anos. Alianças por quatro anos. Aí, o termo coligação continua a ser defendido por nós num outro sentido, não no atual.

Qual é, na sua avaliação, o grau de influência que tem o sistema político atual na insatisfação das pessoas que foram às ruas protestar e que faz com que pouquíssimos brasileiros hoje acordem de manhã e digam assim: “Puxa, estou pensando em me filiar a um partido político hoje.” Ninguém mais pensa isso quase. São poucas as pessoas que estão querendo se filiar aos partidos e construir os partidos. Essas pessoas da rua, por exemplo, muito poucas. Qual é a razão disso estar acontecendo? Eu sei que tem muitas teorias, a gente estava até comentando um pouco antes, mas qual é a sua teoria e o grau de influência que o atual sistema político tem nisso tudo? Na indignação das pessoas.
Eu acho, como eu te disse antes, que a insatisfação das pessoas que estão nas ruas se dá por diversas causas. É uma insatisfação difusa. As pessoas têm centenas de motivos para estar nas ruas, mas o sistema político brasileiro é uma das causas. O nosso sistema faz com que eu, enquanto parlamentar, por diversas vezes tenha pensado se seguiria concorrendo ou não. E o parlamentar que diga que não refez essa reflexão provavelmente não esteja sendo honesto consigo mesmo.

Então, eu acredito que os jovens não façam a reflexão sobre a filiação na maior parte dos partidos porque os partidos são estruturas que não conseguem se adaptar a esse tempo novo, dessas manifestações diferentes de uma realidade que se transformou muito mais rapidamente do que os partido conseguiram se transformar.

Os partidos ficaram obsoletos diante dessa nova [realidade]?
Claro. E a maior prova disso, eu não preciso fazer tese sobre isso: Há 15 anos, o Congresso tentando reformar a política e não consegue. Quer dizer, a prova disso é que o próprio Congresso tenta mudar o sistema político. Se o Congresso se reúne para fazer a reforma política é porque ele sabe que a política está superada. Uma coisa é se ele não consegue.

Tem algum aspecto positivo no atual modelo político brasileiro?
Ele é democrático.

Mas sem ser o conceito. Algum detalhe funcional dele que seja positivo e não deva ser jogado fora?
Acho que nós temos várias coisas que as nossas cidades foram complementando que são positivas. A minha cidade mesmo [Porto Alegre] tem há quase 30 anos o orçamento participativo. Como é que tu vai jogar fora isso? Então tem experiências que são muito positivas nas cidades, não é? E que o povo também foi aprendendo. É isso que faz com que as pessoas estejam nas ruas, Fernando. A democracia brasileira é muito jovem. A gente não pode jogar tudo o que nós construímos desde a redemocratização fora.

Essas pessoas estão na rua... Alguém me disse isso. Todo mundo está falando muito, não é? Acho que provavelmente alguém no táxi. O taxista falando. Só o fato de as pessoas estarem nas ruas sem medo... Eu tenho 30 anos. 31 anos. E provavelmente há 15 [anos], quando eu comecei a participar de manifestações, a minha mãe não tivesse deixado eu voltar para o protesto depois da repressão policial dos primeiros. Então, o fato dos protestos terem crescido após a repressão policial é a prova de que a democracia brasileira é muito sólida.

Então, só de a gente ter conseguido protestos crescentes após a repressão policial, é a prova de que o nosso país tem uma democracia sólida. De que essas pessoas, dentro delas, independente de qualquer coisa que exista, elas acreditam no nosso país, na nossa democracia.

Essa indiferenciação que os manifestantes em geral fazem sobre os políticos, contra todos, contra tudo, tem origem no quê? Por que eles olham nos políticos, que são diferentes – tem bons, tem ruins – e acham que todos são ruins?
Porque é muito difícil diferenciar mesmo. Eu acho que é natural que o sistema político, que é tão complexo de ser compreendido no nosso país... É difícil eu depurar esse sistema para quem está fora dele, para quem tem dificuldade de acompanhar. E também porque a participação dos cidadãos – eu tentei falar isso para aqueles que conversavam comigo – é muito baixa.

Então, também é a hora dos políticos que têm uma participação diferenciada conversarem com essas pessoas e dizerem para elas alguns pontos importantes. As pessoas perguntavam: “O Congresso agora está votando mais sintonizado com a população?” Pois então, reflitam sobre o papel que vocês têm em acompanhar o parlamentar de vocês.

Eu gosto muito de uma frase que o Rio Grande o Sul, ao menos, se diz: “Quando a gente aponta um dedo para o outro, os outros ficam para nós.” Então, o dedo dos manifestantes foi apontado para uma parte da política, certo? Os outros também podem ser apontados para eles para que eles reflitam sobre o papel que eles têm enquanto cidadãos. Não é?

Então, se essa cidadania saiu para as ruas, esses cidadãos fizeram com que o Congresso, por exemplo, atuasse mais sintonizado com os anseios deles. Se eles forem cidadãos ou fiscalizarem, ao menos o parlamentar em que eles votaram, todos os dias, e não só depositarem ou debocharem do voto, como muitos fazem, todos os dias. “Ah, votei e tanto fez, tanto faz.” Muitos fazem isso. A gente sabe disso. “É um saco a eleição. Vou viajar na eleição. Não estou nem aí para o meu voto.” Muitos fazem isso. Acham feio votar. Acham feio...

Muitos talvez não se lembram hoje em quem votaram há quatro anos.
Hoje não. 30 dias depois. Vocês fazem pesquisa sobre isso, não é? E hostilizam o voto. Então, se a gente não olhar para o dedo que aponta, mas olhar para olhar para os outros três que ficam apontados para a gente, talvez o Congresso, apenas para dar um exemplo das instituições hostilizadas, trabalhe mais permanentemente. A pari passu com os anseios da sociedade.

Então, uma recomendação para os manifestantes seria tentar observar em que eles votaram e cobrar mais desses representantes que eles elegeram? É isso?
Eu acho que sim. Eu acho que ser cidadão não é... A manifestação, para mim, que vim do movimento social, é um exercício de cidadania. É uma das formas de ser cidadão. Eu acredito na participação a partir do voto também. E acho que... Como é que a gente não perde força de manifestação? Quer dizer, não dá para quem estar indo na rua ficar na rua o dia inteiro. Não existe estado de vigília, não é? Rua é uma forma de manifestar.

Essa indiferenciação... Eu até ia te perguntar. No caso da sua disputa pela prefeitura de Porto Alegre em 2012, teve uma aliança em torno do seu nome com partidos que não são ideologicamente afinados ao PC do B historicamente. O PP, não foi isso? Apoiou?
Não. Não me apoiou não.

Mas a [senadora] Ana Amélia apoiou.
A Ana Amélia me apoiou.

Ana Amélia, que é do PP, apoiou de maneira informal. Estava na sua coligação também o PSC ou não?
Estava.

PSC que é um partido cristão, de valores mais conservadores, tradicionais. Este tipo de aliança que os políticos têm que fazer por conta do sistema atual contribui para que as pessoas sintam essa indiferenciação geral?
Eu acho que quando os candidatos flexibilizam o que eles acreditam, sim. Então, eu vi muitas vezes, ao longo da minha vida, candidatos com uma plataforma num sentido negarem publicamente aquilo que eles acreditam. Eu jamais fiz isso.

Então, eu jamais me pronunciei... Por exemplo, o PSC me apoiou e eu continuei sendo uma candidata que defendeu todas as bandeiras relacionadas aos direitos humanos. Então, mesmo naquele episódio, o [deputado] Marco Feliciano [PSC-SP] gravou um longo e extenso vídeo dizendo que negava o partido dele. Antes de ele ser quem ele é, não é? De se tornar alguém conhecido nacionalmente. Dizendo que tinha vergonha do partido dele em função do apoio a mim.

Então, eu acho que o que interessa são as bandeiras que nós defendemos e a não flexão delas. Por quê? Porque a candidatura a prefeito, como tu dissestes, é uma candidatura que representa uma plataforma. Se os partidos localmente topam  a defesa daquela plataforma para a cidade, enfim, eles aderiram a um conceito de administração que nós fixamos para Porto Alegre. Não houve nenhuma flexibilização dela.

No caso do PSC, o Partido Social Cristão, é um partido que defende muitos valores mais tradicionais. Família... É contra a liberalização do aborto, contra a liberalização das drogas. É um partido mais conversador, de corte conservador. Esse partido apoiou também a presidente da República em 2010, na campanha dela vitoriosa. A presidente Dilma Rousseff. Durante a campanha de 2010, houve uma discussão grande sobre esses temas no Brasil. E a presidente Dilma, na época candidata, acabou tendo um discurso moderado em relação a esses temas. Na sua opinião, ela acabou ficando refém desse tipo de aliança muito ampla?
Eu conheço bem a presidente Dilma e acho que ela é alguém incapaz de se tornar refém de qualquer pauta. Ela é uma mulher muito corajosa para ser tratada como refém de qualquer pauta. O que eu acho é que ela é presidente de um país que ainda apresenta muitas contradições sobre esses temas e é natural que ela medeie não o seu discurso, mas que ela medeie as posições do país. Ela tem a obrigação de não apresentar a sua posição individual, mas de mediar a posição do país até o país amadurecer esses temas.

Mas o fato de ela ter adotado um discurso mais moderado e ter se recusado a repetir o que tinha dito no passado a respeito de ser a favor de a mulher ter o poder de decidir se vai fazer ou não o aborto, como ela tinha dito, na campanha ela deixou de fazer isso. Significa o quê?
Eu acho que nós temos ainda muitas dificuldades no Brasil, sobretudo no Congresso Nacional, de pautar esses temas. E isso faz com que uma mulher, enquanto candidata a presidente da República, sempre seja colocada numa situação mais constrangedora. Sobretudo quando o então candidato José Serra [PSDB] fez uma campanha absolutamente conservadora e a levou a ter posições mais tímidas nesse sentido.

Nós mulheres, Fernando, sempre somos colocadas numa posição mais defensiva quando surge a pauta do aborto porque nós somos um país muito conservador nesse tema. Nunca essas perguntas são feitas de maneira ofensiva aos candidatos homens, entende?

Eu recentemente dei uma entrevista para uma revista feminina em que essa pauta era colocada. Os candidatos homens, na pauta do aborto, nunca são tratados da mesma maneira que as candidatas mulheres porque... E aí me perguntam: “Por que isso?” Porque eles não têm útero.

Não em todos os lugares, não é?
Não em todos os lugares. Mas, no Brasil, essa pauta sempre vem com uma força gigantesca quando as candidatas mulheres surgem com força. E aí me perguntavam por que, por que, por que. E aí eu fiquei vendo tudo que é lado e a única resposta que me veio foi uma resposta engraçada. Porque eles não têm útero. Porque, invariavelmente, eles não podem ser submetidos ao aborto.

Então, sempre surge como uma força maior quando as candidatas mulheres têm [chances], surgem e podem vencer as eleições. Então, o que eu acho é que nós temos que, no Brasil, fazer a reflexão sobre o número de mulheres que são submetidas a essa prática, se nós queremos que essas mulheres continuem morrendo ilegalmente e se nós vamos continuar permitindo que o Congresso Nacional não debata os procedimentos... Agora mesmo, ontem [2.jun.2013] nós tivemos o arquivamento do projeto da “cura gay”, só para tu ver como o Congresso é conservador, que é um projeto que tratava dos tratamentos psiquiátricos para os homossexuais. Nós temos um outro projeto que oferece bolsa para as mulheres que foram vítimas de estupro não fazerem aborto, que proíbe o aborto para mulheres vítimas de estupro, mas que também proíbe outros procedimentos que a ciência formulou. Que proíbe que as mulheres engravidem por métodos que a ciência avançou com todas as técnicas com embriões de laboratório. E que o Brasil nem sequer discute.

A sua posição é a favor da liberalização da lei que regula o aborto no país?
Eu sou a favor que o Brasil vá avançando gradativamente nessa lei. E sou a favor que o Brasil, por exemplo, hoje estabeleça o aborto dos fetos anencéfalos para as mulheres.

Agora, não é curioso que num país como o Brasil, que tem um governo de um partido que tem origem na esquerda, que tem uma aliança forte do centro para a esquerda e cujos dirigentes, pelo menos a maioria desses partidos de esquerda, sejam a favor dessa posição que a sra. disse, mas que, depois de 10 anos no poder, não tenha conseguido vencer e impor essa pauta ao Congresso?
Se não é curioso? Não.

Não? Por quê?
Não acho curioso porque nós somos um país que tem muitas contradições e essa é uma delas. A nossa política ainda é predominantemente machista e conservadora nessas pautas.

Ou seja, vai demorar?
Vai demorar bastante.

Qual que é a tua avaliação? Quanto tempo?
Nós ontem votamos o “cura gay” no Congresso. Como é que eu posso achar curioso?

Mas o que você acha? Você acha que é coisa de 10 anos, 20 anos? Qual que é a tua expectativa para esse tipo de agenda avançar no país?
Eu espero ser surpreendida como eu fui e muitos foram por manifestações gigantescas e lindíssimas nas ruas do país. Então, eu espero que a minha bola de cristal esteja errada.

A tua bola de cristal diz o que?
A minha bola de cristal diz que nós levaríamos... Acho que pelo menos 5, 7 anos. Na próxima década isso pode acontecer, mas não é uma coisa que pode acontecer...

Não é uma coisa para amanhã?
Não é uma coisa para amanhã.

Para essa legislatura, muito difícil?
Não. Não é. E é muito triste porque embora eu, como todas as mulheres, o sonho da minha vida é ter um filho. Então, eu não faria um aborto. Eu acho que nenhuma mulher faria um aborto. Mas nós temos mulheres pobres que morrem fazendo abortos clandestinos. As mulheres ricas não, não é? Porque conseguem fazer em outros países, ou conseguem fazer pagando um preço caro pelo aborto ilegal. Mas nós temos muitas mulheres que fazem e morrem ainda no nosso país.

Tem um outro debate também que é polêmico, que é a legalização das drogas ou de parte das drogas, pelo menos. Do consumo e uso de drogas. Esse também cai no mesmo escaninho, que vai demorar porque o país é conservador para avançar no Congresso?
Para mim, são questões bem diferentes porque um tema lida com a questão legalização de fetos anencéfalos, por exemplo, que era o que a gente estava discutindo, lida com a questão da saúde de mulheres, sobretudo mulheres pobres, que já estão morrendo. A questão da legalização de um tipo de droga lida com um outro de tipo valor, com outro tipo de sociedade. Embora as duas coisas aconteçam em sociedades mais modernas e nos mesmos tipos de países, não é?

Mas eu acho que o Brasil não está preparado para nenhum tipo dos dois debates ainda porque nós somos conservadores para as duas pautas.

No caso da liberalização das drogas, ou descriminalização do uso das drogas...
São temas diferentes.

Exato. A descriminalização do uso de drogas total. Qual é a sua opinião?
Primeiro que são duas coisas diferentes [a questão do aborto e a questão das drogas]. Eu defendo que o usuário seja sempre tratado como um dependente químico e, portanto, com medidas que reestabeleçam a sua saúde e não com medidas que o coloquem no sistema penitenciário. O sistema penitenciário, para mim, deve ser um sistema que prenda aqueles que cometam delitos e não aqueles que precisam ter a sua saúde reestabelecida. Então, o primeiro é esse.

Por isso que as drogas serem tratadas de maneira não criminosa, para deixar claro que é diferente de serem livres, não criminosas, é importante e grande parte delas para o usuário já é tratada na legislação atual. Algumas tiveram retrocessos na legislação aprovada recentemente na Câmara dos Deputados no projeto do deputado Osmar Terra [PMDB/RS].

Hoje, para mim, o Brasil não tem condições de liberar as drogas. Hoje. O Brasil hoje não tem condições de liberar as drogas.

Por quê?
Porque somos um país com muitas fronteiras com o narcotráfico. Então, nós temos que resolver algumas questões relacionadas a isso para podermos dar passos num outro sentido.

Entendi. Primeiro resolver um problema policial, vamos dizer assim, nas fronteiras, de segurança...
Hoje. Eu digo isso hoje.

Entendi.
Eu não digo no Brasil ideal. No meu Brasil ideal seria outra realidade.

Mas uma vez resolvido esse problema nas fronteiras, essa seria uma possibilidade?
Essa seria uma possibilidade. Nós não somos nenhum país europeu.

Definitivamente não.
Para esse assunto também.

A insatisfação dos manifestantes nas ruas, deixe eu voltar um pouco a isso, tem sido também contra certas atitudes que os políticos têm quando ocupam cargos públicos. O presidente da Câmara dos Deputados [Henrique Eduardo Alves – PMDB/RN] utilizou um avião da FAB [Força Aérea Brasileira], que ele tem direito de usar para se deslocar quando necessário pelo cargo que ocupa, para ir até Natal buscá-lo junto com vários integrantes da sua família e ir até o Rio de Janeiro na última sexta-feira. Passou três dias lá para assistir o jogo da seleção brasileira. Todos os parentes também. E depois retornou, pouco depois das 11h da noite, para Natal, levando ele, Henrique Alves, e sua família de volta a Natal. É correto isso?
Não.

O que deve ser feito nesse caso?
Não sei. Eu vou ouvir os meus outros colegas. Mas acho que é uma atitude incorreta do presidente [da Câmara] usar o avião. Usar o avião da FAB, como tu disseste, é um direito dele para as atividades dele enquanto presidente da Câmara dos Deputados. Então, na minha avaliação, eu não usaria um avião da FAB para nenhuma atividade que não fosse absolutamente de trabalho.

E, embora estar num jogo da seleção brasileira possa ser considerado uma atividade oficial, como a presidenta da República, os presidentes dos poderes tradicionalmente estejam em jogos da seleção, eu não iria com a minha família à um deles.

A história do Brasil tem fartos exemplos semelhantes recentes. E a experiência geral que a gente tem é que acontece, as pessoas ficam um pouco chateadas, olham de lado, mas nada acontece. O que tem que acontecer quando ocorre um evento desses?
Eu acho que a história das punições tem sido alterada no nosso país no último período. E nós... A Câmara dos Deputados, recentemente... Inclusive sob a presidência do Henrique, que, na minha avaliação, tem se esforçado bastante para dar respostas mais rápidas à sociedade. Eu tenho uma avaliação positiva dele enquanto presidente da Câmara nesse sentido.

Inclusive, nós tivemos o exemplo da prisão do deputado Natan [Donadon], que foi uma decisão muito célere dele enquanto presidente da Câmara, tanto qual seria o rito da perda do mandato dele ao ser decretada a prisão, como seria instalado o processo de cassação...

Posso fazer uma observação sobre isso? O Natan Donadon foi condenado a 13 anos por peculato e formação de quadrilha em 2010. E ficou recorrendo. A Câmara não abriu nenhum procedimento contra ele desde 2010. Esperou ele ir para a cadeia para fazer alguma coisa contra ele.
Mas eu fiz um comentário, Fernando. E fiz um comentário sobre a presidência do Henrique...

Mas ele está na presidência já desde fevereiro.
No momento em que foi decretada a prisão dele [Natan Donadon], e ele estava recorrendo aos processos dele porque é um direito dele...

Deputada Manuela, desde fevereiro ele é presidente da Câmara.
No momento em que foi decretada a prisão dele, que ele recorreu de todos os processos dele, então...

Mas a Câmara poderia ao mesmo tempo já ter aberto um procedimento anterior a isso. Ele já estava condenado.
O que houve a compreensão dele é que é um rito que será tomado para todos os deputados e que eu acho que é interessante que a sociedade compreenda é que, ao terminar todos os trâmites de defesa de qualquer parlamentar... E essa é uma decisão que valerá como regra. E o que eu acho que é interessante que a gente compreenda é que isso sempre foi assim na Câmara. E isso eu acho interessante: as regras... As interpretações da Constituição e do regimento [interno da Câmara] são válidas para todos os casos. Então, ao acabarem os recursos, ao se esgotarem os recursos para qualquer deputado, a interpretação é de que não há mais a imunidade parlamentar. Não vale. E há um deputado preso. Houve repercussão para isso na minha avaliação.

Então, o que eu acho... Eu fui educada assim, e acho que é o mais interessante e acho que todas as pessoas devem analisar os episódios assim: a corrupção ou os erros deixam de acontecer na medida em que há punição.

Pois é. Mas vamos voltar, então, a esse caso específico do voo no jato da FAB. O que deveria ser feito nesse caso?
Essa notícia aconteceu... Como esse programa é gravado e ele vai... Eu soube dela há uma hora [atrás]. Eu não sei qual é o tipo de punição que poderá acontecer. Não sei qual é o tipo de erro que ele se enquadrará na realidade. O uso do voo para ida a um jogo não é eminentemente o ato equivocado, já que ir a um jogo é algo que um presidente de um poder poderia ir como a presidente poderia ir, não é? O que nós estamos falando é a confusão de ir a um jogo levando a família, buscando a família.

Então, há um sombreamento de erros. O que eu te disse é que eu vou averiguar qual é o tamanho desse erro e vou conversar com os meus outros colegas para que a gente veja qual é o erro que há certamente nisso.

Certamente, esse episódio não contribui para melhorar a imagem no Congresso.
Eu concordo contigo, como eu já manifestei.

Agora, olhando o episódio em si, abstraindo, por que esse tipo episódio ocorre com tanta frequência na política brasileira?
Eu acho que as pessoas cometem muitos descuidos na vida delas e também na vida pública.

Mas por que acontece isso, já que a população tem, cada vez mais, cobrado e etc.?
Eu não tenho como explicar erros que eu não cometo, Fernando. Eu sou muito atenciosa na minha vida. Eu não cometo determinados erros. Nunca cometi. Então é difícil nós falarmos sobre o que nós não cometemos. Eu não costumo especular sobre coisas que eu não... Entende? O que eu posso te dizer sobre o que eu não cometo? Então, é difícil especular sobre coisas que eu não cometo.

Nesse caso, eu estava pensando, será que seria aceitável ele aferir o valor gasto de passagens, o equivalente, e devolver para o erário, alguma coisa assim?
Eu vou ouvi-lo hoje. Ele tem tido a prática de falar sobre as coisas, não é? Então eu acredito que ele vai fazer isso. E eu costumo ter com os outros os gestos que eu gosto que tenham comigo.

É bom que a gente diga isso. Acabou de acontecer. A internet produz isso, não é? A gente tem que ter com o internauta a transparência que ele tem com a gente. Então, [enquanto] a gente está gravando, eu mal tive a chance de ler essa notícia. Eu não tive a oportunidade de ouvir o presidente Henrique. Eu acho que ele vai esclarecer esse episódio e, ao ter a oportunidade de o ouvir – que é algo que eu gostaria que fizessem comigo, ter a chance de ser ouvida –, também vou poder aferir qual é a dimensão que isso tem e quais são as hipóteses que isso poderá... Quais são os desdobramentos que isso poderá ter.

Em que pé está o projeto do Estatuto da Juventude?
Ele vai votado em plenário para ser sancionado pela presidente [Dilma Rousseff]. Nós estamos fazendo os ajustes finais na redação.

Qual é a expectativa de data de votação?
Na quarta que vem [10.jul.2013] no plenário da Câmara.

Tem, parece, que alguma resistência ainda da bancada religiosa que queria talvez adiar essa votação, é isso?
Na verdade, esse é o primeiro texto que traz, na história recente... Porque é a primeira vez que tem um texto que faz menção a obrigação do governo, na sua área educacional, promover a livre orientação sexual. Mas ele foi votado por consenso na Câmara há dois anos atrás.

Claro que houve uma, digamos assim, com a vitória do Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos... Não com a vitória, mas com a força que adquiriu, com a força que a parte fundamentalista da bancada evangélica adquiriu, eles gostam mais do protagonismo que têm na Câmara dos Deputados. Mas eu acho difícil que eles consigam derrotar o projeto.

Mas adiar a votação será que eles conseguem?
Não. Não. Eles não conseguem porque a gente já está com ela marcada.

Entendi. A sra. é deputada e filiada ao PC do B. No estatuto do PC do B está escrito que...
Estava esperando vir com uma pergunta dessas [risos].

Tem que vir.
Porque eu te conheço já. Estava olhando esse teu olho.

O estatuto do partido diz o seguinte, abre aspas: “O partido guia-se pela teoria científica e revolucionária elaborada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e outros revolucionários marxistas.” O estatuto diz também que, abrem aspas: “O PC do B luta contra a exploração e opressão capitalista, imperialista e tem como objetivo superior o comunismo.” Pergunta: O comunismo pode ser alcançado via democracia representativa?
Pode. Fechou suas aspas já? Fecha a minha então. Pode sim.

É? Um regime comunista pressupõe expropriação de bens e, enfim, todos serão proprietários de tudo. Nesse caso, como que na democracia representativa isso se daria sem quebrar?
Tu leu o nosso estatuto. Tu não leu o nosso programa.

Não. Li o programa também, mas, eles falam coisas...
Sim, mas as aspas...

As aspas são do estatuto, é.
Tu não leu o nosso programa. Eu quero sugerir ao internauta que leia o nosso programa porque o nosso programa fala sobre qual etapa que o Brasil vive hoje e o que nós achamos que o Brasil que a gente está construindo hoje precisa passar.

O nosso programa é um programa absolutamente atual porque quando nós lemos o estatuto, o estatuto é uma peça das regras ao filiado do partido. Que, aliás, todos os partidos deveriam ter e seguir porque, se seguissem, talvez os parlamentares agissem mais de acordo como os que o do PC do B agem. E o programa fala sobre a realidade brasileira. E muito dos que as pessoas saem às ruas para contestar hoje já tem dentro do programa do PC do B porque no nosso programa constam, basicamente, as 10 reformas que nós acreditamos que o Brasil deve passar para viver um     ciclo de desenvolvimento mais profundo, Fernando.

O que nós defendemos hoje para o Brasil são reformas estruturantes para um nível de desenvolvimento melhor para o povo brasileiro. Então, ali tem a reforma da política, que ali já dá as linhas gerais da reforma que nós defendemos, com o fim do financiamento privado, com o fim do sistema de voto não nominal. Claro que não é... Um programa de um partido não pode ter o detalhe, como eu te disse, não tem a bijuteria ali. Mas tem ali o fim do voto nominal, o voto mais ideológico. Ali tem reforma do sistema de saúde. Ali tema reforma da educação. Tem a reforma tributária.

Então, hoje, o que nós defendemos hoje para o Brasil? Nós não somos um partido que quer durar 10 anos, tanto que já temos 90 [anos]. O que nós afirmamos? Nós queremos que o Brasil viva um momento de desenvolvimento econômico e social mais profundo. E isso significa passar por um ciclo de reformas. Reformas que garantam que o povo viva melhor.

Qual o tamanho da bancada do PC do B hoje?
Nós temos hoje 14 deputados, um deles é ministro, que é o Aldo [Rebelo, ministro dos Esportes].

O PC do B é um partido, talvez eu acho que é o mais antigo do Brasil hoje?
É.

É né, 90 anos. Com a volta da democracia, no início dos anos 80, os partidos todos foram refundados, nasceram novos partidos, o PC do B foi legalizado e foram crescendo, cada um deles da sua forma. O PC do B se manteve um partido modesto em número de deputados. Por que o PC do B, diferentemente, por exemplo, do PT, que era um partido menor do que o PC do B é hoje. O PT teve 5 deputados, se não me engano, na 1ª legislatura em 82. O PT foi crescendo, sendo um partido de esquerda. Por que que o PC do B não cresceu com o PT?
Por vários motivos. Primeiro, nós não disputamos em 82, nós somos o último partido legalizado.

Mas ainda sim. 86 já estava, enfim...
Mas esse é um motivo. Nós tomamos essa decisão. Nós não disputávamos as primeiras eleições majoritárias, nós começamos a disputar eleições majoritárias recentemente.  Eu sou da turma que disputou, claro que nós tínhamos candidatos pontuais.

Mas não muitos...
Não muitos eu sou fruto da geração que começa a disputar eleições majoritárias, e o Brasil é um país...

O que faltou, uma das razões é que talvez tenham faltado candidatos majoritários?
Tem relação com isso, claro, porque nós passamos a ter essa tática de disputar eleições majoritárias já nos anos 2000, e o Brasil é um país que tem a característica de concentrar muito em nomes fortes. Isso faz parte da democracia, ou do tipo de construção política do nosso país. Nós tivemos grandes e amplas campanhas concentrando o regime brasileiro entre dois partidos, o PSDB e o PT, nós tomamos a decisão política correta de apoiarmos as candidaturas petistas. Outros partidos se construíram a partir de candidaturas fracas, mas foram se construindo por aí. Nós não, desde 89 nós apoiamos o presidente Lula. Então nossa história não é uma história de construção só da nossa bancada na Câmara. Ela é a história de construção de um país. Nós decidimos apoiar Lula em todas... O PSB, por exemplo, ele foi construindo candidaturas a presidente separadas. Não apoiaram Lula em todas as eleições. Isso cresce a bancada de deputados. Trilharam um outro caminho em outras eleições. Nós não, em todas as eleições apoiamos Lula. Só para te dar um exemplo. Claro, tem erros, tem acertos...

A sua expectativa ou do partido é que a bancada possa ter que tamanho agora na próxima eleição, em 2014?
Nós devemos ter 25, 24 deputados.

Essa é a expectativa, dobrar praticamente?
É. Porque nós já tivemos muitos candidatos a prefeitos na última eleição.

A UNE não apareceu muito nessas manifestações. A UNE ficou obsoleta, um pouco?
Primeiro, a UNE participou de todas as manifestações. 

Não protagonizando, né?
Ninguém protagonizou as manifestações. E quem tentar protagonizar as manifestações será arrastado por elas.

Mas a UNE certamente não esteve entre aqueles que chamaram a manifestação no começo.
É, eu vi muita gente dizer que alguém chamou as manifestações. Sobretudo uma tentativa  de ler as manifestações a partir de São Paulo, que é um erro, porque as manifestações não começaram e não terminarão em São Paulo. Isso causa bastante revolta em quem não é paulista. Eu sei que aqui [Grupo Folha] é um grupo que começa em São Paulo, mas assim... O MPL [Movimento Passe Livre], por exemplo, o MPL chamou as manifestações em São Paulo. Em Porto Alegre as manifestações não são do MPL. Em Pará, não são...

Mas a UNE, a UNE...
A UNE esteve e participou das manifestações no país inteiro. Agora, o que eu quero dizer é que ninguém hegemonizou e participou das manifestações em todos os cantos. O que eu quero te dizer é o seguinte, Fernando. Todas as entidades, sejam partidos, entidades da sociedade civil, tradicionais, foram pegas de surpresa pelo volume das manifestações sociais. Inclusive as pessoas que participaram do teu programa, ou de outros programas, dizendo que não.

O que eu verdadeiramente acho é que quem tem verdades absolutas para dizer sobre as manifestações não entendeu exatamente nada que está acontecendo. Eu acho que a UNE participou das manifestações, à medida que elas foram surgindo, por quê? Porque 15 dias antes das manifestações a UNE realizou o maior congresso da sua história, com estudantes que estavam organizados nas sua  base. Que não eram os mesmos das manifestações. E que bom que não eram, porque isso é sinal que temos jovens diferentes, participando de movimentos diferentes da sua história, e isso é  que tem de nos levar a refletir.

Como que nós tínhamos a UNE organizando seu congresso em Goiânia, com o maior número de jovens da sua história, e lá estavam os do Prouni, os bolsistas, ao mesmo tempo nós temos outros jovens nas ruas. Tu entendes? É esse encontro que a gente tem que conseguir refletir. Jovens num lado, jovens do outro, um organizado, os outros desorganizados. Esse Brasil de anseios comuns, uns lá questionando, outros cá questionando. Como é que esses jovens não se encontraram. É isso que a gente tem que conseguir refletir. Pelo menos é isso que eu estou tentando entender há 20 dias.

E no caso da UNE propriamente, a sua avaliação é que a forma de organização e conexão da entidade com os jovens, com os estudantes, é a melhor possível ou precisa ser aperfeiçoada. Qual é a sua opinião?
Eu acho que ela é.... acho que ela é boa, e eu acho que ela precisa ser aperfeiçoada. Acho que não é uma coisa ou outra. Ela existe com um método de organização.

O que que ela poderia fazer, por exemplo? A UNE há muitos anos fica sob a influência do seu partido, seu braço jovem, a UJS [União da Juventude Socialista], desde 1991, que ganha sucessivas eleições na urna. Tem como oxigenar um pouco e ter mais pluripartidarismo ali dentro?
Todos os partidos têm diretores na urna. A forma de eleições na UNE já é proporcional aos partidos políticos. Que é uma coisa que poucos dizem, todos os partidos que disputam..

Mas a direção principal, a presidência...
A presidência, mas todos participam proporcionalmente. Agora, o que eu acho é que todo mundo foca muito na UNE, mas todo mundo, dos partidos aos jornalistas, aos senadores, aos deputados, todo mundo vai ter que parar e pensar na forma como essas organizações... não as organizações sociais... na forma como essas passeatas se organizaram e o que elas questionaram. Porque para mim chama muito a atenção que a UNE tenha conseguido realizar um congresso tão representativo e tão massivo a poucos dias das passeatas, entende? Por quê? Porque isso significa para mim não algo ruim, mas algo contraditório. Entende? Que tantos jovens estivessem juntos e que dias depois tantos outros jovens também estivessem juntos. Isso significa que tem mais jovens querendo falar do que a gente conseguiu entender. E não que uns estivessem contra os outros.

A leitura de um contra os outros é a leitura velha, é a leitura dessa oposição binária, louca, que a gente faz sempre. Uns tão contra os outros... isso é a forma velha de fazer leitura política. ‘Olha ali, aqueles ali são contra esses, esses são contra aqueles’. É a leitura do Congresso, sabe? Oposição e situação. Uma tribuna de um lado e uma tribuna do outro. Isso é antigo, gente. Para mim, aqueles jovens que estão nas ruas não são contra os jovens que estão no congresso da UNE. Eles têm causas muito comuns, muito próximas, eles só estão se organizando de uma forma diferente. E a gente tem que tentar ver como é que a gente promove o encontro dessas formas, né? Porque a forma da UNE é uma forma tradicional, sim. Qual é o problema de ser tradicional? Enquanto os outros estavam dormindo, como eles dizem, esses aqui estavam acordados. Eles têm que ter vergonha de estar acordados?

Eu não tenho vergonha de ter ficado acordado na década de 90, eu tenho orgulho. Vocês querem que a UNE tenha vergonha de ter ficado acordada? É isso? Eu não entendo. Eu não tenho vergonha que o pessoal da UNE estava acordado. Eles estavam organizados de uma forma tradicional. Eles têm que refletir? Claro que têm. Então eu quero promover o encontro entre os que estavam acordados e os que não estavam, é isso que tem que acontecer, na minha opinião.

Deputada, deixa eu voltar para o plebiscito. Há dúvidas se o plebiscito para a reforma política vai ser realizado a tempo de as propostas que eventualmente sejam apresentadas sejam aplicadas na eleição já de 2014 por conta do principio da anualidade que está na Constituição. Se não for possível fazer o plebiscito para que valha para 2014, ele deve ser mantido nessa data, já tão rápido, ou talvez fazê-lo mais para frente?
Ótima pergunta. Primeiro, o que eu acho que é mais importante, é que ele seja feito. Segundo, eu acho que ele tem que ser feito com o tempo suficiente para que a população seja esclarecida. Para mim essas são as duas premissas. Porque que eu digo que essas são as duas premissas? E eu acho que tem que ser feito nessa onda de participação popular. Porque que eu digo nessa ordem, Fernando? Porque para mim o mais importante é que essas 3 questões sejam levadas em consideração, e isso responde a tua pergunta, mesmo que ele não valha para 2014, ele tem que ser feito rapidamente. Existem alguns juristas que dizem que...

Mas você analisou o documento do TSE?
Analisei. O TSE disse que precisa de 70 dias.

Não, não, mas ele disse também que não tem sentido fazer [o plebiscito neste ano] e não aplicar [em 2014].
Eu não tenho certeza disso. Inclusive o que eu estava conversando antes de vir para cá era sobre isso. Eu não tenho essa convicção jurídica. Porque nós temos outros argumentos constitucionais que podem fazê-lo valer. Porque eu não...

Mas a prevalecer a interpretação que me parece forte do TSE, 27 presidentes de TREs, que dizem que o plebiscito, se realizado, tem que ser aplicável já na eleição do ano seguinte. A prevalecer essa interpretação, daí o que fazer?
Aí a Câmara terá que formular as perguntas

A jato?
É.

E se não conseguir?
Ontem me manifestei sobre isso no plenário. Nós tivemos [na relatoria da reforma política] os deputados Ronaldo Caiado (DEM-GO), [o ex-deputado] Ibsen Pinheiro, [o ex-deputado] Flavio Dino e Henrique Fontana (PT-RS). Nós sabemos o que nós queremos para a reforma política. Nós só não conseguimos chegar a uma conclusão, certo? Nós sabemos quais são as dúvidas que nós temos.

Agora, essa interpretação de uma parte considerável da bancada do PMDB, que é um partido grande dentro do Congresso, de que o ideal é fazer o plebiscito no ano que vem, em 2014, junto com a eleição possivelmente, isso não atenderia ao que o PC do B defende.
Isso não corresponde ao que nós achamos melhor. Inclusive porque eu acredito que é necessário aproveitar esse grande momento de participação popular.

Seria inútil, vamos supor que a posição de fazer agora seja derrotada e prevaleça a de fazer no ano que vem, daí fica inútil ou não?
Não, não fica inútil.

Daí faz no ano que vem
Faz o ano que vem

Entendi. E nesse caso a primeira discussão grande que vai ter que ter na Câmara é se é possível fazer agora e se ele vai valer para 2014. Essa é o primeiro debate.
A Câmara tem uma parcela grande que não quer que [o plebiscito] seja feito. Essa é a primeira [discussão].

A impressão que eu tenho, falando com vários de seus colegas, é que vai ser muito difícil aprovar esse plebiscito no prazo em que o TSE está estipulando para que ele seja feito. A sra. tem essa impressão também?
Tenho.

Ou seja, não será uma surpresa para ninguém se o plebiscito acabar não saindo nesse prazo, é isso?
Não será uma surpresa.

E há algo que pode ser feito ainda? Que que pode ser feito?
É um jogo de posições. Nós temos ali uma parte que defende plebiscito e uma parte que não defende plebiscito, certo? Dentro da parte que defende plebiscito nós temos partes que defendem datas diferentes, então nós temos duas batalhas a vencer, os que defendem o plebiscito agora. A primeira: ter maioria para ganhar o plebiscito, porque DEM e PSDB não querem plebiscito. Depois nós temos que pactuar uma data para ele.

E hoje a avaliação é que é difícil fazer na data que tá todo mundo achando que pode ser feito, 7 de setembro, porque há uma divergência ali dentro.
Na verdade, ainda não tem, nós estamos no meio do processo de tabular as posições de todos os partidos.

PMDB ficou já para fazer no ano que vem. Os de oposição nem querem nada. Então isso já é uma baixa grande.
PMDB e PSB querem o ano que vem.

Exato, já são 2 da base do governo. Não teria sido mais prudente a presidente, ainda que ela tenha feito varias reuniões, ter se esforçado ainda mais para a hora que chegasse com o projeto ter pactuado pelo menos entre os partidos da base aliada ao governo uma posição unificada?
Eu acho que a presidente fez seu maior esforço, é que às vezes na leitura política as pessoas têm memória muito curta. É bom lembrar que de 13 de junho a 20 de junho nosso país viveu um momento bastante conflituoso.  É que agora está todo mundo analisando com a sua calma, né.

Mas ela teria como...
A análise política agora está muito tranquila.

Mas você acha que o esforço que ela fez para enviar isso para o Congresso já mais ou menos pactuado foi o máximo que poderia ser feito?
Ela fez o maior esforço possível dentro de um país que viveu 15 dias de protestos sociais nas ruas de um grau de intensidade nunca antes vivido. Porque nós vivemos muitos momentos de passeatas gigantescas, mas nós vivemos alguns dias de conflito, inclusive policiais, conflitos policiais nas ruas bastante grandes.

Muito bem. Deputada Manuela d’Ávila, do PC do B do Rio Grande do Sul, muito obrigado por sua entrevista.
Obrigada, um beijo para todos os telespectadores da internet.