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Leia a transcrição da entrevista de Murilo Portugal ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

10/05/2014 06h00

Murilo Portugal, presidente da Febraban, participou do Poder e Política, programa do UOL e da "Folha" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 9.mai.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Murilo Portugal – 9.mai.2014

Narração de abertura [EM OFF]: Murilo Portugal tem 65 anos. É bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense. É especialista em desenvolvimento econômico pela Universidade Cambridge e mestre em Economia pela Universidade Manchester, ambas na Inglaterra.

Murilo Portugal fez carreira no setor público. Assumiu cargos de confiança em diversos governos federais.

Em 1973, ingressou no Ipea, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. Foi assessor econômico da Casa Civil no governo de João Figueiredo e da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Fernando Collor de Mello.

Depois, nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, Murilo Portugal foi secretário do Tesouro Nacional.

Murilo Portugal deixou a Esplanada dos Ministérios em 1996 para assumir uma diretoria executiva do Banco Mundial, em Washington. Dois anos depois, também foi nomeado para uma diretoria do FMI.

Murilo Portugal retornou a Brasília no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Era o braço-direito do então ministro Antonio Palocci.

Em 2006, após a queda de Palocci, Murilo Portugal foi indicado para o cargo de diretor-geral adjunto do Fundo Monetário Internacional.

Em 2011, Murilo Portugal assumiu a Presidência da Febraban, a poderosa Federação Brasileira de Bancos, cargo que exerce até hoje.

Folha/UOL: Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é o presidente da Febraban, Murilo Portugal.

Folha/UOL: Olá, como vai o sr., tudo bem?
Murilo Portugal: Tudo bem. Obrigado, Fernando.

O volume de crédito no Brasil ajudou muito no crescimento da economia nos últimos anos. Qual espaço existe ainda, na economia, para esse tipo de política ser perseguida e ajudar a alavancar o crescimento do país?
É verdade. Eu acho que ajudou e continua ajudando. Há dez anos o crédito no Brasil vem crescendo mais rápido do que o Produto [Interno Bruto], de uma base baixa, em 2004 o crédito bancário ao setor privado era 26% do PIB, agora está em 56% do PIB. E continua crescendo mais rápido do que o Produto. Os dados, agora, do último mês de março, mostram que, no mês de março, o saldo total das operações de crédito cresceu 1%, e no acumulado, em 12 meses, que terminou em março, 13,7%. Portanto, é um número que é maior do que o crescimento nominal do PIB. Se você pegar o crescimento mais a inflação é maior. Eu acho que ainda há espaço...

E dá para ir até quanto? Digamos, olhando para um futuro de curto prazo, este ano e no ano que vem, 2015, a sua expectativa é o quê?
Nós esperamos que esse ano o crescimento fique em torno de 13%, 14%.

E atinja quanto do PIB? Você diz que agora é 56%.
Não sei como percentual do PIB, mas vai continuar crescendo um pouco mais rápido do que o PIB, então talvez mais um ponto. Mas eu acho que ainda...

Neste ano?
É. Eu acho que ainda há espaço porque o Brasil ainda tem um volume de crédito bancário total ao setor privado relativamente pequeno para padrões internacionais. No Chile, por exemplo, esse número é 80% do PIB. Isso eu acho que foi um resultado dos avanços macroeconômicos que nós tivemos, melhoria geral do quadro, principalmente a queda da dívida pública.

Mas deixa eu problematizar aqui para o sr. Teve um dado, agora do mês de abril, que aponta uma taxa de inadimplência recorde que foi apurada de 8,6%, no mês de abril, inflação alta, enfim, as coisas ficam piores. Mesmo assim, o sr. acredita que é possível expandir ainda mais o crédito?
Essa taxa de inadimplência que você se refere é a taxa de inadimplência no comércio.

Justamente.
Não é a taxa de inadimplência nos empréstimos bancários. A taxa...

Mas não vai... como [efeito] dominó, chegar?
Pode chegar. A taxa de inadimplência... Não vai chegar a 8%, não. A taxa de inadimplência, no setor bancário, é de 3%. É mais alta nas pessoas físicas do que nas pessoas jurídicas. É mais alta nos chamados recursos livres, aqueles recursos que não são direcionados para um setor específico, mas a mais alta que existe está em 6,5% que é a taxa de inadimplência para as pessoas físicas com recursos livres, ou seja, recursos não direcionados. E ela vem apresentando uma queda. Nós tivemos em uma situação um pouco pior no final de 2011 e durante o ano de 2012, onde essa taxa chegou a 7,5%, agora vem caindo. Ainda ela é alta, mas vem caindo.

Voltando ao volume de crédito em relação ao PIB, no ano que vem, o sr. acredita, não tem uma estimativa, em percentual, sobre quanto se pode atingir, no ano que vem, nessa trajetória aí?
Não. Não tem porque nós procuramos fazer essas estimativas anuais, então, a estimativa nossa para esse ano é de que o crescimento do crédito total seja em torno de 13%, 14%, mas o ano que vem, imagino que vá continuar crescendo mais rápido do que PIB também. E esse fenômeno ocorre porque houve uma queda grande da dívida pública líquida no Brasil. Então, a dívida líquida no Brasil, em 2002, era 62% do PIB. Hoje é 33% do PIB. Então, houve uma queda de quase que 30 pontos, 29 pontos, na dívida do setor público, dívida líquida do setor público. E isso criou um espaço para que houvesse um aumento do crédito ao setor privado, mais ou menos, do mesmo tamanho. Passou de... teve aí 27, 28 pontos de aumento do crédito bancário ao setor privado. Então, na verdade, quando você pega a economia como um todo, não houve um aumento do nível de endividamento de toda a economia, houve mais uma realocação no uso da poupança do setor público para as famílias e as empresas.

Foi estabelecida a portabilidade das operações de crédito. A impressão que se tem, muita gente tem, é que ainda continua sendo muito difícil fazer isso. Por quê?
É, realmente era difícil. A portabilidade já existia antes, mas era difícil, eu concordo, porque era um processo totalmente manual, onde o cliente tinha que ir pessoalmente ao banco que estava perdendo a operação, depois ir ao banco para o qual ele queria portar a operação. Então, era um processo um pouco desgastante e complexo para o cliente fazer. O Banco Central emitiu uma resolução, no final do ano passado, estabelecendo a portabilidade eletrônica. Esse sistema começou a vigorar essa semana e, segundo esse sistema, o cliente vai uma única vez ao banco para o qual ele está querendo levar a operação e dali para frente todo o entendimento é feito entre os bancos, eletronicamente. Aí esse banco pede as informações ao banco que está perdendo a operação, esse banco tem dois dias, ou para fazer uma oferta melhor ao cliente e tentar reter o cliente, ou informar os dados ao novo banco e aí transferir a operação para o novo banco.

O sr. enxerga que aí haverá, realmente, competição entre os bancos ou não?
Já há competição entre os bancos.

Mas por conta do novo mecanismo.
Já há competição entre os bancos. É uma competição acirrada. Eu acho que esse é um instrumento positivo que vai aumentar a competição e acredito que vai aumentar a competição.

Hoje em dia, fechar uma conta em um banco para um consumidor comum que tem sua conta de luz em débito automático, de água, de telefone, de celular, de TV a cabo, seja o que for, fechar uma conta e levar para outro banco é muito difícil. Teria como informatizar tudo isso também, se ele quiser sair de um banco e ir para outro?
Olha, eu não sei se é tão difícil assim. É lógico que vai dar um trabalho de você ter que transferir todos esses débitos automáticos que você tem na conta, mas é uma coisa que é possível de fazer. Mas os bancos estão sempre empenhados em procurar melhorar o atendimento ao cliente. Acho que esse ponto, que você mencionou aí, da portabilidade do crédito, é um exemplo. Nós montamos um sistema automático e usamos a CIP, a Câmara de Pagamentos Interbancários, e isso vai, acredito, facilitar a portabilidade das operações de crédito. Inicialmente, nós esperamos que isso funcione mais para quatro tipos de operações, que é o crédito imobiliário, o crédito consignado, o empréstimo a veículos e o crédito pessoal, mas está aberto para todas as operações de crédito. Essas são, acredito, as principais.

Um dos críticos aí desse novo sistema, que é bem-vindo para a competição entre os bancos, é que, muitas vezes, o consumidor gostaria de ter o empréstimo em um banco em que ele já tem conta também, para ter todos os benefícios, e a portabilidade da conta, propriamente, é muito difícil ainda. Tem alguma coisa que pode ser feita, no curto prazo, sobre isso, como eu disse?
Olha, eu não tenho a informação de que haja uma dificuldade, então não posso responder com bastante segurança à sua pergunta. Mas se existir alguma coisa, tenho convicção de que os bancos terão interesse em fazer.

Deixa eu fazer outra pergunta de interesse do consumidor. Quem vai ao caixa eletrônico no Brasil, e há tantos, e deseja retirar o seu dinheiro trocado em notas de R$ 5, R$ 10 ou R$ 20, são raros os bancos e os caixas automáticos que oferecem essa opção. Nos Estados Unidos isso é muito comum, você diz que valor você quer as suas notas que são jogadas para fora do caixa. Seria possível os bancos oferecerem isso daqui também no Brasil?
Eu acho que é possível. Eu queria dizer que o Brasil, na verdade, é bem avançado em termos de esses serviços de automação bancária. Nós temos cerca de 180 mil ATMs no Brasil, então, isso são nove ATMs para cada 10 mil pessoas, que é um índice parecido com os Estados Unidos. Ainda temos avanços a fazer, esse que você mencionou, possivelmente, seja um deles. O outro é uma interação maior dessa rede de caixas automáticos. Nos Estados Unidos é mais comum você conseguir sacar recursos com cartão de um banco em um caixa de um outro banco, aqui no Brasil isso ainda não é usual. Acho que essa é uma coisa importante também.

Mas isso não está em discussão no momento?
Está em discussão. Está em discussão.

Ah, está em discussão essa possibilidade de usar o cartão em todos? E a possibilidade de tirar o dinheiro trocado, essa não?
Não tenho informação específica sobre isso, mas eu não acredito que isso deva ser um grande problema.

Uma última pergunta sobre interesse do consumidor. É comum, no Brasil, os bancos exigirem que o cliente deixe R$ 1 na sua conta e o resto aplicado em alguma coisa, poupança ou alguma outra coisa. Tem bancos até, no caso o Bradesco é R$ 1. Estava olhando aqui, o Itaú exige R$ 10 em conta sem aplicação. Nos Estados Unidos quem abre uma conta fica com zero na conta e aplica tudo. Por que no Brasil os bancos exigem um dinheirinho ali sem aplicar?
Não, nos Estados Unidos não é assim não.

É sim. Eu tive conta lá várias vezes.
Eu tive conta lá também e eu deixava mais dinheiro, por exemplo, na minha conta. Acho que não há um limite, nem máximo, nem mínimo.

Não, lá a gente aplica tudo, 10%, não deixa um real, um dólar, no caso.
Bom, eu deixava. Mas aí é uma escola do cliente, né.

Mas aqui no Brasil não há essa escolha.
Eu acho que aqui é uma escolha do cliente também. Se você quiser deixar recursos na conta você pode deixar.

Não, é que o mínimo que se deixa é R$ 10, R$ 1, não se pode deixar zero.
É, porque, acredito, que a conta deva ter algum recurso ali. Não sei se esse realmente é um grande problema para o consumidor, talvez seja...

Mas é uma grande vantagem para os bancos. Se eles ficarem com R$ 10 de cada um, sem aplicar, é uma vantagem para eles.
Não, porque os empréstimos, os depósitos à vista, têm que ser recolhidos ao Banco Central através do depósito compulsório a uma taxa de 55%.

Não, sim, mas se não tivesse o dinheiro lá... Enfim, é um dinheiro que fica parado para ir para isso daí. De outra forma não ficaria. Não?
Imagino que sim, não sei.

O Supremo deve retomar, neste mês de maio, talvez no dia 21, um julgamento muito importante, polêmico, sobre as perdas que o ocorreram na caderneta de poupança decorrentes de planos econômicos do passado. Os bancos estão preparados para, eventualmente, pagar aí aos poupadores no caso de o Supremo determinar esse pagamento?
Olha, primeiro, nós temos uma convicção e uma confiança de que nós vamos ganhar essa ação no Supremo Tribunal Federal porque os bancos, a única coisa que eles fizeram, nesse caso, foi cumprir estrita e fielmente o que as leis, que foram propostas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso, determinaram. Eles não tinham nenhuma outra conduta que eles pudessem adotar naquele momento. Se um banco resolvesse “aqui eu vou tratar diferente a caderneta de poupança”, possivelmente ele seria punido pelo regulador. Então, eles agiram assim, no que os advogados dizem, que é o estrito cumprimento de um dever imposto pela lei. O segundo ponto é que os bancos não lucraram nada com isso porque a mesma regra que foi aplicada para os depósitos de poupança, foi aplicada para os empréstimos imobiliários que eram dados com esses depósitos de poupança. E nós contratamos várias empresas de consultoria para fazer estudos do balanço dos bancos, nesse período todo, e essas empresas, consultorias, calcularam a rentabilidade média dos bancos, ano a ano, de 1980 até 1995, e depois tiraram a rentabilidade média nesse período. E o que eles viram é que a rentabilidade dos bancos, nos anos em que tinha plano, era menor do que a média no período, que é uma indicação de que eles não lucraram. E os bancos que tinham mais depósito em poupança como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal, eram os que tinham a menor rentabilidade em relação à média. Então, nós achamos que não vamos perder essa ação.

Ainda assim...
Se perdermos, aí vai depender um pouco de uma série de parâmetros.

Por exemplo?
O custo dessas ações depende de uma série de variáveis, do tratamento que vai ser dado às ações coletivas. Por exemplo, as ações coletivas, elas vão valer para o Brasil inteiro, uma ação civil pública que foi intentada no Estado do Acre. Vai valer só para os consumidores que moram no Estado do Acre ou vai valer para alguém que mora em São Paulo?

Isso será dirimido pelo próprio Supremo também?
Não sei se será dirimido pelo próprio Supremo, mas isso precisa ser dirimido. Então essa é uma...

Qual instância poderia tratar disso?
Alguns desses temas estão no Superior Tribunal de Justiça. Então, as estimativas, que nós fizemos, é de que esse custo pode variar de R$ 23 bilhões a R$ 343 bilhões dependendo dessas várias circunstâncias. As ações individuais, de cada pessoa diretamente contra o banco, não colocam um problema tão grande. O problema é o que acontecerá com as ações coletivas porque isso aí reabriria o prazo para todas as pessoas, que tinham poupança na época, reingressarem novamente na Justiça. Então dependendo de qual vai ser a abrangência geográfica das ações civis públicas, dependendo de que data se começa a contar os juros de mora nas ações civis públicas. Por exemplo, começa a contar da data que a ação civil pública foi proposta, quando aí não tem nenhum poupador envolvido, a maioria dos poupadores ainda não está envolvida, ou depois que a ação civil pública foi julgada e foi dado ganho de causa à associação que propôs a ação civil pública, aí os poupadores ingressam na Justiça procurando executar aquela sentença. Então, os juros de mora vão começar a contar da data em que se tentou uma execução ou da data que a ação foi inicialmente proposta? Isso faz uma diferença muito grande porque são juros por um período de 20 anos. Há uma incerteza em relação a qual seria o valor. O Banco Central fez uma estimativa, que está um pouco no meio desse intervalo, em torno de R$ 150 bilhões de reais, que é um valor muito significativo, cerca de um terço do patrimônio líquido dos bancos brasileiros.

Tem algum valor, vamos dizer, máximo que não desestruturaria o setor bancário se fosse necessário pagar? Que a gente fala de R$ 20 a 340 [bilhões], são valores tão grandes, não é?
É verdade.

Se for R$ 5 bilhões, R$ 20 bilhões, daí da para dar um jeito, R$ 50 [bilhões] dá ou não dá. Tem esse cálculo?
Olha, é difícil você fazer um cálculo assim na média porque esse número que eu estou te explicando é a média...

Mas o que os bancos aguentariam e não desestruturariam?
Os bancos são diferentes, por exemplo, os bancos públicos, eles têm uma exposição maior do que os bancos privados a isso e a exposição maior de todas é a da Caixa Econômica Federal que é o principal banco, é hoje e era no passado, o principal banco com operações de poupança. Mas o total dos bancos públicos é 52% do total, qualquer que ele seja, se for R$ 20 [bilhões], é 52% de R$ 20 [bilhões], se for R$ 340 [bilhões], 52% de 340 [bilhões].

A arrecadação de tributos sobre o lucro das empresas no primeiro trimestre deste ano, de 2014, foi 6,5% menor do que o mesmo período de 2013 e o maior responsável por essa queda, de acordo com o que foi noticiado, foram os bancos, apesar do expressivo aumento nos lucros que tiveram. A Receita Federal chegou a sugerir, recentemente, que poderia até investigar, fazer uma investigação de rotina, sobre a conduta fiscal dos bancos. O que justificou esse menor pagamento de impostos pelos bancos, no início deste ano?
Não houve menor pagamento de impostos pelos bancos, no início do ano. Os bancos têm a mesma alíquota que eles tinham no passado, na verdade, é uma alíquota maior do que em todos os outros setores da economia brasileira, se você considerar o Imposto de Renda mais a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, essa alíquota chega a 40%. E os bancos são um dos maiores pagadores de tributos no Brasil e cumprem com bastante exação as suas obrigações.

Mas não procede isso aqui então, que foi por causa dos bancos que houve essa redução dos tributos?
Eu desconheço isso, desconheço essa alegação e não teria como explicar porque os bancos não mudaram, não tiveram mudança de alíquota e nem mudaram a sua maneira de agir perante a Receita Federal.

Juros. No início do mandato da presidente Dilma Rousseff houve uma grande discussão no Brasil sobre juros, se eles deveriam baixar ou não. A presidente usou os bancos públicos, o Banco do Brasil, Caixa Econômica, para tentar segurar os juros mais baixos. Agora já se passaram alguns anos, não se fala mais muito sobre isso, até porque o juro oficial, a taxa Selic, voltou a aumentar para tentar controlar a inflação. Passado alguns anos, o que ficou dessa discussão toda, na sua opinião?
Na minha opinião ficou a importância de você realmente trabalhar de uma maneira consistente, permanente para a redução das taxas de juros e dos spreads bancários no Brasil, e que os bancos são a favor disso. Os bancos gostam de emprestar e ter lucro emprestando, mas isso pode ser obtido com volumes maiores e preços mais baixos. Houve, realmente, um aumento da taxa Selic, é um aumento que é comum. Essa taxa é uma taxa que flutua, segundo as condições econômicas, isso não quer dizer que a taxa de juros não possa vir a cair novamente no futuro.

Os juros que os bancos cobram dos seus clientes, em geral, são considerados e colocados sempre como muito altos em relação a outros países, aí o sr. me conteste se eu estiver errado. O que faz com que o juro cobrado do consumidor seja tão alto no Brasil, por parte das instituições bancárias?
Principalmente os custos. Os custos de operação no Brasil são mais altos do que os custos de operação nos outros países. A taxa de...

Mas é tão mais alta assim?
São mais altos, são mais altos. Por exemplo, vou dar um exemplo aqui, o custo da segurança física nas agências. Você morou nos Estados Unidos, estava falando aí há pouco, você sabe como é lá. Lá não existe o aparato que existe nos bancos aqui, em termos de portas giratórias, em termos de câmeras de vigilância e nem os 85 mil vigilantes que os bancos do Brasil contratam para manter a segurança. Então, esse é apenas um exemplo. O custo tributário aqui também é mais elevado do que em muitos países. Então é principalmente uma questão de custo, a qual nós devemos trabalhar para procurar reduzir.

A impressão do público em geral é que, ainda assim, haveria espaço, talvez, para taxas mais amigáveis. O sr. acha que não tem?
Não, eu acho que tem. As taxas se reduziram, os spreads se reduziram. O que nós precisamos trabalhar é nesses fatores que fazem com que o custo seja elevado, o custo tributário é um deles, o custo de operação é outro, e tem outro que é o custo da inadimplência. Nós estávamos falando agora há pouco da taxa da inadimplência. A taxa de inadimplência no Brasil não é tão alta, mas a taxa de recuperação dos empréstimos no caso de inadimplência é mais baixa do que nos outros países.

Quando ocorre a inadimplência para tentar recuperar.
Quando ocorre a inadimplência.

Por falar em empréstimos, juros, etc., foi um bom negócio para os bancos, houve agora um conjunto de cerca de dez bancos que se juntou para fazer um empréstimo para o setor elétrico na casa de R$ 11 bilhões, foi um bom negócio para os bancos, esse daí?
Eu imagino que deve ter sido, porque senão eles não teriam feito, mas eu não participei diretamente disso porque isso foi uma operação estritamente comercial, então eu não poderia responder.

A impressão que ficou para nós, aqui em Brasília, é que houve um, enfim, para usar a palavra correta, uma pressão grande do governo federal para que os bancos entrassem junto com os públicos, os privados junto com os públicos, para fazer esse empréstimo. O governo federal entra muito ainda no setor para tentar influir e determinar esse tipo de política?
Não, essa, eu acho, que foi uma operação comercial, como eu falei. Os bancos entraram porque consideraram vantajosa do ponto de vista comercial, mas eu não participei diretamente dessa operação, como não participo de nenhuma outra porque não é a função da Febraban se envolver no relacionamento comercial do banco com o seu cliente.

Qual é projeção atual da Febraban para o crescimento da economia neste ano?
Nós não temos uma projeção nossa. O que nós usamos é a projeção que sai na pesquisa Focus, que é publicada e divulgada pelo Banco Central.

O sr. acha que há um excesso de mau humor na economia que não corresponde com a realidade do que está se passando com a economia, eu digo, das pessoas em geral?
Possivelmente, talvez exista.

Que é o que o governo tem dito.
Possivelmente talvez exista porque muitas vezes há algum excesso na avaliação, tanto quando as coisas vão bem, você acha sempre que vai melhor do que realmente vai, e quando as coisas não vão tão bem você acha que vai um pouco pior do que realmente vai. Então é possível que isso ocorra, sim.
O sr. acha que o humor geral que se vê não é correspondente com o que está acontecendo, é isso, talvez na economia? Ou não? Nesse caso, no caso do Brasil hoje?
Eu acho que talvez haja algum exagero no caso do Brasil em relação, por exemplo... Não compartilho da ideia de que o Brasil esteja entre os países emergentes mais frágeis em relação a outros parceiros, como muitas vezes é divulgado na imprensa. Não compartilho dessa opinião.

Sobre projeção de crescimento da economia, o sr. já falou, segue o [boletim] Focus, para o setor, o sr. falou em crescimento do crédito, para o setor em geral, ele espera crescer quanto neste ano e no seguinte?
Como eu falei, em torno de 13%, 14% de crescimento do crédito.

Do crédito, mas em termos do volume total, lucro, etc., para o setor?
Lucro nós tivemos agora, a taxa média de lucro do setor bancário está nessa faixa também, 13,9%. Agora, tem outras variáveis que crescem a taxas diferentes. Por exemplo, número de agências bancárias, cresce a 3% ao ano porque há outros meios de os clientes se relacionarem com o banco, além da agência bancária. Então essas taxas são variáveis, dependendo de qual item que você está discutindo.

Que diferenças o sr. enxerga para a indústria bancária na atual administração pública, da presidente Dilma, em relação ao governo imediatamente anterior, do ex-presidente Lula, e do ex-presidente Fernando Henrique? Houve muita mudança?
Houve mudança positiva, como eu disse, houve uma expansão bastante forte do crédito ao setor privado, que mais do que dobrou, como proporção do PIB, nesse período, isso somente a partir de 2004, e isso foi feito se mantendo a solidez e a capacidade de resistência do setor bancário brasileiro, que está entre os mais sólidos do mundo, tem um nível de capitalização alto, um nível de liquidez também bastante positivo.

Mas tem alguma diferença hoje em relação a como o setor se relaciona com a administração pública federal, como era antes, no governo Lula ou no governo Fernando Henrique?
Eu não notei. Eu no governo Lula não participei, exceto de um período curto, dois anos, e naquele período não via nenhuma diferença em relação ao que existe agora.

O país está passando por uma discussão de projetos neste ano, que é um ano eleitoral, e os vários pré-candidatos a presidente falam como vai ser a economia no ano que vem. Alguns têm se manifestado sobre a necessidade de haver um reforço da independência do Banco Central, até por meio de uma lei. Há sempre essa discussão no Brasil. A Febraban tem uma posição a respeito desse aspecto?
Não, nós não somos uma entidade política e não participamos do debate eleitoral.

Mas sobre o Banco Central... Eu citei o debate eleitoral porque se fala, mas no caso do Banco Central, o sr. acha justificável o nível atual de independência administrativa que tem o banco ou seria desejável aperfeiçoar?
O Banco Central brasileiro, na verdade, já funciona com independência operacional há bastante tempo, mas é lógico que tudo na vida que pode ser aperfeiçoado deve ser aperfeiçoado.

Mas o sr. acha que deve ser?
Eu acho que a gente deve sempre procurar melhorar, mas eu não acho que haja uma falta de independência, não acho que haja uma falta de independência.

Tem algum detalhe que o sr. citaria que poderia ser usado para aperfeiçoar a forma como atua o Banco Central?
Não, acho que o Banco Central atua de uma maneira adequada no Brasil.

Então, se ficar tal como está, estaria apropriado, na sua opinião?
Eu acho que está apropriado.

Os bancos têm sido, ao longo da história recente do país, grandes colaboradores dos políticos durante campanhas eleitorais. Agora há uma discussão no Brasil sobre acabar com isso. Nenhuma empresa, nenhuma pessoa jurídica poderia mais fazer doações para políticos e campanhas. Isso pode ser decidido pelo Supremo, também no Congresso há essa discussão, e aí não seria mais possível haver doações de empresas, inclusive bancos. A Febraban tem uma posição sobre se isso é bom para o país ou ruim para o país?
Não, não cabe a nós nos manifestar sobre isso, porque não é um assunto nosso, isso é um assunto do Brasil como um todo, não é de banco. É de todas as empresas do Brasil, não temos nenhuma posição.

Mesmo tendo sido os agentes da indústria bancária ativos durante esse processo, sempre colaborando com o processo democrático e doando? Se acontecer a proibição, eles não vão mais poder doar, mas aí a Febraban nunca emitiu uma posição a respeito, se acha positivo ou não?
Não.

O sr. estaria hoje, estamos quase no meio de 2014, mais otimista ou mais pessimista sobre o crescimento da economia e o comportamento da inflação nos próximos seis meses, até o final do ano?
Eu sou realista.

O que que isso significa?
Significa que eu acho que essas projeções que aparecem nessas pesquisas possivelmente vão se materializar.

Murilo Portugal, presidente da Febraban, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Obrigado a você.