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Leia a transcrição da entrevista de Flávio Dino ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

04/11/2014 06h00

Flávio Dino, governador eleito do Maranhão pelo PC do B, participou do Poder e Política, programa do UOL e da “Folha” conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 3.nov.2014 no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

Narração de abertura [EM OFF]: Flávio Dino tem 46 anos. É advogado formado pela Universidade Federal do Maranhão.

Enquanto cursava a faculdade de Direito, Flávio Dino exerceu o cargo de coordenador do Diretório Central dos Estudantes. Em 1989, atuou na ala juvenil da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.

Em 1991, Flávio Dino foi aprovado em 1º lugar no concurso de juiz federal no Maranhão. Exerceu o cargo por 15 anos. Nesse período, presidiu a Associação Nacional de Juízes Federais e foi secretário-¬geral do Conselho Nacional de Justiça.

Flávio Dino renunciou à carreira de juiz aos 38 anos de idade para se dedicar à política. Elegeu-se deputado federal pelo PC do B em 2006. Cinco anos depois, assumiu a Presidência da Embratur nomeado pela presidente Dilma Rousseff.

Em outubro de 2014, Flávio Dino elegeu-se governador do Maranhão, derrotando a candidatura de Edson Lobão Filho, do PMDB, apoiado pela família Sarney. Flávio Dino será o primeiro governador da história do PC do B.

Folha/UOL: Olá. Bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S. Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília. O entrevistado desta edição do “Poder e Política” é o governador eleito do Maranhão, Flávio Dino.

Folha/UOL: Olá, como vai, tudo bem?
Prazer Fernando, prazer falar com você e cumprimentar a todos os internautas que nos acompanham agora. 

Muito bem. O sr. é filiado ao PC do B, que é um aliado histórico, fiel do PT no plano federal. Só que nesta eleição, que a gente acabou de ter em 2014, o PT não ficou com o sr. O que aconteceu?
O PT do Maranhão acaba seguindo sempre uma orientação nacional, no sentido de privilegiar a aliança com o PMDB. Nós sabemos que muitas lideranças importantes do PMDB no plano nacional são oriundas do Maranhão, e isso faz com que haja essa aliança preferencial lá. Naturalmente, claro, eu discordo profundamente disto, mas compreendo que é uma contingência dessa aliança nacional que o PT acha que deve fazer no Maranhão. Eu espero que o resultado eleitoral, tão eloquente, tão claro, mostra necessidade da revisão dessa política.

Ficou algum ruído por conta desse não apoio que o PT, enfim, não deu, esse apoio que o PT não deu ao sr.?
Lá no Maranhão a militância do PT, a base do PT, fez a nossa campanha. As principais lideranças do PT no Estado frequentaram o nosso palanque. É claro que lá nós buscamos, portanto, em coerência com isto, uma maior proximidade. Agora, no plano nacional nós esperamos que de fato haja uma reflexão do PT, uma vez que o resultado eleitoral, que foi o segundo mais expressivo do país, mostra que de fato há uma desatualização dessa visão acerca do Maranhão. E que é muito mais coerente para um partido que defende o progresso, a justiça social, estar aliado conosco do que ele ser sustentação de um sistema que acabou por ruir, que representa exatamente o coronelismo à moda dos anos 50, ecoando e subsistindo até, praticamente, a segunda década do século 21. Mas nós conseguimos exatamente dar este passo adiante.

Estamos falando das pessoas ligadas à família de José Sarney. É a ele que o sr. está se referindo nesse caso?
Sim. Claramente, porque como todo o Brasil sabe, a família e o grupo político constituído a partir desse núcleo familiar que hegemonizou a política maranhense nas últimas cinco décadas.

Agora, de certa medida, o PC do B, o seu partido, teve apoio no Maranhão do PSDB, que é o partido de Aécio Neves, o sr. me corrige se eu estiver errado, que o apoiou, do PP, partido, enfim, no caso de São Paulo, partido de Paulo Maluf, e de vários outros. Também não foi uma aliança, a sua, vamos dizer, pura, só com o seu partido. Isso daí. que tipo de influência teve na sua eleição e vai ter no seu governo?
Bom Fernando, em primeiro lugar pureza absoluta nesses termos é algo metafísico né. Nós estamos lidando de processos históricos e é claro que nós procuramos fazer uma aliança com os parceiros que concordam, naquele momento, com o desafio, no caso, de virar a página do coronelismo no Maranhão e com um programa. Nós apresentamos um programa claramente, em primeiro lugar baseado na noção da honestidade, transparência, romper com o patrimonialismo, enfrentar o ciclo de corrupção na política maranhense, e em segundo lugar melhorar a vida das pessoas. Garantir que esse dinheiro público, hoje apoderado, apropriado por pequenos grupos, possa se traduzir em políticas sociais para todos. Esse é o marco da nossa aliança. Reunimos nove partidos, mais a maioria do PT, tivemos uma grande vitória com o movimento social do nosso lado. A sociedade maranhense de modo bem amplo conosco, fizemos uma aliança plural, ampla, democrática que era necessária naquele momento para exatamente dar esse salto adiante.

O PC do B, Partido Comunista do Brasil, tem lá nos seus estatutos várias recomendações de acordo com a ideologia comunista. O sr. acha necessário atualizar o programa do PC do B ou ele ainda serve agora no século 21?
Nós estamos permanentemente atualizando o nosso programa, até porque é incoerência com aquilo que nós acreditamos, com o nosso método de análise da sociedade, nós compreendemos que cada situação concreta exige uma análise desta situação e políticas concretas para esse momento. O PC do B já fez grandes revisões nas últimas duas décadas e vem empreendendo sempre, buscando exatamente responder aos desafios do Brasil.

Tem alguma específica? Algum trecho do estatuto, do programa do partido que o sr. acha que mereceria atualização no momento?
Nós estamos exatamente buscando ajustar sempre a nossa tática política à realidade da América Latina no século 21. Então nós hoje temos uma ênfase muito grande na questão nacional, procuramos exatamente colocar o desenvolvimento do país como uma espécie de premissa para o nosso compromisso fundamental com a justiça social. Então essa questão, a imbricação, a relação sempre de tensionamento, nunca de exclusão entre a questão nacional e a questão social, é, digamos, o ponto doutrinário mais nodal que nós enfrentamos permanentemente nessa reflexão coletiva de atualização de um partido que é o mais antigo do Brasil, mas que tem uma grande importância exatamente porque, nós que acreditamos no pluralismo, precisamos que haja um partido com essa configuração para exatamente qualificar a vida democrática e defender os interesses dos trabalhadores. 

Quando o sr. fala “defender a vida democrática, os interesses dos trabalhadores”... Agora, quando o partido defende a ideologia do comunismo existe uma contradição entre essas duas defesas, ou não? E mais, o comunismo é a meta final, ainda hoje, do PC do B para o Brasil?
O comunismo é a nossa referência de luta, porque nós acreditamos que é preciso haver um regime que, mais amplamente, a humanidade usufrua da riqueza com mais justiça social e seja para todos. É uma espécie de referência, para alguns absolutamente utópica, para nós uma referência política que nós buscamos chegar a esse regime, a esse sistema de maior comunhão das riquezas e das oportunidades. Evidentemente, Fernando, diferente do que se debatia no nosso partido nos anos 50, nos anos 60, ninguém cogita, nessa quadra histórica, de que vai haver a ditatura do proletariado, até porque o próprio proletariado, cumprindo aquilo que o Marx dizia no manifesto, segundo a qual, tudo que era sólido se desmanchava no ar, também o próprio conceito de proletariado evidentemente sofreu uma grande revisão nas últimas décadas, pelo grande incremento do setor de serviço, desterritorialização das plantas produtivas. Então, nós temos novos marcos no mundo do trabalho que levam também ao ajustamento da tática política. Agora, é importante um partido que acredite que o capitalismo não é o fim da história. O regime de absoluta primazia do capital significa negação dos sonhos que impulsionam a humanidade para frente. 

Então, eu posso entender que a expressão o comunismo é hoje mais uma abstração de um modelo de sociedade, vamos dizer, menos dura do que seria do capitalismo do que propriamente o comunismo como está nos livros, a expropriação dos meios de produção, ditadura do proletariado. É isso que o sr. quer dizer?
É. Ninguém, Fernando, hoje pode imaginar que vai haver nesse momento no Brasil este sistema que se imaginava nos anos 50. É claro que as sociedades humanas são muito mais complexas.

Por que não mudar o nome do partido?
Porque o nome é bonito. O nome corresponde a uma história que nós temos muito orgulho. E o nome carrega em si a origem etimológica de comunhão, de comunidade, de comum, de coisas boas. É um sistema de homens e mulheres comuns que participam da vida política, que defendem a maior participação das pessoas nas decisões da comunidade e que defendem a comunhão mais justa da riqueza. O comunismo tem essa origem etimológica, foi muito estigmatizado no mundo por desacertos de outros países, de outras experiências, e no Brasil, por conta da ditadura. Mas eu, particularmente, defendo o nome uso o nome, acho que o nome corresponde exatamente à defesa de uma tradição. Agora, com flexibilidade, você compreendendo que a sociedade hoje não pode se estruturar como se imaginava há 100 ou 50 anos atrás.

E o sr. vê vantagens também no sistema de livre mercado, de competição?
Nós precisamos fazer isso no Brasil e no caso do Maranhão isso é muito mais evidente. Quando me perguntavam se havia medo do comunismo eu dizia que o sistema que lá estava tinha mais medo do capitalismo, porque exatamente era a concorrência, o livre mercado, o fim ao privilégio de castas ou de estamentos que explicava esse poder absoluto que eles ostentavam durante esse período. Então nós temos sim que incorporar valores, experiências de outros países, e nós temos exemplos hoje no mundo. O que permitiu hoje essa grande potencia econômica que é a China, foi exatamente a convivência entre uma certa visão clássica com outras formas de organização do mercado.

O sr. vai ser o Deng Xiaoping [1904-1997, criador do chamado “socialismo de mercado” na China] do Maranhão é isso?
Não, eu não tenho essa pretensão. Mas o Deng Xiaoping tem uma frase que eu cito sempre, que eu acho genial, que ele dizia “Não importa a cor do gato, importa que ele mate o rato”.

É isso.
É um provérbio Chinês que eu acho que se aplica bem à realidade brasileira, um momento assim muito delicado da vida política do nosso país.

O sr. está dizendo em outras palavras que o PC do B, um partido comunista do Brasil, é que vai implantar o capitalismo no Maranhão, é isso?
Esse é o nosso desafio, fazer uma revolução democrática burguesa com 300 anos de defasagem, ou seja, garantir o cumprimento da lei, dos contratos, incentivar os investidores privados, novas formas de organização do Estado que contemplem a participação popular, mas que permitam também de outro lado o desenvolvimento daqueles que querem empreender, querem investir, que venham para o Maranhão, acreditem no nosso porto, na nossa infraestrutura, nos nossos recursos humanos, qualificar os recursos humanos. Desenvolver o Maranhão como o PC do B defende desenvolver o Brasil de modo soberano, independente, com ciência, tecnologia, não há incoerência entre aquilo que vamos fazer no Maranhão e aquilo que o meu partido acredita.

Como é que o sr. descreveria hoje a relação história da família Sarney com o Maranhão?
O Victor Nunes Leal [1914-1985] escreveu um livro muito conhecido, alguns colocam inclusive entre os 10 mais importantes da ciência política...

Enxada, voto e....
É. Esse aí mesmo, “Coronelismo, enxada e voto”. Escreveu em 1949, depois eu tenho a impressão que o senador José Sarney leu esse livro, gostou muito e resolveu aplicar no Maranhão. Então é exatamente esse sistema que nós temos lá, o sistema de formação de clientelas, de negação da cidadania e nós estamos procurando, exatamente, superar esse momento, afirmar plenamente os valores da República em primeiro lugar, a separação do público com a esfera privada, garantir que todos tenham oportunidades, garantir o cumprimento do princípio da legalidade, isso é algo absolutamente imprescindível para o Maranhão, no que se refere a compras governamentais, contratos, obras, contratação de servidores públicos, princípio da impessoalidade, valorização do mérito de cada um que possa contribuir com a evolução da sociedade. Então são esses desafios que estão postos sobre a mesa exatamente para conseguir superar essas marcas que eles representam na política maranhense e na política brasileira. Não é algo que se refira apenas à política do Maranhão.

Tem sido costume dizer que a família de José Sarney, integrantes da própria família ou aliados, dominaram o Estado por cinco décadas, mas houve alguns interregnos aí no meio. O sr. diria que foram de fato cinco décadas, houve alguns espasmos ali de oposição?
Os únicos hiatos foram o fim do governo do José Reinaldo Tavares [PSB], porque José Reinaldo foi eleito com apoio deles e depois no outro governo...

Rompeu.
Já no fim de 2005 rompeu, então nós tivemos aí um ano e meio mais ou menos desse governo que foi independente do sistema de poder que ele representava. E os dois anos do dr. Jackson Lago [1934-2011] que acabou de ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral numa ação movida pela então senadora Roseana Sarney. Então três ou quatro anos, mas eu sempre dizia isso.

De 1966 até agora? De 1966, não é?
É ,o senador José Sarney, a partir desse momento da eleição dele a governador.

Em 1966?
Em 1965, e como ele exerceu.

Ele assumiu em 1966.
Exatamente. A partir daí ele exerceu, naturalmente, níveis diferenciados de influência, mais alta ou mais baixa, mas sempre uma grande influência. Até afirmar o domínio absoluto exatamente pela capacidade dele cumprir uma das leis do coronelismo, que é se adequar às mudanças da política nacional para manter o poder local. Então ele foi governo no plano nacional desde Juscelino Kubitschek [1902-1976], praticamente, até agora. Então é, realmente, uma capacidade de adaptação visando a manter o poder local. Nós conseguimos neste momento, exatamente, romper esse pacto oligárquico que havia, o pacto coronelista clássico que está no livro de Victor Nunes e em outras análises sobre o coronelismo, colocando em primeiro plano essa ideia de que o nosso Estado vivia uma assimetria muito profunda entre as potencializadas tão proclamadas, e conhecida de todos, e a realidade social infelizmente existente.

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva chegou a conversar com o sr. algumas vezes sobre a razão pela qual era necessário para ele ficar junto a José Sarney no Maranhão?
Não. Jamais houve essa conversa.

O sr. nunca perguntou?
Também não.

Por quê?
Porque eu imagino que a resposta seria em torno da temática da governabilidade e como eu disse no início, é algo que eu não concordo mas compreendo as razões de quem pensa assim. Nós estamos vendo as dificuldades que este governo e qualquer governo enfrentaria num Congresso [Nacional] extremamente fragmentado, difícil a formação de maiorias, estáveis, que garantam a implementação de políticas públicas, e isso faz com que haja determinados pactos, determinados acordos. Apenas penso que no caso do Maranhão, o preço imposto era muito alto. Seria exatamente a perpetuação desse sistema injusto que lá estava.

Lula e o PT poderiam ter sido um pouco mais arrojados, digamos já pelo menos em 2010 e já avançado no Maranhão?
Eu desejo que isso aconteça.

Não, mas eu digo em 2010, há quatro anos, já teria sido possível ao PT, eventualmente pensar “bom, acho que já podemos romper no Maranhão com essas forças aqui”?
Em 2010....

Ou não, era arriscado?
Em 2010 talvez fosse um pouco mais complicado, porque o candidato que enfrentava naquele momento a filha do senador José Sarney, que era eu próprio, estava muito distante nas pesquisas. Ela de fato liderava com 30 ou 40 pontos de vantagem. Em 2014, a situação era diametralmente oposta. Eu comecei a campanha liderando com 30 pontos e terminei liderando por 30 pontos.

O sr. acabou vencendo no primeiro turno com 63%, quase 64%, foi isso? Quanto foi?
64%.

Dos votos válidos no primeiro turno?
Isso. E essa maioria já estava desenhada desde o começo. Então acho que esse elemento da viabilidade eleitoral deveria ter sido analisado, penso eu.

Faltou arrojo à direção do PT nessa hora, talvez?
Eu acho que as desigualdades regionais do Brasil explicam muita coisa. Acho que quem olha o país de outro ponto do território nacional talvez tenha uma certa dificuldade de compreender os processos em todo o país, e acho que faltou essa compressão mais clara do que estava acontecendo no Maranhão. Porém, o mais importante, Fernando, é que nós conseguimos fazer esta aliança, vencemos, a presidenta Dilma [Rousseff] foi eleita. O que nós queremos é que a presidenta Dilma, o governo federal, ajude o Maranhão. Ajude o Maranhão, ajude o nosso Estado, e espero que a bancada do PT no Congresso, na Câmara e no Senado, onde tenho muitos amigos, também me ajudem nesse processo.

O sr. fez campanha abertamente para Aécio Neves?
Não. Eu não fiz porque havia uma espécie de compromisso, havia o que eu chamava de condomínio entre partidos que apoiavam a Dilma, o Aécio e o Eduardo Campos [1965-2014]. E nesse compromisso eu manteria uma posição de imparcialidade exatamente para ser o fiador desse grande compromisso entre forcas políticas diversas reunidas no plano nacional.

E no segundo turno, como foi?
Eu mantive exatamente o compromisso que havia com essas forças.

De neutralidade?
De neutralidade. Até, naturalmente, o momento do voto. Porque no momento do voto, indagado em quem votei declarei que cumpri, segui a orientação do meu partido, voto na presidenta Dilma.

No primeiro turno, o sr. votou em quem?
No primeiro turno é secreto o voto [risos]. No segundo turno eu votei na presidenta Dilma.

Já que estamos falando de voto. A [emissora] afiliada da TV Globo no Amapá, de maneira até inadvertida, registrou o momento em que o  senador José Sarney digitou seu voto na urna eletrônica, a gravação é íntegra, e ele votou em Aécio Neves no segundo turno para presidente. Embora em público José Sarney declarasse o apoio a Dilma Rousseff. O que o sr. acha que essa atitude de José Sarney revela?
Revela uma pessoa que não aceitou a derrota no Maranhão. E eles...

Mas o candidato dele venceu lá [no Amapá].
Mas a disputa principal para ele, senador José Sarney, era do Maranhão. E eles fazem uma análise, segundo a qual um dos responsáveis ou uma das principais responsáveis pela derrota do Maranhão foi a presidenta Dilma. E eles verbalizam isso no âmbito do próprio grupo e às vezes publicamente dão a entender, o próprio candidato, que foi o meu adversário, disse isso expressamente, que faltou apoio da presidenta Dilma. Eu interpretei esse gesto dele, inusitado, um gesto realmente impressionante, espantoso e eu não esperava isto, como uma espécie de retaliação íntima, pessoal, a isso que ele atribui a falta de apoio da presidenta Dilma no processo do Maranhão.

No Maranhão.
Na medida em que ela não se envolveu de nenhum modo na campanha. Ela não participou. Ela manteve em relação à disputa do governo de Estado uma posição de neutralidade. Ela não interveio nem num sentido, nem noutro. E acho que isso explica a atitude pessoal do senador José Sarney. Não aceitar derrota, não identificar as razões da derrota em si mesmo e sim procurar atribuir a alguém, e esse alguém acabou sendo a presidenta Dilma.

Passada já mais de uma semana da eleição, o sr. teve a oportunidade de telefonar para a presidente Dilma? Ou recebeu um telefonema dela, cumprimentando pela eleição?
Não. Ainda não. Nós estamos aguardando uma agenda para fazer isso formalmente, pessoalmente. E eu tenho certeza que a presidenta Dilma vai ajudar muito o Maranhão.

Veículos de imprensa, no Maranhão, têm veiculado notícias, ainda não confirmadas, de que a governadora Roseana Sarney planejaria se mudar, inclusive do Maranhão, para outro país, para os Estados Unidos, para supostamente evitar um processo, inquérito, relacionado à operação Lava a Jato. Uma vez que foi citado de maneira indireta, às vezes direta, o nome dela com um dos integrantes que estão sendo investigados nesse processo [relacionado ao doleiro] Alberto Youssef. Ela, evidentemente, nega qualquer envolvimento. O sr. acha que tem chance de acontecer algo assim?
Eu não sei exatamente o que ela vai fazer, Fernando. Há esse comentário. O certo é que a nação espera o desdobramento da operação Lava Jato. Eu acho que inclusive a permanência desse sigilo que existe até hoje é nocivo aos interesses do país, porque se presta a todo tipo de manipulação, de intriga, de especulação. Acho que o Poder Judiciário do Brasil ajudaria muito a política nacional a abrir, finalmente, o que é exatamente o conteúdo da operação Lava Jato, uma vez que os principais depoimentos já foram tomados e a natureza dos crimes não permite que as provas sejam eliminadas. Porque crimes financeiros, crimes de corrupção, normalmente deixam rastros documentais. Siga o dinheiro, é o mandamento número um nesse tipo de investigação. De modo que acho que seria muito útil para o atual Congresso Nacional e para o próximo, que fique claro ao fim, até para que eu possa responder mais precisão a uma questão desse tipo. Qual será o destino da governadora Roseana Sarney? Acho que depende muito efetivamente do que existe da operação Lava Jato.

Do melhor do seu juízo, o sr. acha que há alguma conexão da operação Lava Jato com a política do Maranhão?
O Alberto Youssef foi preso em São Luís. Foi preso no Maranhão, num hotel de lá e a contadora dele revelou que havia reuniões com integrantes do governo em torno da negociação de um precatório que, ao fim, o Tribunal de Justiça declarou que não existe. Então, o governo do Estado pagou, e ainda está pagando, por um precatório que sequer está formalmente formado no Tribunal de Justiça. Isso é um indício, ao meu ver, bastante eloquente acerca de necessidade de prosseguir essas investigações e finalmente se esclarecer qual é a conexão entre a governadora Roseana Sarney e o seu governo e um cidadão que acabou por ser preso em São Luís, exatamente mantendo reuniões com pessoas do governo.

Quais vão ser as suas duas ou três principais medidas ao assumir o governo do Maranhão a partir de 1º.jan.2015?
Em primeiro lugar, firmar o primado da transparência. Nós criamos uma secretaria da transparência e controle, vamos aperfeiçoar o portal da transparência, garantir o pleno cumprimento da Lei de Acesso à Informação, são medidas práticas que demonstram o nosso total compromisso com as ações preventivas em relação ao mau uso do dinheiro público. Nós vamos, naturalmente, a partir daí executar o orçamento que está sendo debatido na Assembleia com uma visão, a visão de que nós precisamos melhorar a vida do povo do Maranhão. Daí nós temos um conjunto de políticas sociais que serão prioritárias. Cito um exemplo para você: a política habitacional. Nós temos um déficit habitacional no Maranhão de 450 mil moradias. Então essa é uma questão fundamental à qual nós vamos nos dedicar com muita ênfase. Água na casa das pessoas. O Maranhão é cortado por rios perenes, mas tem um problema de abastecimento de água crônico. Eu diria que muito mais impressionante do que a situação de São Paulo, com o sistema Cantareira, porque se essa situação aguda vivida agora em São Paulo, nós vivemos isso há décadas, de escassez de água, de negação de fornecimento, de racionamento sendo feito na prática. Então são alguns desafios práticos que dizem respeito à vida dos maranhenses que nós vamos enfrentar com muita determinação para que a gente possa entregar um legado. Em primeiro lugar: de superação da quadra de corrupção, tirar o Maranhão das páginas policiais, e em segundo lugar garantir esse conjunto de políticas sociais e políticas públicas.

É necessário fazer alguma investigação, uma auditoria, nas contas públicas de anos recentes para ver o que aconteceu?
Nós não vamos fazer isso de modo amplo, de modo irrestrito.

Não haverá uma devassa?
Não. Não porque acho que é desnecessário. Haverá o cumprimento da lei, na medida em que os secretários encontrarem situações atípicas, anômalas, com indícios de irregularidades, ou de superfaturamento, ou de não execução de contratos. A orientação já está sendo dada inclusive, que é cumprir a lei, apenas isso. Ou seja, se você autoridade pública se depara com uma situação em que há um indício, pelo menos, veemente de irregularidade ele deve proceder à apuração, enviar para os sistemas de controle interno, e o controle interno vai fazer a apuração, e, se for o caso, acionar o Ministério Público. Mas não de modo que pareça uma espécie de Santa Inquisição. Não nos cabe isto. Nós pretendemos fazer com que o governo funcione, funcione bem desde o primeiro dia, e para isso a máquina pública vai ser orientada a olhar para o futuro. Agora, sem proteger irregularidade do passado.

Recentemente o Estado do Maranhão virou notícia nacional, internacional até, por conta da situação do presídio de Pedrinhas, onde foram registradas lá dezenas de casos de violência, inclusive com decapitação de presos. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) concluiu que o governo era incapaz de conter a violência lá. Como é que o sr., que já foi juiz, integrou o CNJ, pretende resolver esse problema específico?
Nós precisamos, em primeiro lugar, recuperar autoridade sobre o sistema. Hoje quem controla o sistema são dois grupos organizados de criminosos, que controlam o crescimento da criminalidade intramuros e também fora dos muros de Pedrinhas, na medida em que hoje nós temos praticamente três assassinatos por dia na região metropolitana de São Luís, muito em razão do crescimento do tráfico de drogas, do crack. Então nós precisamos enfrentar essa situação dentro das penitenciárias, reafirmando a autoridade pública e o cumprimento da lei, e, ao mesmo tempo, com isto, nós vamos melhorar as condições de segurança fora da penitenciária. Para isso, nós vamos rever, naturalmente, a equipe e os procedimentos e vamos encaminhar duas questões: a primeira, a governança do sistema. Em que nível nós vamos ter outros parceiros. Há um modelo que nos agrada muito, que é um modelo chamado APAC [Associação de Proteção e Assistência aos Condenados] que vem sendo executado em vários Estados, em que há uma participação ativa de organismos da comunidade, como aliás a Lei de Execução Penal de 1984 determina na gestão do presídio, ou seja, a gestão do presídio não é somente estatal, ela é pública no sentido mais amplo da palavra. Então você tem o governo, e tem outros autores da sociedade que possam lhe ajudar na gestão do sistema. E depois, claro, concluir a implantação de novas estruturas físicas, de modo a descentralizar a execução penal, que é o nosso principal objetivo. A execução penal hoje é basicamente centralizada em São Luís e essa é uma das razões pelas quais aconteceram tantos problemas.

Quantas vagas em presídios são necessárias hoje no Maranhão?
Em Pedrinhas nós temos 2.200 presos para 1.700 vagas, então nós temos um déficit de 500. Há, naturalmente, muitos presos provisórios em delegacias ainda. Então nós temos um déficit, que não é dramático, que não é profundo, mas um déficit que deve ser enfrentado até para humanizar o cumprimento da execução penal.

O sr. mencionou o número de homicídios que ocorrem na região metropolitana de São Luís e falou sobre o tráfico de drogas. O sr. tem posição formada a respeito de como deve ser a política antidrogas no país e se é necessário que o Brasil discuta a possibilidade de vir a descriminalizar as drogas?
Eu sou a favor de todos os debates na sociedade. Eu particularmente, eu, minha posição pessoal, é contrária à descriminalização. No meu ponto de vista acho que isso ajuda pouco e cria outros tipos de complicações acerca do modo de como esse mercado iria se estruturar. Sou contra a descriminalização, sou a favor de um combate duro ao tráfico, um combate firme ao tráfico. E naturalmente os dependentes químicos devem ser compreendidos como uma questão de saúde e da sociedade. Sou absolutamente contra o encarceramento dos dependentes, dos usuários, porque isso na verdade acaba resultando em novos ciclos de criminalidade.

É isso que eu ia falar para o sr., porque se não houver uma orientação melhor para os juízes, os juízes podem às vezes dar uma pena alternativa, mas muitas vezes não dão também e encarceram pessoas.  Metade da população carcerário brasileira hoje, possivelmente, é por causa de drogas, muitos por causa de quantidades muito pequenas. Aí precisaria mudar a lei. Você acha que precisa mudar a lei?
Não. Não precisa mudar a lei. Na verdade precisa mudar a cultura do Judiciário brasileiro, porque acho que no processo vem mudando. Porque os marcos legais são adequados hoje, os marcos legais procuram exatamente diferenciar o que é a situação do traficante, que é exatamente um mercador da morte, na minha avaliação, da situação do usuário dependente, que é uma vítima de problemas sociais, de problemas familiares, e que acaba sendo, neste caso, o elo mais frágil de um comércio, e por isso não deve ser punido porque já é frágil em si. E dada as condições do sistema penitenciário é claro que é um enorme equívoco encarcerar essas pessoas. As tuas indagações e as minhas respostas mostram que o debate é importante. Eu acho que é essa uma questão profunda para qual nós precisamos, Fernando, fazer um grande pacto político no país. Nós temos a sexta eleição presidencial seguida em que PT e PSDB polarizaram no plano nacional. Se essa polaridade continuar nos termos em que foi posta no segundo turno, nós teremos muita dificuldade de avançar em temas como esse ou da chamada reforma política. É premissa hoje, pré-condição, para o bom funcionamento da democracia no Brasil, uma mesa bipartidária entre o PT e o PSDB. Acho que esse seria um grande passo para a democracia no país e que os dois partidos compreendessem as suas responsabilidades e buscassem algum tipo de entendimento, já que são os partidos mais representativos, que lideram as correntes mais expressivas de opinião na sociedade, creio que não têm o direito de paralisar o processo decisório no país em torno de questão tão agudas e tão graves como essas que nós estamos tratando aqui. Acho que o primeiro passo para haver uma reforma política é o PT e o PSDB conseguirem efetivamente abandonarem a ideia de um terceiro turno e fazer algum tipo de entendimento como o PP e o PSOE fizeram na Espanha algum tempo atrás.

Pacto de Moncloa aqui vai demorar, vamos esperar sentados.
Não, Fernando. Eu acho que é necessário porque como nós vamos lidar com um Congresso, uma Câmara, com 28 partidos? Com muita dificuldade de formação de maiorias, tanto na Câmara quanto no Senado. Como nós vamos avançar nisto? E as principais vítimas dessa polarização são a população, claro.

Eu vou até perguntar sobre isso, mas antes deixa eu te fazer mais uma pergunta sobre o Maranhão.
Claro.

O Maranhão tem o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país no momento. Em quatro anos, que é o seu mandato, começa em 1º.jan.2015, é possível fazer o quê? O sr. acha que vai conseguir em quatro anos entregar um Maranhão melhor, numa posição melhor no IDH? Como e em que posição?
Bom, em primeiro lugar vamos entregar um Maranhão melhor. Em segundo lugar, vamos entregar um Maranhão de 2018 que não estará nos últimos lugares no IDH. Último, penúltimo, antepenúltimo que é o ...

Não vai mais estar nessa posição?
Não. Não estará. Lhe garanto que não estará.

Isso é uma promessa sua aqui?
Mais do que uma promessa, é um compromisso de vida. E eu tenho convicção que isso é possível.

Você acha que em que posição? O Maranhão tem condições pela sua população, pelas suas riquezas e potencial de estar em qual posição no IDH dos 27 Estados?
O Maranhão tem o 16º PIB do país. Acho que essa é uma referência que nós devemos perseguir. Nós...

Deveria ser pelo menos o 16º IDH?
Acho que é uma referência. O certo é que não dá para compreender como o Estado que tem o 16º maior PIB do país e tem tantas potencialidades tem ao mesmo tempo uma situação social tão negativa. A resposta para este fosso, a compreensão desse fosso, está exatamente na política. Como a política concentrou riqueza pela via do patrimonialismo e da corrupção, essa riqueza não chegou até a casa das pessoas. Na medida que você enfrenta isso, consegue com isso melhorar a renda da sociedade, melhorar os indicadores educacionais, o Maranhão vai subir o IDH, tenho absoluta certeza. Em que medida? Depende dos outros Estados também, depende da situação nacional, do crescimento da economia brasileira. Então eu não posso aqui fazer um acordo completo com você e com os que nos assistem, acerca de em que posição o Maranhão estará. O que eu posso afirmar, que estará em uma posição bem melhor do que a que tem atualmente.

Política nacional. O sr. mencionou o fato de o Congresso, no caso a Câmara dos Deputados, ter 28 partidos representados a partir de 2015, e isso realmente dificulta muito o debate democrático ali dentro porque fica muito complicado ouvir a todos e construir consensos. O que tem que ser feito? E como se fazer?
Em primeiro lugar nós precisamos desobstruir o diálogo entre as duas principais forças políticas o país. Se o PT e o PSDB conseguirem fazer algum tipo de acordo de procedimento acerca da deliberação dos temas, e tenho certeza nos temas institucionais, até mesmo acordo de mérito. de conteúdo. é possível ocorrer, nós vamos avançar na chamada sonhada, e anunciada, e debatida reforma política.

Deixa eu interrompê-lo. Esse acordo PT-PSDB eu ouço sobre esse acordo também há muitos anos, o sr. também, todos nós. Acreditar que ele vai ocorrer... Quer dizer, querer que ele ocorra talvez seja uma coisa até boa para o país. Agora, acreditar que ele vai ocorrer no médio prazo é um pouco ingênuo não é?
É otimista. Uma visão otimista, uma visão cristã segundo a qual as pessoas se convertem, se aprimoram, e acho que nós devemos defender isso, com muita ênfase, independentemente das dificuldades materialmente existentes neste dia que nós estamos conversando, eu acredito sim que é possível, porque sem isso nós vamos passar mais quatro anos discutido reforma política e vamos avançar pouco a não ser por dois eventos. O primeiro, operação Lava Jato. Eu tenho dito que dependendo do desdobramento da operação Lava Jato, se o Congresso não fizer reforma política a polícia a fará. A operação Lava Jato vai fazer grande parte da reforma política porque no seu núcleo está a delicada questão do financiamento de campanha. Imbricada a essa questão, há o julgamento no Supremo Tribunal Federal que deve, provavelmente, por fim ao financiamento empresarial. Então esses dois eventos somados vão acabar por fazer a agenda. O que eu estou aqui defendendo é que, para além desses fatos objetivos que ocorrerão, haja também, por parte dos atores políticos, um passo sobre perda de mais uma vez ficar caudatário desses outros eventos que ocorrerão na esfera extrapartidário, ou extrapolítica. Ninguém pode imaginar que algo vai transitar no Congresso Nacional e na sociedade sem haver um entendimento PT/PSDB. Me parece mais factível crer nisso do que acreditar que um dos lados vai conseguir unilateralmente impor a sua visão. É impossível, dada a fragmentação, dada a própria situação derivada da eleição, nós imaginarmos que um dos lados vai conseguir impor a sua visão. Nós temos nesse sentido uma crise de hegemonia permanente no parlamento brasileiro. Acho que a última hegemonia clara, nítida, estável foi a do Centrão na Constituinte. De lá para cá nós tivemos maiorias ocasionais que se formaram.

Episódicas.
Episódicas e que se dissolveram logo em seguida, e é essa crise de hegemonia do processo desses órgãos que deve ser enfrentada. Se não for enfrentado pelo Congresso, vai ser enfrentado pelo Supremo e também pela Polícia Federal e aí isso me parece uma contrautopia. Então entre a contrautopia e a utopia, eu prefiro utopia.


Sobre o número de partidos representados na democracia brasileira dentro do parlamento, há um problema mecânico a ser resolvido, porque os partidos são incentivados a existir, muitos deles naquele campo da negociata, a gente sabe, porque empresta ou até vende os seus tempos de TV e, enfim, e assim vão sobrevivendo. Para resolver isso, existe uma fórmula clássica usada em alguns países, que é a cláusula de desempenho ou de barreira. O problema para aplicar essa cláusula é que alguns partidos, ditos mais ideológicos, também seriam solapados por ela. Como resolver essa contradição?
A cláusula de barreira é um debate necessário desde que você observe parâmetros de representatividade adequados a um país como o Brasil. Nós não somos Alemanha, ou Suécia, ou enfim. Nós temos características, dada a dimensão territorial, a pluralidade existente, inclusive do ponto de vista regional.

Eu entendo isso, mas...
Nós precisamos garantir o coeficiente de representatividade que seria distinto daquele que foi estabelecidos originariamente de 5%, que é um parâmetro realmente elevadíssimo, que levou inclusive que o Supremo declarasse inconstitucional. Nós precisamos também, além da cláusula de barreira, fazer outros debates. Nós sempre defendemos o advento das chamadas federações partidárias. São coligações mais permanentes, programáticas, que garantiriam portanto uma reorganização a partir de diálogo entre as forças políticas e não propriamente por um parâmetro heterônomo imposto de fora para dentro do sistema político. Acho que a combinação disto, a combinação de novos parâmetros de financiamento, garantido que a política se organize de outro modo, mais o debate sobre federações partidárias e, eventualmente, algum tipo de cláusula de desempenho, que seja democrática, que preserve exatamente esse coeficiente de representatividade necessária à legitimação de uma democracia como a do Brasil pode ajudar nisto. Além disso, a questões regimentais do Congresso, da Câmara, particularmente, estive lá, como você sabe, que podem ajudar também a destravar o processo decisório no Congresso brasileiro.

Cite um elemento ali do funcionamento do Congresso que deveria ser aperfeiçoado para as coisas andarem com mais rapidez?
Em primeiro lugar é absolutamente impossível funcionar apenas as quartas-feiras. Em segundo lugar, nós precisamos valorizar mais as comissões e menos o plenário. São questões regimentais que podem ser resolvida lá. Com isso as comissões podem, funcionando melhor, garantir mais velocidade no processo decisório no parlamento.

Eu ouvindo o sr. falando sobre uma certa cláusula que preserve a representação dos partidos, eu sempre chego num beco sem saída, porque se o percentual mínimo de votos exigidos de uma agremiação política partidária não for num determinado nível, teremos muitos partidos. Se ele for um pouco mais baixo para que, enfim, seja preservado o direito das minorias, aí teremos sempre muitos partidos. É muito difícil encontrar um meio termo, porque da mesma forma que o seu partido que teve, tem hoje 15 deputados, terá 10 a partir do ano que vem, enfim é um partido histórico e que está aí há muito tempo, tem outros que têm o mesmo tamanho e até maior que não tenham a representatividade histórica que tem o PC do B. Como é que resolve isso?
As federações partidárias são o tempero que podem resolver essa aparente contradição. No momento em que você tiver a reorganização do quadro partidário com as federações, nós teremos um caminho democrático para garantir que o parlamento funcione bem, como nós gostaríamos e desejamos que funcione, preservando a organização dos partidos.

Coligação para eleições proporcionais, é uma regra boa ou ruim na sua opinião?
Na verdade, no plano institucional não existe uma regra que seja absolutamente boa, ou absolutamente ruim.

Na sua opinião.
No atual momento do país, é uma necessidade. Exatamente porque nós temos uma fragmentação de partidos e as coligações permitem que esses partidos possam eleger representantes. No momento que nós tivermos as federações partidárias, creio que naturalmente as coligações perdem a sua funcionalidade.

O PC do B diminuiu de tamanho na Câmara. De 15 deputados hoje vai cair para 10 em 2015. Por que isso aconteceu?
Houve uma redução de bancadas de praticamente todos os partidos, exatamente porque aumentou a fragmentação. A nossa principal hipótese de reflexão hoje é esta, o próprio PT diminuiu também a sua bancada.

Todos né, dos grandes.
O PMDB diminuiu a sua bancada, o PC do B diminuiu a sua bancada, e outros partidos, outros tanto. Solidariedade, Pros, houve uma redução porque houve um crescimento do número de atores e representados no parlamento. No caso do PC do B, nós estamos fazendo um debate sobre isso para detectar outras causas, outras razões, mas sem dúvida nenhuma a vertente principal de compreensão do fenômeno foi algo que aconteceu, de um modo geral, na vida política.

Como vai ser a relação do PC do B agora num segundo mandato da presidente Dilma com o Palácio do Planalto e como será a relação do seu governo com o governo federal da presidente Dilma?
Nosso governo claro que vai precisar muito do governo federal como todos os governos estaduais precisam, e eu sempre tive um amplo acesso, relacionamento com os outros partidos que compõem a base do governo. Então, tenho a expectativa que o nosso governo vai ser muito bem tratado. O PC do B é um partido que desde 1989 apoia o PT e é claro que a nossa expectativa é que esteja bem representado no governo federal e continue a ajudar, como nós já ajudamos em tantos órgãos e tarefas públicas que nos foram confiadas ao longo desses 16 anos, 12 anos, vamos para 16 anos. Nós possamos também dar continuidade no quarto mandato sob a direção, sob a liderança do PT, a contribuição do PC do B possa se manter.

E deve ter uma presença na Esplanada dos Ministérios no ano que vem o PC do B?
Sim, nós desejamos isto, porque...

Hoje tem o ministro [dos Esportes] Aldo [Rebelo].
É, nós sempre desempenhamos bem todas as funções públicas que nos são atribuídas, e em segundo lugar, como você mesmo sublinhou há pouco, somos um partido de grande representatividade. Além de estarmos presente na Câmara, no Senado, governos estaduais, prefeituras, temos uma relação bastante ampla com a sociedade civil, que dá exatamente a legitimidade para o PC do B postular ou pleitear permanecer com tarefas de responsabilidade e relevância do governo federal.

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que é filiado ao PC do B está aí representado partido na Esplanada dos Ministérios da presidente Dilma agora. Há uma informação aqui em Brasília sempre recorrente de que ele desejaria pleitear uma vaga que vai abrir dentro do Tribunal de Contas da União, o TCU. O sr. tem conhecimento disso? Seria um bom representante do pro TCU o ministro Aldo Rebelo?
O ministro Aldo Rebelo disputou essa indicação na última vaga que abriu.

Isso. Vai abrir outra.
Então tem legitimidade para eventualmente pleitear novamente. Além disso, é uma pessoa que usufrui de grande prestígio no Congresso Nacional pelas várias funções que exerceu, de presidente da Câmara, ministro do governo, de Relações Institucionais, ministro do Esporte. Sempre se saiu muito bem, parlamentar experiente, uma pessoa de grande conhecimento sobre o Brasil, sobre as coisas do Brasil, com uma visão do desenvolvimento nacional, não sei exatamente do apetite, do desejo individual dele. Mas é certo que é um pleito legítimo e, em havendo a chancela da presidenta Dilma, do Congresso Nacional, tenho certeza que será um grande ministro do TCU.

Do melhor da sua experiência, já esteve dentro do Congresso, vai ser mais para calma ou mais para tumultuada a relação do Congresso com o Palácio do Planalto no ano que vem, 2015?
Hoje tem cara de muito tumulto, essas coisas são muito surpreendentes, porque, como você sabe, o Congresso Nacional é o reino da imprevisibilidade. Tudo pode acontecer, inclusive nada. Então os tempos tumultuados às vezes viram uma bonança e quando você pensa que está tudo bem vem de lá um furacão, um tornado. Hoje, sem dúvida, se vivem dias de muita ansiedade, como disse há pouco, exatamente pela Operação Lava Jato. Acho que a soma da Operação Lava Jato, envolvendo 30, 40 parlamentares eventualmente, com o acréscimo dessa decisão do Supremo acerca do financiamento de campanha. E o fato de haver uma fragmentação que deve tornar mais oneroso o processo decisório. Oneroso, que eu falo, não no sentido econômico, claro, mas no sentido político, mais difícil a formação de maiorias, a negociação. Acho que os repórteres e colunistas políticos vão ter anos bastante divertidos e instigantes nos próximos anos.

Nesta semana deve ser colocado em votação um projeto de lei que já foi aprovado pela Câmara, que trata do indexador que corrige a dívida de municípios e dos Estados em relação à União. O sr. tem posição a respeito desse projeto de lei?
Eu não conheço particularmente este projeto de lei, mas posso te afirmar que sou e sempre fui a favor do redesenho do pacto federativo porque, de fato, por uma série de mecanismos, sobretudo a criação de contribuições em vez de impostos... Então, criaram-se contribuições, que não participam da partilha, da repartição de receitas com Estados e municípios, e de outro lado, muitas desonerações em cima de Imposto de Renda e de IPI, é claro que houve uma depreciação em termos relativos, da participação de Estados e municípios, e de algum modo deve haver alguma compensação, exatamente por essa queda em termos proporcionais da participação, falando aí das últimas duas décadas. Os constituintes de 87, de 88, desenharam um modelo de ampla participação de Estados e municípios, e ao longo dos anos 90, exatamente para superar a inflação, melhorar a relação dívida/PIB, foram sendo empreendidas pequenas reformas tributárias que acabaram levando a uma partilha, que em termos relativos é diferente daquilo que havia sido imaginado pelos constituintes. Um caminho de compensação é exatamente a revisão dos parâmetros de endividamento e o pagamento da dívida.

A dívida do Maranhão hoje é, em pagamento mensal, que o Estado tem que fazer, é mais ou menos da ordem de quanto?
Nós temos a previsão, em 2015, de R$ 2 bilhões comprometidos com encargos da dívida do nosso Estado, para um Orçamento de R$ 16 bilhões. Então estamos falando aí de algo em torno de 13%. Cito aqui de memória, fazendo a conta rapidamente, acho que em torno de 13% ou 14% do nosso Orçamento.

E a expectativa é que seja possível reduzir isso?
Em um Estado com todas as carências como o Maranhão, um Estado que precisa ampliar os investimentos públicos, inclusive para atrair investimentos privados, evidentemente que qualquer sobra fiscal é muito bem-vinda.

O Orçamento é da ordem de R$ 16 bilhões?
Programado para 2015, a Assembleia ainda não votou, a proposta orçamentária é essa. É um Orçamento que, olhando assim, em termos genéricos, atende às nossas expectativas, é importante ver se as receitas previstas vão se realizar nesta dimensão exatamente em torno das incertezas que a própria vida econômica do país atravessa. E outras questões, como essa do endividamento. Nós vamos executar bem esse Orçamento, que eu posso garantir a você e a todos os brasileiros é que esse dinheiro não irá parar no meu bolso, nem no da minha família, nem dos meus aliados políticos.

Flávio Dino, governador eleito do Maranhão, do PC do B, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Eu que agradeço.