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Opositor a Janot, procurador critica uso de "efeitos midiáticos" na Lava Jato

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que concorre ao cargo de procurador-geral da República - Antonio Cruz/Agência Brasil
O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que concorre ao cargo de procurador-geral da República Imagem: Antonio Cruz/Agência Brasil

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

04/08/2015 06h00

O procurador da República Carlos Frederico Santos é tido como o principal opositor ao atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na eleição para a composição da lista tríplice que o MPF (Ministério Público Federal) entregará à presidente Dilma Rousseff (PT) nos próximos dias. A eleição para a lista tríplice, que acontecerá no próximo dia 5, é uma das etapas do processo de escolha do PGR.

Além de Carlos Frederico e Rodrigo Janot, participam da eleição os procuradores Mário Bonsaglia e Raquel Dodge. A reportagem do UOL enviou perguntas aos quatro candidatos, mas até o momento, só recebeu as respostas de Carlos Frederico e Raquel Dodge.

Carlos Frederico tem 24 anos de carreira no MPF e atuou em casos conhecidos com o do genocídio de índios ianomâmis na fronteira entre o Brasil e a Venezuela e foi um dos autores da ação civil pública que impediu a construção de uma usina hidrelétrica na área onde hoje existe a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ambas em 1995.

Entre as principais críticas que Carlos Frederico faz a Janot, que tenta a reeleição, está o que ele classifica como o uso de “efeitos midiáticos” na condução da operação Lava Jato.

Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo procurador.

UOL -  O senhor é visto com o candidato mais crítico ao atual PGR, Rodrigo Janot. Entre as críticas, destaca-se a que o senhor fez em relação ao pagamento de atualização financeira a alguns procuradores às vésperas das eleições. O senhor acha que esse pagamento foi uma medida tomada para obter mais votos?
Carlos Frederico Santos - Essa resposta não tem que ser dada por mim, mas por quem praticou o ato. A crítica que fiz teve por base a ética, que entendo fundamental em todos os momentos e atos da nossa vida.

Em várias entrevistas, os procuradores da operação Lava Jato fazem declarações sonoras, como a de que a operação é um momento histórico. O senhor concorda com a essa avaliação ou haveria certo exagero na forma como a operação vem sendo conduzida?
Não há dúvidas de que vivemos um momento histórico no Brasil, um fato marcante, e ressaltar isso por si só não significa um exagero, pois entendo que realmente os fatos apurados ficarão registrados com parte da história do Brasil. No demais, é preciso que se especifique o fato que se considere como exagero na condução da operação Lava Jato, a fim de evitar comentários injustos e com base em meras ilações.

Onde o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estaria falhando no âmbito da operação Lava Jato?
A operação Lava Jato que corre junto ao Juízo Federal de Curitiba é da atribuição dos procuradores da República de primeira instância e dos demais procuradores que integram a força-tarefa. Eventual desmembramento decorrente de imputações feitas às autoridades que gozam de foro por prerrogativa de função é da atribuição do procurador-geral da República, e quanto a essa parte eu já fiz críticas, especialmente quanto à não utilização do poder investigatório do Ministério Público e ao uso de efeitos midiáticos. Entendo necessário que sejam dados novos contornos à forma e ao tom das investigações no Supremo Tribunal Federal, buscando resultados mais sólidos de forma transparente, mas sem manifestações midiáticas, as quais entendo que comprometem a relação institucional entre os Poderes e não se demonstram boas para a estabilidade do país. É necessário que se investigue, denuncie, quando for o caso, aliás, esse é o trabalho do Ministério Público, com transparência, mas sem exposições desnecessárias.

Como o senhor avalia a atuação do coordenador da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol?
Todo procurador da República tem o dever de atuar na repressão de crimes e o colega Deltan Dallagnol assim está fazendo de acordo com suas convicções e em consonância com outros colegas que atuam na operação Lava Jato, o que denota se tratar de um trabalho de equipe. A avaliação que pode ser feita é desse trabalho, que tem demonstrado resultados efetivos e satisfatórios e tem atendido aos anseios da sociedade.

O senhor é amigo de Antônio Fernando de Souza, ex-procurador-geral da República e atual advogado de Eduardo Cunha. Se o senhor chegar ao cargo, como garantir que sua amizade com o defensor de Eduardo Cunha não influencie os trabalhos da PGR?
Não nego amizades e nem escolho amigos em razão de preferências políticas, religiosas ou de opções pessoais. Tenho formação de caráter forte e minhas próprias convicções. Quando a amizade influencia no campo jurídico, há mecanismos legais próprios a serem aplicados, o que evita atuação tendenciosa que entendo não ser o caso, mas que será devidamente avaliada no momento oportuno.

Dados indicam que o MPF, assim como outros órgãos públicos ligados ao Poder Judiciário, pagam auxílio moradia até a funcionários que têm casa própria. O senhor recebe esse benefício? Tem casa própria?
A remuneração que percebo tem por base natureza universal, isto é, é paga a todos os membros do Ministério Público da União de forma indistinta, cuja análise prescinde de saber se tenho ou não residência própria. Está no portal da transparência do MPF. Entendo que toda pessoa deve ser remunerada de forma a garantir a sua dignidade, fazendo-se o diferencial de acordo com sua qualificação e habilidade.

Na sua opinião, a prerrogativa de foro atrapalha ou ajuda as investigações de suspeitos com mandato?
O foro por prerrogativa de função, também chamado de foro privilegiado, já foi visto com maus olhos por despertar a ideia de privilégio às altas autoridades públicas. Contudo, visto por outra ótica, tem como objetivo permitir um processo e julgamento mais isento e livre de pressões políticas. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, bem como outros tribunais, têm dado demonstração de não tratarem o foro por prerrogativa de função como privilégio, mas como garantia decorrente da relevância do cargo para a sociedade. Isso ficou demonstrado no mensalão e em outros processos de menor visibilidade. Ademais, há de se atentar que o reduzido número de recursos neste foro contribui para uma punição mais rápida, a evitar prescrições, sem, contudo, significar ofensa a qualquer direito fundamental do réu.

O senhor acredita que a sociedade está livre de propostas como a PEC 37, que reduzia os poderes de investigação do Ministério Público? Na medida em que políticos são, cada vez mais, alvos de ações da PGR e do MPF, como evitar que o MP fique “refém” do Congresso?
Vivemos um Estado de Direito, pautado por um regime democrático. Entendo que as instituições existem e coexistem, independentemente dos maus frutos dos que as integram. O Congresso Nacional é uma instituição permanente, expressão de um dos Poderes da República [...] Acredito nas instituições e acredito que delas serão sempre extirpados os maus frutos, garantindo, assim, o Estado Democrático de Direito em que vivemos, no qual um Ministério Público independente é essencial para o equilíbrio das relações institucionais entre os Poderes da República. Não será deixando de cumprir nossa missão constitucional, desconfiando ou temendo vinditas advindas dos Poderes da República que progrediremos no sentido de debelar atuações endêmicas que comprometem o país.